Por  Luiz Filho de Oliveira

Dentro da política habitacional planejada pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) para Teresina, a construção do conjunto Primavera, em 1966, foi a terceira obra desse tipo na capital piauiense, antecedida que foi pelos conjuntos Tabuleta e São Raimundo. O Primavera fez, pois, parte da estratégia do governo para atrair a população do interior do Piauí para a “Cidade Verde”, como Coelho Neto a-cunhou (que trocadilho escroto!). Isso deu certo. A partir desse período, a população da “primeira capital planejada do Brasil” passou de noventa e tantos para quase quatrocentos mil habitantes. Somente nos dois primeiros anos desse projeto, de 1966, época do primeiro conjunto habitacional da capital, até 1968, quando foi construído o Parque Piauí, o quinto conjunto, foram vendidas à população cerca de três mil unidades habitacionais. Haja casa para tantos casos!

O meu, o-escrevo: a atração de minha família, vinda do Alto Longá em 1974, também se-deu por esses planos e planejamentos. É. Também, porque mamãe passou um tempão nas oiças de papai pedindo pra ele nos trazer para a capital, para estudar. Ladainha de mãe, coro de professora; alguns de vocês sabem. Persistência, mundivisão, sabença. Assim – ou asnão! –, o Primavera entra nisso, sim; e entramos nele em um Misto (um caminhão com uma boleia de passageiros e uma outra parte, uma carroceria para cargas) fretado por meu pai para trazer-nos e a nossa muda, que dizia tudo – éramos “matueiros”! –, a esta Canaã urbana. Ao chegarmos à “Capital Mafrense”, nossa família, nove pessoas, foi morar em frente às Quadras B e C desse conjunto, no bairro Primavera, que surgiu, claro, a partir daquele.

Foi, então, que o nosso cenário mudou completamente: dos bois e bodes a carneiros e cabras, que nos-rodeavam na Fazenda Criolis, de nossa família, passando pelas paisagens em volta da casa na rua..., em Alto Longá, chegamos aos “cabras de peia”, comadres e “caras” dessa cidade. Cenário novo; novas personagens. E, ainda mais, um novo palco para nós: papai comprou uma casa nova na outra esquina do mesmo quarteirão onde morávamos, pois a que habitávamos era de aluguel. Obras nessa nova casa, ainda inacabada: paredes sem reboco, piso bruto, banheiro externo, cerca de arame... É melhor chamar um pedreiro. Obragem.

Era uma vez, então, o Gojoba, o pedreiro da área, do bairro, ou melhor, do conjunto. Gojoba morava lá embaixo; é fácil chamá-lo. “Às vezes, até no domingo dá, se eu não tiver bebendo”. Gojoba era querido de todos, principalmente, dos filhos do seo Domingo, o alfaiate. Netão, Pedro Cão, Zé “Orea” e Paulo Cenoura, se tiverem bebendo, o Gojoba tava lá. E foi desse jeito que aconteceu uma anedota conhecidíssima no Primavera, entre os  moradores das décadas de 70 e 80, claro. Ela virou até piada na boca do Dirceu Andrade; alguém muito próximo (mais de mim do que dele) é que me-disse. É, foi hilário. Caso de anedota mesmo. História pra boi sorrir!

Mas não vou contá-la literalmente; tentarei somente escrever o que possivelmente tenha havido. Não sei se o Pedro Cão já havia-se-formado ou se ainda estava cursando Medicina na UFPI. O certo é que haveria uma festa, parece-me que ligada aos acadêmicos desse curso. Pedro Cão, claro, deveria ir. Aliás, sempre ia a esse tipo de comemoração. Só que a decisão foi tomada numa bebedeira da turma, talvez na quitanda do seo Juarez. Pois não é que o Gojoba também estava lá. Pois é, o pessoal decidiu que levaria Gojoba para a festa. Aliás, Doutor Gojoba; era assim que eles iriam apresentá-lo a todos. Nisso, certo, havia uma boa dose (dá-lhe, cana!) de preconceito ou de previdência quanto a possíveis preconceitos de outras pessoas. Afinal, Gojoba era um simples pedreiro. É, Gojoba ia ser o Doutor Gojoba, o que é que tem?

Botaram uma beca no Gojoba, e vamos lá. Festa vai, bebidas vêm; Gojoba já estava entrosado com todos, inclusive, com as colegas de curso de Pedro Cão. Era Doutor Gojoba pra cá; Doutor Gojoba pra lá. “Doutor Gojoba, o senhor acredita que...”. “Doutor Gojoba, o senhor já estudou aquele caso...”. “Doutor Gojoba...”. Gojoba, a princípio, achou graça dessa parada de “Doutor”. “Porra, aqui tá chei de coroa!”. Curtiu à vontade, principalmente, porque as acadêmicas o acharam muito engraçado. E a bebida descendo a goela, gelada ou quentíssima. E a cabeça foi enchendo. “Doutor Gojoba, cadê seu copo?”. “Doutor Gojoba, espere mais um pouco”. “Doutor Gojoba, isso; Douto Gojoba, aquilo”. Gojoba ficou cheio disso e se-levantou com a fala-desfecho da anedota:

– Que porra de Doutor Gojoba! Que nada! Eu sou é pedreiro e vou é embora; amanhã eu tenho que acordar cedo, pois eu tenho é três metros de muro pra levantar!