ELMAR CARVALHO

 

 

Tela do pintor Di Kuka (Abinabel Kunha), inspirada na capa de meu livro Amar Amarante, que me foi presenteada por Homero Castelo Branco

 

Homero Castelo Branco no dia de sua eleição para ocupar uma das cadeiras da Academia Piauiense de Letras. Da esquerda para a direita: M. Paulo Nunes, Homero Castelo Branco e sua esposa Hilma, Reginaldo Miranda, Oton Lustosa, Elmar Carvalho, Fonseca Neto e Heitor Castelo Branco

 

Como está posto em sua própria “orelha”, Ecos de Amarante, de Homero Castelo Branco, é um livro sui generis. Embora não se coloque como um produto de vanguarda, ou mesmo como um paradigma da originalidade absoluta, que não existe, nem seu autor reivindica tal pretensão, o compêndio é um misto de romance, historiografia, sociologia, antropologia e repositório da cultura e do folclore amarantino. Termina, portanto, sendo um livro diferente e original, sem, no entanto, perder de vista as lições da tradição literária.

 

Sua leitura é bastante agradável, tanto pelo estilo escorreito, claro e conciso do autor, sem nenhuma mácula de pedantismo e empáfia, como, sobretudo, pela miscelânea dos vários assuntos tratados.

 

Pode-se dizer que é uma grande história, recheada de várias histórias menores, um verdadeiro mosaico, contudo, sempre permeado por um fio condutor, que tudo arremata, liga e alinhava, formando uma saborosa unidade.

 

Na tessitura ficcional, percebe-se uma habilidade do autor na narrativa e nas descrições, bem como na correta caracterização das personagens, que são bem delineadas, e mesmo dotadas de uma correta e lógica postura psicológica, com os atos e fatos bem encadeados e verossímeis. Não obstante siga um fio condutor, contém, como já dito, várias histórias, interligadas, mas que podem ser lidas, sem prejuízo, de forma independente.

 

Há passagens antológicas, seja pelo psicologismo com que as personagens são esboçadas, seja pela beleza do texto, às vezes repassado de uma verdadeira poesia em prosa, outras vezes pela narrativa tão-somente, a agarrar o leitor, e arrastá-lo até o deslinde final da trama. São vários os trechos que poderiam figurar em qualquer antologia piauiense, como as passagens em que o escritor se reporta às esquisitices de Maria Antônia e do médico Euler Pereira, destacando-se aquela em que esse esculápio, em sua excentricidade, discorre sobre os urubus, que até me fez evocar, apesar de sua originalidade, o célebre episódio da borboleta preta, de Machado de Assis.

 

De muito encanto e musicalidade, pelo modo de construção do período, são certos termos regionais que utiliza, com parcimônia e pertinência, o que afasta qualquer parentesco com o regionalismo menor, eivado de cacoetes e exageros, a dissimular a falta de talento e a inabilidade na urdidura da romancística.

 

Ao livro comparecem vários personagens da história amarantina e/ou piauiense, em situações bem colocadas e verossímeis, em que o pano de fundo histórico é fruto de pesquisa e correta interpretação. Assim, aparece o imortal vate Da Costa e Silva, em narrativas e cenas que bem poderiam ter acontecido, pois distantes de episódios grandiosos e mirabolantes, de que muitas vezes lançam mão os romancistas canhestros, para encobrir a falta de talento e traquejo. Outras figuras importantes aparecem, entre elas o professor Cunha e Silva, ao qual são dedicadas várias páginas, merecidamente, pois foi um fundador de colégios, notável jornalista e escritor, além de homem dotado de invulgar erudição. Por vezes, como uma espécie de contraponto, fundamentação e mesmo simples transmissão de conhecimento, o autor traz a colação pequenos textos extraídos da história.

 

Faz um interessante resgate do folclore e da cultura amarantina, e quando surge o momento oportuno, e não forçado, transcreve versos de cantigas populares, folclóricas e de roda, com cujo artifício dá vida e colorido pitoresco a sua narrativa, além de contribuir para a preservação dessas peças, que correm sério risco de desaparecer para sempre, em face da mídia avassaladora e pasteurizante.

 

A obra traz, por assim dizer, histórias da História, verdadeiros “causos” que a história oficial não conta, por motivos diversos, inclusive pelo pudor e receio de ofender a honra de famílias ditas importantes. Numa visão moderna e avançada, soube colocar fatos que bem se coadunam com a chamada história do cotidiano, em que costumes, hábitos e peculiaridades de uma certa época e comunidade são evidenciados. Para isso o autor desenvolveu, com argúcia e faro investigativo, novas pesquisas e novas interpretações, ao compulsar periódicos da época e “reclamos” comercias, entre outros documentos.

 Dílson Lages, Homero, Elmar, Reinaldo Torres e Antenor Rego

Dílson Lages, Homero, Elmar, Reinaldo Torres e Antenor Rego

Desse modo, pôde fazer uma espécie de releitura e análise da vida atribulada e romanesca de dona Auta Rosa, figura emblemática dos preconceitos e discriminações de épocas passadas, alguns dos quais ainda renitentes em sua permanência; da importância e beleza cultural do Clube dos Tetéus; da criação, atividade e emulações das “furiosas”, as célebres bandas musicais ou filarmônicas, que animavam a vida social de uma cidade interiorana. Pintou a tela viva da ressurreição ficcional da economia e do comércio de Amarante, principalmente a época da navegabilidade do Parnaíba, com as balsas e “vapores” que percorriam o poético “Velho Monge”, os empórios e entrepostos comerciais, e o fastígio da borracha e do extrativismo, mormente dos carnaubais. Também fatos importantes da história recente são trazidos à baila, numa acentuada aproximação ao que os doutos chamam de história imediata. Todavia sem perder o caráter de que executava obra de criação artística.

 

Homero Castelo Branco, fazendo jus a seu prenome, constrói uma verdadeira epopéia - a saga histórica, cultural e humana da encantada e bela Amarante, constituindo-se o seu livro um misto de ilíada e odisséia dos páramos dacostianos.

 

É um livro profundo, e que faz um vertiginoso mergulho nas águas profundas da cultura, folclore e história da “Cidade Azul” do poeta. De grande beleza, canta com graça e harmonia a beleza amarantina, beleza adamantina que também canto em meu poema Amarante, com cujos versos finais encerro esta conversa que já se vai alongando além do esperado e desejável:

 

              amarante

              perante ti

              imperante

o vento verdeja agreste nos ciprestes

rumoreja aguado nos aguapés

sacoleja sem leste oeste

a copa fagueira das faveiras

                tuas tardes tardas dolentes amaras

                                  abres das janelas

                                                       debruçadas em melancolias

e alicias e (re)velas

as moças nas modorras mormacentas macilentas

em que delicias cilicias e acalentas...