É tempo de desapego: a morte anunciada   de um grande jornal brasileiro (15)                           Cunha e Silva Filho         

 

        Conheci o Jornal do Brasil, ou como era  afetivamente  chamado pelos seus leitores  cativos, o JB, quando ainda no Piauí, naturalmente através do meu pai.  É certo que não o lia com assiduidade,  visto que a própria  distância dificultava qualquer estreitamento  de amizade entre jornal e leitor. Mas, já àquela época, nos primeiros anos dá década de sessenta, dava para avaliar o quanto era um bom jornal, não só na forma gráfica, como no conteúdo apresentado, nos editoriais, na excelência de alguns articulistas que nele passaram  anos e anos  escrevendo e iluminando de cultura e de informação válida os leitores espalhados pelo país afora.       

       Acredito mesmo que, por aquele tempo e, depois, já no Rio, tomei contato  com a coluna de Tristão de Athayde,  assim como de outros articulistas de renome, como Wilson Figueiredo (hoje com 86 anos) Carlos Castelo Branco, Carlos Drummond de Andrade ( na condição de cronista, sobretudo) e um outro de que gostava  muito, Moacyr Werneck de Castro,  tremendo jornalista e intelectual, que, felizmente, ainda está vivo, conforme  recente entrevista que concedeu à imprensa.  Entretanto, me parece que não mais escreve pelo menos na imprensa escrita.

      Que pena privar-nos de todos eles e de outros articulistas  do melhor quilate do jornalismo  e da  cultura brasileira. Sinto mesmo falta de Moacyr Werneck,  de Tristão de Athayde, pela sua cultura universalista,  e profundo saber literário e filosóficos e pela trincheira que abriu nos momentos mais sombrios dos governos militares a partir de 1964, de Barbosa Lima Sobrinho, pela firmeza de  sua convicções  democráticas em defesa de um  Brasil  autônomo e mais  justo, como sinto  falta,  em tempo mais recuado,  dos  poucos  textos  que tive a oportunidade de ler de Gilberto Freyre, Rachel  de Queiroz, de Astrogildo Pereira,  Austragésilo de Atayde, na revista O Cruzeiro. A coluna de Rachel chamava-se, se não me engano,  Última Página, a de Austragésilo de Vana Verba.

         Não me recordo, contudo,  do nome das colunas de Gilberto e de Astrogildo Pereira. Pena é que também, , naqueles idos, não conseguia assimilar, como  deveria, com mais profundidade de leitor,  as matérias lidas. Apesar de tudo,  valeu a pena. Alguma coisa  ficou deles todos. Mais tarde, já no Rio, foi a época em que o Jornal do Brasil iniciou o Caderno Ideias, que se tornou famoso e acatado,  e era leitura aguardada com  ansiedade e prazer, sobretudo numa fase áurea de tantos  bons articulistas, ensaístas, críticos, jornalistas, escritores em geral, que marcaram aquelas páginas com a tinta de papel  da sabedoria  e do brilho das ideias. (sem  trocadilho,  é claro!). 

        Interessante, não acompanhei, no Piauí,  a fase em que o Jornal do Brasil conheceu uma  período de fastígio  intelectual inesquecível, verdadeira ponta de lança da vida cultural  do país. É óbvio que estou falando do famoso SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil), que se estreou em 1956, com o surgimento do movimento de vanguarda chamado Concretismo. Infelizmente, àquela altura,  ainda estava usando calça curta, e nem de longe pensava em  assuntos mais sérios de poesia sofisticada, quando a minha cabeça  apenas se emocionava com  os sonetos  bilaquianos ou outros  poetas tradicionais  do Romantismo

       Nem sabia que Mário Faustino já era um  intelectual  de grande  reputação, apesar da juventude dele, quanto mais ouvir falar de Concretismo, Neoconcretismo, ruptura entre  neoconcretistas   de São Paulo   e Rio de Janeiro. Mais tarde,  tendo o Jornal do Brasil alcançado seu  apogeu  de diagramação e de jornal  de  estilo  moderno e inovador, que já vinha  do tempo do SDJB pela via indireta de um seu  Suplemento feminino  - de onde  eclodiu, conforme  informa  o criador do SDJB, Reynaldo Jardim,  o próprio SDJB, apresentando,  como matérias, contos e poemas, além de textos crítico-teóricos sob a liderança de Mário Faustino.  Anos depois,  surgia o Caderno Ideias, cuja leitura acompanhei durante anos, sobretudo na fase em que  brilhava uma coluna  de Jose Guilherme Merquior,  provavelmente um  dos primeiros grandes  ensaístas   da cultura que o  país  já  conheceu em todos os tempos, denominada  O mundo das ideias.

        Além disso,  o Caderno Ideias  acolheu grandes figuras da inteligência brasileira nele colaborando,  ou a ele concedendo  entrevistas. Algum tempo  atrás, tinha  eu  uma coleção  de numerosos  exemplares  desse Caderno cultural, mas a perdi em algumas mudanças de residência  por que passei e, por motivos de espaço físico, tive que me descartar, com o coração despedaçado,  de  coleções  de jornais e de revistas e um  bom número de livros didáticos sobretudo de língua inglesa  

      Aos poucos,  fui  observando que o velho JB de tantos leituras,  sobretudo depois da morte de sua proprietária, a Condessa Pereira Carneiro,  começava a  dar sinais  de  decadência,  primeiro sob a alegação de se tornar mais ágil e enxuto, com a  drástica redução do  número de páginas, em seguida,  pela sintomática  redução do número de páginas do Ideias, que me deixou  desconfiado quanto  às possibilidades  da   sobrevida do  outrora  grande jornal brasileiro. Agora, sou informado de que  deixará de  circular na forma  impressa, em  setembro próximo, passando a  sobreviver na forma eletrônica.

     Não será nunca mais o mesmo  sob  todos os ângulos, inclusive o de  não se poder mais manuseá-lo e sentir  a sua  forma física que  tanto encanto nos   causa e   dá   indizível prazer a quem ainda    pertence a  uma  geração nascida e crescida sob  o signo do papel  impresso. Isso dói e traz saudade. Já que não sou tão cético, ainda nutro  esperanças  de que haja uma reviravolta positiva e essa morte anunciada do JB impresso não se   torne uma  definitiva   realidade da comunicação jornalística no país.

      Mesmo sem conhecê-los pessoalmente, associo-me às vozes de lamentação  que já estão  irrompendo, como  as de Ferreira Gullar,   de Wilson Figueiredo,  do vice-presidente da República,  José Alencar, e de outros  leitores e  leitores ex- colunistas  de longa data do histórico  e respeitado Jornal do Brasil.