E agora, um faroeste
Por Miguel Carqueija Em: 09/04/2010, às 12H32
TOM MIXA
Miguel Carqueija
Descia o crepúsculo em Lumbago City e pela longa estrada vinham vindo dois cavaleiros a passo lento.
Explicando melhor: os passos não eram deles, mas dos coitados dos cavalos. O mais velho dos dois dizia (desta vez refiro-me aos cavaleiros):
— Este lugar, Justin, é para homens de verdade, não para maricas. Não esqueça disso enquanto lá estivermos.
—Claro que não, chefe. Tenho boa memória. Ainda me lembro bem dos velhos tempos, quando aqui estive pela primeira vez. Os xerifes não paravam. Era o tempo da corrida do ouro; quem o descobrisse não estava em segurança. No primeiro ano da corrida o administrador do cemitério prosperou como nunca.
— Vejam só!
Tom Mixa continuou discorrendo sobre o passado e Justin continuou respondendo com frases banais. Pouco depois Tom e seu admirador se aproximaram do saloon.
— Agora, Justin, deixe que eu lhe diga uma coisa. Não se entra de qualquer maneira num lugar desses. É preciso impor o respeito desde o primeiro instante. Lá dentro podem estar nesse exato momento alguns dos piores malfeitores do Oeste. Ao entrar no saloon é preciso mostrar bem que se é um homem.
— Mas chefe, nesse caso o que é que a gente faz quando é mulher?
Tom pigarreou.
— Não me faça perguntas cretinas, por favor. Como eu dizia, ao penetrar no local todo cuidado é pouco. Devemos estufar o peito, erguer bem o queixo e calcular cada movimento, para que todo mundo veja que não somos bobocas. Me acompanhe que eu lhe mostro.
Tom e Justin desmontaram e seguiram em frente. Tom ergueu o queixo, estufou o peito e empurrou com as mãos bem espalmadas as duas portas do salão. Em seguida, pomposamente, deu o primeiro passo para dentro.
A espora prendeu no degrau da entrada e Tom Mixa caiu de cara no chão.
Ouviram-se risos e mais risos, enquanto Justin se abaixava para auxiliar o outro a se erguer.
— Chefe, tem certeza de que é assim que a gente deve entrar?
Tom não respondeu com palavras; rosnou.
Levantou-se, juntou os pedaços da sua dignidade e caminhou até um canto, com o outro a segui-lo. Sentaram-se a uma mesa (isto é, sentaram-se em cadeiras junto a uma mesa). Com a fisionomia bastante enfezada, Tom Mixa começou a ler o cardápio.
— Que vão beber, senhores? – indagou o garçom.
— Limo... — começou Justin, mas Tom chutou-lhe a canela.
— Que negócio é esse de licor de cebola selvagem?
- Ah, é uma novidade que um cidadão daqui inventou. Mas é uma bebida um bocado forte; poucos tomam.
— Ah, é? Então traga duas doses duplas.
JUSTIN (sussurrando no ouvido de Tom) – Chefe, na verdade eu preferia tomar limonada...
— Bem... talvez seja melhor trazer uma só dose para o meu amigo. Mas para mim traga dupla!
— Está bem, senhor.
O garçom se afastou. Ao mesmo tempo um sujeito pançudo e com a barba por fazer aproximou-se da mesa em atitude provocativa, puxando uma cadeira e olhando bem para Tom.
— Forasteiro, ouvi dizer que vai tomar dose dupla do licor de cebola?
— Vou, sim, Algum problema?
— Não, claro que não. Faço até questão de lhe acompanhar. Mas olhe que esse licor não é para qualquer um. Mesmo em dose simples.
— Não somos qualquer um.
O garçom retornou e o recém-chegado pediu mais dois copos.
— Me espere, vamos beber juntos. Qual o seu nome?
— Tom Mixa. Este é o meu companheiro, Justin Bainsfather.
— Eu sou Jack Empadão, o Soca-Mula, como o pessoal me chama. Seremos amigos, não é? Eu acho melhor.
Chegaram os novos copos.
JACK — Bem, à saúde!
TOM — À saúde!
JUSTIN — À saúde, que eu acho que vou precisar mesmo!
Beberam a dose de uma só vez.
TOM — Justin, aonde vai você?
— Ao banheiro.
— Raios! Será que ele não agüentou?
— Não ligue para ele, chapa. Vamos tomar a segunda dose que é melhor.
— Eu... (glup!) o senhor faz mesmo QUESTÀO?
— Lógico, chapa! Porque se você não tomar a segunda dose comigo, você não é meu amigo. E você não quer deixar de ser meu amigo, não é?
— É claro que não, seu Jack.
(Seja o que Deus quiser.)
Tomaram juntos a segunda dose e Tom sorriu amarelo.
— É, na verdade é uma boa bebida.
— Parabéns, velhinho. Não pensei que você agüentasse tão bem.
— Ora, eu sou um cowboy calejado.
Justin retornou do banheiro e Tom pediu licença e se levantou.
— Moço, foi um prazer conhecê-lo, mas precisamos arranjar um quarto.
— Olhe, vão lá na esquina, na estalagem do tio Baltazar, é saindo à direita.
— Muito obrigado pela indicação. Faremos isso.
— Diga que foi o Soca-Mula que mandou. O Soca-Mula, lembrem-se.
Eles saíram e montaram nos cavalos. Entretanto Tom não se deteve e dobrou a esquina.
JUSTIN — Chefe, não vamos na estalagem?
— Já, não. Espere um pouco.
— O que é que o senhor está procurando?
— Numa cidade desse tamanho deve ser fácil achar. Ah, ali está!
Parou o cavalo em frente a uma placa que dizia:
DR. GILBERT CONRAD
MÉDICO
PREÇOS MÓDICOS
Entrou na sala de espera e disse ao espantado Justin:
— Espere aqui.
Meia hora depois de entrar no gabinete do médico Tom reapareceu parecendo mais bem disposto.
— Arre! Pensei que dessa eu não escapava!
Então eles foram ter na estalagem.
— Espero que ainda peguemos o jantar — disse Tom.
Encontraram o tio Baltazar e conseguiram um quarto. Depois Tom perguntou:
— A propósito, seu Baltazar, o que temos hoje para jantar?
— A especialidade da casa. Bife com cebolas, acompanhado por sopa de cebola.
— Tanta cebola assim?
— É claro! Cebola é o melhor alimento do mundo! E aqui também servimos o
licor de cebola selvagem, que é invenção minha. Tenho certeza que o senhor gostará.
Justin sussurrou ao ouvido de Tom:
— Chefe, que é que vamos fazer agora?
— Ainda pergunta? Vamos bater em retirada enquanto eu estou vivo!
Diante do espanto do tio Baltazar os dois heróis do Oeste correram para fora, montaram nos cavalos e saíram a toda brida pela planície afora...
GOOD BYE!
-