Dois novos comentários sobre Histórias de Évora
Por Elmar Carvalho Em: 24/04/2016, às 07H22
Diante de uma nova análise do professor Cunha e Silva Filho sobre os dois capítulos iniciais de meu programado romance Histórias de Évora, julguei oportuno fazer alguns esclarecimentos, que foram objeto de um percuciente comentário crítico do festejado cronista e crítico literário.
Seguem os dois referidos textos, para que o leitor os analise e coteje:
Caro Cunha,
Aos poucos, assim espero, irei desvelando minhas poucas personagens, mas sem ter a pretensão e o desejo de revelar "tudo", até porque, mesmo na vida real, nunca conhecemos totalmente uma pessoa, mesmo as que convivem conosco há muitos anos.
Por outro lado, junto com as histórias das personagens principais, irei contando outras histórias da cidade de Évora e de outras pessoas, como está a indicar o próprio título do livro.
Cabe ao leitor, com a sua inteligência, experiência de vida e imaginação, interpretar as entrelinhas e os silêncios, e complementar as lacunas.
Muitas vezes, a meu ver, uma obra de arte deve mais sugerir, do que dizer de forma explícita.
Portanto, se faz necessária sempre a cumplicidade do leitor.
Espero também fazer uso da concisão, para não cansar e maçar o apressado leitor dos dias internéticos de hoje.
Abraço,
Elmar
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Caro Elmar:
Sua mensagem à minha tem um valor inestimável. V., sem se valer de protocolos e trâmites teóricos, afirma alguns pontos fundamentais da esfera da composição ficcional.
O primeiro, o que mais me chamou a atenção foi ao dizer que mais vale "sugerir" do que explicitar, o que é um traço significativo de outro gênero literário: a poesia, sobretudo a poesia simbolista.
Um segundo é quanto ao que se refere ao "silêncio' na estrutura ficcional, seja conto, novela, romance. drama, teatro (na forma escrita).
Uma notável professora que tive de psicologia educacional me ensinou que o silêncio é também "comunicação". Alegava a estudiosa que não é possível ficar em silêncio sem se comunicar. Realmente, uma grande sacada de minha ex-professora.
O terceiro ponto reside na sua afirmação de que - e isso é por demais digno de nota - na vida não chegamos mesmo a compreender as pessoas mais íntimas que nos rodeiam há anos. Eu diria mais, me lembro de uma imagem que tenho sempre presente: a da multidão que passa por nós. Vemos uma pessoa e talvez seja aquela a última vez que a vimos na vida. Na ficção, mutatis mutandi, se dá o mesmo. É preciso fazer-se o recorte regido pela seguinte série de elementos constitutivos na ficção: personagem, enredo, espaço, tempo e visão do narrador/autor e tratamento específico e basilar da linguagem literária à qual tudo se resume e se transforma em objeto estético.
Com o avanço dos estudos teórico-críticos, cada vez mais se compreende o quanto o leitor é relevante na interpretação de uma obra literária. E aí podemos citar correntes do pensamento teórico como a "estética da recepção", de Hans Robert Jauss, e outras ramificações da crítica fenomenológica de Edmund Hussell, como a "reader-response criticism", de Stanley Fish e Wolfgang Izer, ou de outros teóricos com George Poulet e J. Hills Miller.Tais abordagens têm o leitor como um dos pilares na compreensão e exegese da obra literária.
Essa brevíssima digressão se enquadra perfeitamente no que V. entende por narrativa.
Um último aspecto que inferi de sua mensagem diz respeito à concisão que é muito bem-vinda em tempos rápidos e revolucionária da era digital.
Julgo que o diálogo franco com um ficcionista, na minha condição de ensaísta e crítico, sempre foi salutar na vida literária sem, no entanto, ser parcial, submisso ou hipócrita.
Um abraço do
Cunha e Silva Filho