[Bráulio Tavares]



“Lanterna Mágica” é na verdade um conjunto de pequenos poemas numerados que Carlos Drummond incluiu no seu primeiro livro, Alguma Poesia, que está completando 80 anos. São oito poemas ao todo, sendo cinco deles sobre cidades mineiras, um sobre Nova Friburgo (RJ), um sobre o Rio de Janeiro e outro sobre a Bahia. A expressão “lanterna mágica” sugere a projeção de imagens coloridas, de “slides” com cartões postais projetáveis na parede, mostrando imagens de pontos turísticos do mundo inteiro.

O primeiro poema, “Belo Horizonte”, lembra em alguns aspectos o famoso “Noturno de Belo Horizonte” de Mário de Andrade (1924). O poema de Mário, ao que parece, surgiu da famosa visita que ele fez à capital mineira juntamente com Oswald de Andrade, Tarsila do Asmaral e Blaise Cendrars, servindo-lhes de cicerone para conhecer as cidades históricas de Minas. Hospedado no Grande Hotel de BH, o grupo paulista recebeu a visita de jovens intelectuais mineiros, entre eles Drummond. E a BH do curto poema de Drummond (“Debaixo de cada árvore faço minha cama, / em cada ramo dependuro meu paletó. / Lirismo. / Pelos jardins versailles / ingenuidade de velocípedes”) mantém algo do clima lírico e melancólico do longo poema de Mário (“Maravilha de milhares de brilhos vidrilhos / calma do noturno de Belo Horizonte... / O silêncio fresco desfolha das árvores / e orvalha o jardim só.”). Retorna no poema de Drummond uma das figuras de linguagem preferidas dos modernistas, o contraste por justaposição entre o solene e tradicional (“versailles”) e o banal e moderno (“velocípedes”).

O segundo poema, “Sabará”, é o mais longo do conjunto, e de certo modo o que tem mais autonomia. Todo ele se trava nesse choque de imagens entre o antigo e o moderno. Drummond transforma o ambiente em personagem, dando às coisas inanimadas alma e emoções de seres vivos: “A dois passos da cidade importante / a cidadezinha está calada, entrevada. / (Atrás daquele morro, com vergonha do trem”). Nesta linha uma sutileza, pois não fica claro se a cidadezinha tem vergonha de ser avistada pelo trem, ou se se envergonha dele. A maioria dos modernistas fazia esses contrastes para ironizar o passado; Drummond ironiza os dois lados.

Este poema é um dos poucos em que ele emprega repetidamente o “português errado” que Mário usava com tanto liberalismo e descontração: temos “jinelas”, “Penção”, “Juaquina”, “maginando”, “quede”. Retorna aqui o “forde” usado em “Também já fui brasileiro”, num tempo em que essa marca era sinônimo de automóvel. Drummond faz um retrato visual da cidadezinha entre montanhas, e na penúltima estrofe deflagra a ruptura modernista: “O presente vem de mansinho / de repente dá um salto: / cartaz de cinema com fita americana”. Como o “forde”, a “fita” americana é símbolo do futuro, ou melhor, do Presente que encurrala as cidadezinhas refugiadas atrás dos morros.