Bráulio Tavares
Aprendi de cor este soneto de Bilac ainda na infância. Meu pai arrancou uma página de revista em que ele vinha impresso, com uma foto do poeta ao lado, emoldurou-o e pendurou-o na parede da sala. Vez em quando, ao longo dos anos, eu parava e relia. Entranhou-se na minha memória como água na esponja. Um dia, em plena senilidade, terei esquecido meu nome mas serei capaz de balbuciar: “Não és bom nem és mau – és triste e humano, / vives ansiando em maldições e preces / como se a arder no coração tivesse / o tumulto e o clamor de um largo oceano”.
Neste primeiro terceto, Bilac parece apaziguar os remorsos de um amigo, ou os seus próprios. Já começa nesta primeira estrofe (com bom/mau, maldições/preces) o magnífico jogo de antíteses que será mantido até o fim. Bilac sugere que o que fazemos depende menos de uma escolha ética nossa do que do tumulto mental que nos arrasta pela vida afora. O segundo quarteto diz: “Pobre, no bem como no mal padeces / e rolando num vórtice vesano / oscilas entre a crença e o desengano / entre esperanças e desinteresses”. Surge a única palavra obscura do texto, “vesano”, derivado de “vesânia”, loucura. E o poeta repisa o caráter dilacerado da alma humana, com mais uma trinca de dualidades no 1o., 3o. e 4o. versos.
O soneto cresce a partir do primeiro terceto: “Capaz de horrores e de ações sublimes / não ficas das virtudes satisfeito / nem te arrependes, infeliz, dos crimes”. É um traço curioso de uma certa mentalidade torturada ocidental, homens que “não crêem em deus mas têm medo do inferno”, que vivem equilibrados num fio e podem praticar a qualquer momento os atos mais aterradores ou mais altruístas. E ele conclui: “E, no perpétuo ideal que te devora / residem juntamente no teu peito / um demônio que ruge e um Deus que chora”.
Não vou enumerar os polos opostos restantes que fazem desse poema um dos mais típicos desta fase de Bilac (como “Inania Verba”, já comentado nesta coluna) em que ele escolhe com rara habilidade símbolos que se traduzem em palavras que guardam simetria formal, sonora, etc. Este verso final, uma das “chaves de ouro” mais belas de Bilac, exprime o dilema de um poeta fortemente emotivo e reprimido. É um verso nietzschiano, e o filósofo talvez perguntasse, com arrogância: “E o que é mais digno: rugir, ou chorar?”. O Deus que chora é o mesmo que nunca fica satisfeito com as virtudes que cultiva; o demônio que ruge é o que não se arrepende dos próprios crimes. O primeiro deles é o Bilac público, sempre polido, cuidadoso, cioso de sua imagem. O segundo talvez seja o que Bilac poderia ter sido em outras circunstâncias. Diz-se que o poeta tinha um laivo homossexual enrustido, mas as imagens femininas em sua poesia são as mais eróticas de sua época. Não me parece mera retórica: Bilac tinha fixação erótica no corpo feminino. Era um sensualista que, em outra época, talvez fosse um grande conquistador de moças e rapazes. Mais um dualismo.