Dos sonhos
Rogel Samuel
Todos nós temos alguns sonhos, que alimentamos com cuidado e que residem no mais secreto de nossas consciências. Avançamos na velhice alimentando sonhos. Quando deixamos de sonhar, entramos em processo de morte. Dessa forma, a morte é, pois, invenção da vida. A morte também é um dos nossos sonhos. Inventamos a morte, criamos nela o céu, o inferno e tudo o mais. Mas, além da morte, temos outras realizações no domínio dos sonhos.
Somos responsáveis pelo que sonhamos. Cuidado com eles, que facilmente viram realidade. Não pense que eles são “apenas sonhos”. Podem ser tão verdadeiros quanto a realidade, ou podem morar nas regiões mais distantes, e nunca aparecer.
Que são os sonhos? Não os menospreze. Seremos o que sonhamos. Concretizamos as obras que com elas sonhamos antes.
A matéria, diz Aristóteles, é o ser em possibilidade, como a cera é a possibilidade para o sinete, diz Bloch.
“Há muitos graus de realidade. A realidade não traz a justiça em si mesma. Está aberta sobre o porvir, escreveu Ernst BIoch, em “O Homem Como Possibilidade”.
O sonho pode agir criadoramente de maneira concreta. As coisas ainda não estão decididas, acabadas, concluída. Falta o quê? Falta o futuro, o Futuro.
O futuro está no espaço mágico dos sonhos, na sinfonia das nossas esperanças e aspirações, lá, lá onde tudo é possível. É lá que está aquele laranjal florido, aquela casa, aquela montanha, você a conhece?
“Conheces a montanha ao longe enevoada?
A alimária procura entre névoas a estrada...
Lá, a caverna escura onde o dragão habita,
E a rocha donde a prumo a água se precipita...
Não a conheces tu?
Pois lá... bem longe, além,
Vamos, ó tu, meu pai e meu senhor, meu bem!”
(Goethe. “A canção de Mignon”, Trad. de João Ribeiro)