Dois estudos práticos para o ensino da língua portuguesa no Brasil
Por Cunha e Silva Filho Em: 28/04/2018, às 16H01
Cunha e Silva Filho
Abstract: This paper analyses two functional studies of Portuguese Language, respectively, Aprenda a falar e a escrever corretamente, by Luiz A, P. Victoria, and O poder das palavras, by Walmírio de Macedo, i.e., grammar studies intended to teach a language for practical purposes, with a method quite different from the ones used in writing scholarly advanced grammars which are mostly read by specialists and not perused by the common reader who only wants to learn the basics of his own language and so is not interested in going deep into the realms of intricate grammars couched in a difficult exposition out of the average reader’s reach. This kind of studies in Brazil may be roughly traced back to 1960s, 1970s and 1980s with books that were chiefly published by Edições de Ouro and a couple of other Brazilian publishing companies. Moreover, these works (generally thin books) have some traits similar to the approach used by the so-called self-taught grammars and practical studies, mainly in the United States.
Keywords: Language – Portuguese – practical – functional – grammars – academic - self-teaching.
Resumo: Este ensaio analisa dois estudos de Língua Portuguesa, i.e., estudos gramaticais destinados ao ensino de uma língua com finalidades práticas e com método bem diverso daqueles usados nas gramáticas avançadas e acadêmicas, as quais são, na sua maioria, lidas por especialistas e não compulsadas pelo leitor comum que apenas deseja aprender os fundamentos básicos de sua língua materna e, por isso mesmo não se interessam por aprofundar-se nos domínios intrincados de gramáticas vazadas numa exposição difícil fora do alcance desse leitor comum. Este tipo de estudos aproximadamente remonta às décadas de 1980, 1970 e 1980 com obras que foram na sua grande parte publicadas pelas Edições de Ouro e por algumas outras editora nacionais. A par disso, essas obras (geralmente livros breves) têm características similares às chamadas gramáticas ou estudos autodidáticos, sobretudo de origem norte-americana.
Palavras-chaves: Lígua – Português – prático – funcional – gramáticas – acadêmico – autoestudo.
Neste ensaio emprego a expressão sintagmática “Gramáticos funcionais” inspirado num título e abordagem funcional de um autor norte-americano, George C. Cevasco que publicou uma breve gramática inglesa intitulada Grammar self-taught. [1]
Nos EUA, ao longo do tempo, se editaram numerosíssimas obras mais ou menos enquadradas nos termos propostos por Cevasco, ou seja, uma gramática simplificada, visando, antes de tudo, à facilidade de exposição de usos funcionais ou pragmáticos da língua inglesa, longe da complexidade terminológica de gramáticas acadêmicas, mais destinadas estas últimas aos estudantes do ensino superior de Letras e professores universitários, distantes, assim, dos interesses de outros usuários de gramáticas, seja por não terem ainda nível de conhecimentos linguísticos suficientes como os alunos do junior and senior high school, seja porque tais gramáticas simplificadas atendiam a um público muito mais amplo e diversificado de profissionais de comunicação, jornalistas, vendedores, homens de negócios, apresentadores, radialistas, oradores, advogados, médicos, engenheiros, enfim, um público-alvo para o qual uma exposição avançada de uma gramática não teria muito proveito imediato.
Daí que minhas reflexões sobre modos de escrever gramáticas me levaram a divisar duas espécies de gramática de uma língua: a) gramáticas acadêmicas,[2] com apresentação somente de conteúdos teóricos avançados e endereçadas a especialistas (professores e estudante de Letras); b) gramáticas mistas,[3] as que visam a expor tanto conteúdos teóricos em níveis médio e superior quanto aplicação destes através de exercícios discursivos, testes objetivos, de múltipla escolha, inclusão de questões de vestibulares e concursos públicos em geral, servindo a um leque de leitores, como estudantes, professores do ensino fundamental e médio de Língua Portuguesa e a especialistas (professores e estudantes do ensino superior de Letras e o público indistintamente.
