"É possível buscar com o setor privado a criação de um livro popular."

ENTREVISTADO:

Galeno Amorim

André Miranda

Fazer do livro um artigo acessível a todos é a grande meta do jornalista e escritor Galeno Amorim. Confirmado na última sexta-feira como novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Amorim vai administrar a distribuição de obras para seis mil unidades públicas gerenciadas por prefeituras, além de traçar os rumos da oitava maior biblioteca do mundo em acervo. Ex-secretário de Cultura de Ribeirão Preto e com passagens pelo governo Lula, inclusive na FBN, ele foi incumbido pela ministra Ana de Hollanda de preparar o terreno para a criação do Instituto Nacional de Livro e Leitura. Para isso, num primeiro momento ele vai acumular a gestão dos acervos das bibliotecas com as elaborações de políticas públicas para o setor. Entre suas metas, Amorim pretende criar um mecanismo de incentivo para que as editoras apostem em livros populares, mais baratos, a fim de alcançar os consumidores das classes C, D e E. Em entrevista ao GLOBO, ele expôs sua visão sobre direito autoral e acesso à leitura, e disse imaginar uma livraria popular nos moldes das farmácias populares.

Quais serão as prioridades de sua gestão à frente da Biblioteca Nacional? 
GALENO AMORIM: Eu gostaria de acelerar o processo de inserção da Biblioteca Nacional no cenário brasileiro e também no cenário internacional. E, em outra ponta, gostaria de fortalecer o Plano Nacional do Livro e Leitura, de forma a ampliar o acesso ao livro e aumentar o índice de leitura no Brasil, que hoje é de 4,7 obras lidas por habitante por ano.

Como ampliar esse acesso? 
É possível buscar com o setor privado a criação de um livro popular. Seria um livro mais barato, sobretudo para esse novo leitor que vem das classes C, D e E. A principal forma de acesso ao livro é via biblioteca pública. Mas, ao mesmo tempo, é preciso criar condições para as pessoas poderem comprar um livro mais barato. Isso é importante para o leitor, que aumenta suas possibilidades; para as editoras, que recuperam produtos fora de catálogo e podem criar subprodutos; para o autor, que pode ampliar a quantidade de exemplares; e também para as livrarias, que podem oferecer um produto diferenciado. Pode, por exemplo, haver uma livraria popular, como são as farmácias populares.

Mas isso seria feito através de subsídios do governo? 
Não necessariamente. Eu fiz uma consulta informal a entidades do livro. A ideia é desenvolver uma ação para que os editores percebam que existe a perspectiva de venda. Algumas empresas que atuam em outro segmento, como a Avon no caso da venda de porta em porta, conseguem fazer com que um livro que sairia por R$ 40 na livraria chegue ao consumidor por um preço três ou quatro vezes menor, justamente porque a editora tem a certeza de que o livro será escoado. Além disso, o governo pode muito bem dar uma garantia de que vai adquirir uma parte dos livros para ser distribuída a bibliotecas públicas.

Num primeiro momento, haverá alguma mudança no gerenciamento da Biblioteca Nacional? 
A Biblioteca Nacional terá toda a responsabilidade pela política pública do livro e da leitura no Brasil. Hoje, existe uma Diretoria de Livro, Leitura e Literatura e também existe o Plano Nacional de Livro e Leitura. Ambos devem vir para a Biblioteca Nacional, e eu terei a responsabilidade de preparar a criação do Instituto Brasileiro de Livro e Leitura. Esse instituto será o responsável pela gestão das políticas públicas da área, e, quando isso acontecer, a Biblioteca Nacional vai se dedicar exclusivamente para a Biblioteca Nacional.

Esse instituto terá o mesmo conceito do Instituto Brasileiro de Museus, o Ibram? 
Exatamente, será o Ibram do livro e da leitura. Ainda não consigo estabelecer um prazo, mas é a grande demanda do povo do livro. 

O senhor chegou a trabalhar na Biblioteca Nacional no governo Lula. Quais foram os principais avanços na época? 
Eu fui coordenador geral de livro e leitura da Biblioteca Nacional. Fui para lá em 2004, para formular um programa em que todos os municípios brasileiros tivessem sua biblioteca. Na época, o orçamento para a área era em torno de R$ 6 milhões. No ano seguinte, eu articulei com o senador Tião Viana, e ele apresentou uma emenda que aumentou os recursos para R$ 26 milhões, que nos ajudaram a criar as condições para zerar o número de cidades no Brasil sem bibliotecas.

Quanto falta para se alcançar essa meta? 
Falta pouco. No último levantamento, faltavam poucas dezenas, e apenas em municípios para os quais o MinC oferecia o kit com o acervo básico e o computador, mas as prefeituras ainda não tinham feito a instalação. Isso acabou motivando que o ministério suspendesse, em dezembro, o repasse de recursos para prefeituras que não instalaram suas bibliotecas.

É claro que é importante que se tenha bibliotecas em cada município, mas isso não garante a leitura. Como fazer com que a sociedade e a biblioteca se encontrem? 
O Plano Nacional do Livro e Leitura foi criado em 2006 como resposta para esse questionamento. São quatro eixos: a democratização ao acesso; a formação de mediadores de leitura como bibliotecários e professores; a valorização da leitura no imaginário coletivo, através de campanhas ou inserção de situações de leitura em programas de TV; e a economia do livro, com programas que incentivem pequenas editoras e pequenas livrarias, entre outros fatores. Quando você põe os quatro eixos em funcionamento, você estimula as pessoas a lerem.

Discute-se muito a possibilidade de uma nova Lei do Direito Autoral. O tema mobilizou o último governo, mas a ministra disse que vai reavaliar o projeto. Como o senhor enxerga a questão? 
Uma coisa é consenso: é importante que as legislações sejam sempre atualizadas à luz dos novos tempos. A ministra tem se posicionado de forma prudente, mostrando-se aberta a ouvir as várias partes envolvidas. E de uma forma muito serena, ela já sinalizou que vai apreciar essas várias argumentações. E eu me alinho completamente com essa visão. Todos nós temos conhecimento da necessidade de se promover avanços. O material que os criadores produzem tem o valor de seu esforço e dedicação, e isso precisa ser respeitado, e por outro lado os leitores precisam ter algum direito de ter acesso a essa produção acumulada pela sociedade.

 

Publicado originalmente no Jornal O Globo, em 24.01.2011