Esse segundo tipo de gramática, em algumas obras, como é o caso da gramática do Professor Manoel P. Ribeiro (vide nota de rodapé 3 abaixo), presta-se a ser uma obra também de referência, à semelhança dos dicionários, para consultas a inúmeras questões gramaticais, desde aspectos gramaticais de dificuldade mediana a temas mais complexas e resultantes das mais recentes investigações no estudo da língua, como linguística do texto, teoria da comunicação, análise de textos, sociolinguística, semântica, estilística, redação argumentativa. Os estudos práticos sobre questões gramaticais - tema nuclear deste ensaio - estão mais próximos da segunda espécie de gramática.
No Brasil, nos anos 1960 a 1970, aproximadamente, esse mesmo tipo de estudos funcionais esteve muito em voga, principalmente a partir das publicações de bolso das Edições de Ouro, muito voltadas aos chamados livros de autoestudo tanto para os primeiros passos do ensino de línguas modernas como os voltados a esse tipo de gramática funcional ou estudos temáticos sobre aspectos práticos gramaticais - objeto do presente estudo. Sempre assaz curioso, naquele tempo, por esse tipo de estudos, comprei alguns livros dessas coleções ainda no Piauí e, depois, no Rio de Janeiro onde fixei residência.
Devo registrar que eu próprio me incluiria entre esses leitores não só no tempo em que era universitário de Letras mas ainda pela vida afora. Não vou negar que elas me foram proveitosas na aprendizagem geral do vernáculo e não conto as vezes em que a elas recorri para consultas imediatas e mesmo subsídios às minha aulas de língua portuguesa em cursinhos do ensino médio, particular e público.
Algumas dessas obras vinham com uma novidade - a chave dos exercícios propostos -, novidade que não era só de então, nem tampouco de agora, pois, nos idos dos anos 1920, a velha editora F.T.D., de excelentes obras didáticas para as várias disciplinas dos currículos de então, já incluía a chave de exercícios para uso só dos docentes. Por outro lado, o emprego da chave de exercícios, incluída no livro ou em edição em separado, hoje ainda é amiúde usado, não somente no país como em publicações do exterior, principalmente nos EUA e na Inglaterra.
A chave de exercício se tornou um instrumento generalizado nos livros didáticos brasileiros, a qual, a meu ver, é sempre bem-vinda tanto para docentes como para discentes.
Não tendo como objetivo aqui desenvolver um estudo mais minucioso dessas obras práticas, no entanto, seria lícito levantar alguns dados sobre o assunto que, de outra forma, poderiam permanecer esquecidos da atenção dos estudiosos e produtores de gramáticas na atualidade, inclusive tendo em vista que essas obras, ventilando tópicos gramaticais, fizeram história na produção bibliográfica do gênero no país. Por conseguinte, cabe-nos tecer alguns comentários sobre duas obras desta bibliografia didática escrita à margem da produção acadêmica e especializada.
Escolhi como corpus das minhas análises não apenas autores editados pelas Edições de Ouro (hoje, Ediouro) mas autores que deram a lume obras gramaticais deste tipo em outras editoras. Para fins desta pesquisa, elegemos dois autores e uma obra correspondente a cada um. Para a discussão do tema, desenvolveremos a nossa exposição segundo os capítulos seguintes: 1) Considerações sobre os autores; 2) A organização das obras e seu conteúdo; 3) A importância desse tipo de obras e seu alcance junto aos leitores.
Autor: Obra examinada):
Luis A. P. Vitória Aprenda a falar e a escrever
corretamente a sua língua [4]
Walmírio de Macedo O poder das palavras com um
vocabulário rico [5]
1.A organização das obras
1.1 Consideração sobre os autores
O entendimento deste ensaio só se torna pertinente quando pensamos nos estudos gramaticais sem preconceitos, seja acadêmicos, seja por motivos pessoais. Assim o fizeram os países mais avançados do mundo civilizado. Não faz sentido subestimarmos a priori alguns estudos gramaticais por motivos meramente elitistas só explicados pela falta de perspectiva do contexto cultural do estudioso diante da história da nossa educação e, em particular, dos estudos de linguagem no Brasil. Cumpre entender que a produção didática ou especializada no campo da gramática, dos estudos filológicos e linguísticos só adquiriu um nível de eficiência e atualização após o surgimento dos cursos superiores de Letras no país a partir do final anos 1930.[6]
Por outro lado, a formação dos professores de língua portuguesa, por exemplo, atravessou duas fases distintas: a de professores sem a devida formação acadêmica nos estudos literários, quer dizer, via Faculdade de Letras e os docentes graduados por esta última. Desta maneira, durante alguns anos, professores de áreas que não a de Letras, principalmente oriundos do curso de Direito, supriram a ausência de professores licenciados em Letras.
É neste contexto histórico que muitos estudiosos de questões de linguagem, amparados em leituras de grandes gramáticos brasileiros, por autodidatismo foram-se aprofundando e alguns deles começaram a produzir obras relacionadas à gramática dirigidas ao público em geral não especializado. Neste grupo se encontram nomes como Luis A. P. Victória, Osmar Barbosa, José Perea Martins, entre outros, ao lado de mestres do ensino médio e superior como Walmírio de Macedo,[7] entre outros.
Na maioria eram autores produtivos, com muitas obras práticas acerca de temas da linguagem normativa, obras pautadas no “certo” ou “errado” da sintaxe portuguesa. Aliás, no país vem de longe essa prática, hoje não bem aceita por alguns novos gramáticos e linguistas, devido aos excessos de ortodoxia no uso sintático, em suma, na prática da gramatiquice que tanto foi combatida pelos escritores modernistas, principalmente da primeira fase inicial, a de 1922. Seriam emblemáticos o opúsculo Regras práticas para bem escrever, de Laudelino Freire[8], membro da Academia Brasileira de Letras, e, em Portugal, os volumes de O que se não deve dizer, de Candido de Figueiredo, gramático e filólogo português). A antiga crítica gramatical, praticada entre nós por um Osório Duque Estrada e, em Portugal, por um Gomes de Amorim[9] que, segundo a afirmação de Hênio Tavares, “mutilou Camões no leito de Procusto da sua estreiteza gramatical.”[10]
Antes mesmo do Modernismo brasileiro, no período convencionalmente chamado de Pré-Modernismo, o escritor Lima Barreto já era bem criticado por utilizar uma linguagem literária muito próxima do uso oral, reproduzindo o falar de pessoas do povo. O que seria um avanço no emprego da linguagem literária era menosprezo de críticos gramaticais que não atentavam para a dimensão “estético-social”[11] da sua obra renovadora por lhes faltarem, a meu ver, ampla visão estética.
A circunstância de me cingir apenas aos quatro autores citados, sinaliza mero ponto de referência a um número de outros autores que desenvolveram obras semelhantes e que podem ser tema para outras pesquisas mais completas voltadas a esse tipo de estudos funcionais, tratando de questões gramaticais sem propósito algum de apresentar hipóteses de teses sobre partes da gramática normativa, geralmente, sem aparato bibliográfico nem terminologia científica.
Constituem obras sem viés erudito, prontas a atender aos usuários em consultas rápidas, conforme presenciei, numa redação de jornal, um apreciado jornalista afirmar para um colega meu de vida literária. O jornalista retirou de um gaveta de sua escrivaninha um pequeno livro prático sobre dúvidas na arte da escrita: “Sempre que estou inseguro, recorre a este livrinho.” Não preciso de mais nada,” concluiu ele.
As gramáticas funcionais são livros que, seguramente fundamentadas em boas gramáticas mais conhecidas e de autores de peso, nas mãos de um autor não acadêmico e erudito, são assimiladas em formas mais simplificadas de elucidar o leitor comum. Isso não quer dizer que algumas não tenham sido bem organizadas, bem redigidas e com boa contribuição pessoal e habilidade de formular exercícios bem elaborados. Daí serem estudos de aplicação gramatical, que pesquisam as “miudezas” gramaticais, cuidando mais de morfologia e de alguns aspectos sintáticos: relação exaustiva de coletivos, vozes de animais, femininos menos conhecidos, nomes gentílicos, plurais de compostos, substantivos nos graus aumentativo e diminutivo, uso dos numerais, uso da crase com dicas práticas, plurais de adjetivos compostos, uso de pontuação, de abreviaturas, de pronomes relativos regidos de preposição, de concordância verbal, nominal, uso do infinitivo pessoal ou impessoal, de sinonímia, paronímia, antonímia, silabada, ortoépia/ortoepia.
2. A organização das obras e seu conteúdo.
2.1 Luis A. P. Victória e sua obra Aprenda a falar e escrever corretamente a língua portuguesa()
Autor muito conhecido por suas obras endereçadas a estudos sem mestre de Língua Portuguesa relativos ao ginásio e ao segundo grau, lançados pelas Edições de Ouro, também escreveu uma pequena história da literatura francesa e um livro para o ensino prático da língua inglesa, um dicionário de mitologia e um dicionário da origem das palavras, entre outras obras, em geral para quem deseja melhorar sua cultura geral. É o próprio autor dessa obra que, no prefácio, admite ser ela endereçada ao povo, ao leitor comum e não ao aprofundamento erudito em questões de Língua Portuguesa. As explanações são feitas de maneira clara, reduzidas ao mínimo, sem citações de autores e abonações de obras literárias, sem igualmente nenhum aparato bibliográfico remissivo. Como outras obras congêneres, a edição de que me valho data de 1953, ou seja, sua exposição ainda segue a terminologia gramatical antes da introdução da NGB, em 28 de janeiro de 1959, Portaria Nº 36.
Da mesma maneira que outras obras do mesmo feitio, não inclui capítulo sobre fonética e fonologia. Não segue, portanto, a divisão clássica (fonética, morfologia e sintaxe) das gramáticas normativas tradicionais mais conhecidas. Tendo por objetivo o uso funcional da língua, só aborda aspectos pontuais da morfologia, da sintaxe e ortografia. Por outro lado, vejo como aspectos positivos nessa espécie de gramática e estudos alguns itens, muito úteis a qualquer usuário da língua materna, os quais se fazem presentes em obras congêneres:
- Concordância verbal
- Concordância nominal
- Colocação pronominal
- A crase
- Verbos irregulares
- Particularidades sobre verbos
- Verbo haver
-Uso do imperativo negativo
- Uso de pronomes de tratamento
- O pronome se (partícula apassivadora),
-Verbos irregulares
- Sistema ortográfico (incluindo pontuação, acentuação, abreviaturas)
- Emprego do infinitivo impessoal
- Regência de alguns verbos de “uso mais frequente;”
- “Generalidades”:
A partícula que, as expressões porque e por que (grifos do autor em exame)
-Adjetivos pátrios ou gentílicos “que apresentam dificuldades”
- Os coletivos mais usados
- Barbarismos gráficos
- Barbarismos prosódicos
-Parônimos
É lícito acentuar que toda a exposição gramatical obviamente se estriba nas leituras implícitas dos nosso gramáticos mais abalizados. A contribuição de Luiz A. P. Victória foi a de resumir, organizar, de selecionar os aspectos gramaticais que - suponho ter pensado o autor -, não podem ser omitidos em estudo gramatical de natureza funcional, conforme já frisei mais de uma vez neste ensaio. Entretanto, a grande contribuição de Luiz A. P. Victória, a meu ver, reside não apenas na explanação clara e simples do conteúdo mas igualmente nos bem elaborados exercícios sobre os assuntos ventilados no livro e acompanhados da chave no final do volume.
Recordo que há um outro tipo de exercício de aplicação, de nome “Textos a corrigir,” que segue uma tradição também muito comum em obras análogas de autores estrangeiros e mesmo brasileiros, muito difundido em obras de décadas atrás. Ou seja, uma prática de ensinar uma língua estrangeira ou nativa na base do “certo “ e “errado.” Esse exercício também vem com a chave para consulta do leitor.
Alguns linguistas hoje em dia repudiam essa forma de approach no ensino de língua, alegando que ela se destina aí somente ao uso escrito culto da língua e não leva em conta os demais níveis da língua já estudados pela sociolinguística .O tema é polêmico e deve permanecer em aberto.
2.2. Walmirio de Macedo e seu livro O poder das palavras com um vocabulário rico.
Respeitado filólogo, linguista e gramático, faleceu recentemente. Foi membro ilustre da Academia Brasileira de Filologia e lecionou Língua Portuguesa no ensino médio, na Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense e na Universidade Santa Úrsula, autor de várias obras nas suas especialidades. Walmirio de Macedo é desses estudiosos que, a par de obras mais complexas no campo dos estudos da linguagem, enveredou igualmente por estudos práticos da Língua Portuguesa, alguns publicados pelas Edições de Ouro. Dentre outras obras práticas, optei por um livro bem diferente em sua natureza didática e temática, o qual lemos nos anos 1960, da Coleção “Aprenda a tua língua.”[12] É evidente, desde o conteúdo dos itens gramaticais desenvolvidos na pequena obra, que o autor sinaliza logo a sua formação acadêmica, sobretudo no elucidativo prefácio, que passamos a comentar.
O objetivo de O poder das palavras é conscientizar os usuários do vernáculo para a importância que o vocabulário desempenha na comunicação escrita ou falada, despertar no leitor o hábito de adquirir maiores possibilidades de comunicação e maior domínios de recurso vocabulares e estilísticos a fim de torná-lo mais competente linguisticamente. Indivíduos com um repertório vocabular pobre, segundo Walmírio de Macedo, tendem a “insucessos na vida.” Citando o historiador e crítico literário português Fidelino Figueiredo, lembra que a “conversação” entre pessoas seria uma espécie de “luta pela expressão,” título de uma das obras do crítico português.[13] Recorda, ademais, que o êxito das pessoas na profissão muito depende do referido domínio do vocabulário e recursos expressivos de que a língua dispõe, tais como sinonímia, homonímia, domínio da conjugação verbal etc.
Walmírio de Macedo argumenta que, ao conversarmos, temos por finalidade um “aspecto tríplíce da linguagem”: a) informar; b) solicitar; c) convencer. O sucesso da comunicação entre os indivíduos depende do bom desempenho desses três aspectos. Refere que a competência linguística se realiza plenamente quando a informação se combina com a “precisão,” a solicitação com a adequação vocabular e o convencimento se torna eficaz e se realiza com “facilidade.”
O objetivo do autor é, pois, prover o usuário da língua com uma orientação, exposta em linguagem “simples, visando a equipar o leitor em geral com “lições” de um professor de língua portuguesa contando, na época, com onze anos lecionado, em todos os níveis de ensino, e amparado em leituras nos mais “renomados” estudiosos da Linguística(assim grafado pelo autor), tais como Saussure, Matoso Câmara, Bally, Vossler, Spitzer, Lázaro Carreter, Georges Galichet, Meillet, Marouzeau, Amado Alonso, Dámaso Alonso entre outros.
Além do conteúdo temático exarado pelo autor e que, em geral, se encontra em obras práticas ou funcionais, como homônimos, formação de palavras, verbos, femininos, nomes gentílicos, há que salientar-se os seguintes pequenos capítulos, os quais por si mesmos, evidenciam as novidade e atualização da obra em exame:
- O símbolo linguístico ( capítulo I);
-Alterações de significados em consequência de fatores tais como
associação de ideias (capítulo V);
- O vocabulário e as classes sociais (capítulo VI);
-“Eufemismo” (capítulo VII);
-“A psicologia e os vocábulos” - Estrangeirismos (capítulo VIII);
Se o propósito do gramático tem como núcleo desse pequeno livro demonstrar até que ponto o domínio de vocábulos e seus significados será útil e proveitoso ao leitor desejoso de aperfeiçoar sua habilidade escrita e oral da Língua Portuguesa enriquecendo seu vocabulário e aprendendo na leitura dessa obra a segura orientação a fim de conseguir seu intento, alguém, todavia, poderia argumentar que se não seria melhor e mais rápido consultar os grandes e mais conceituados dicionários de que dispomos em Língua Portuguesa, lendo, com critério e meticulosidade, cada verbete e abonações várias, cujas acepções não conhecemos bem. Não, exatamente, dado que, no estudo de O poder das palavras, o autor adentra aspectos dos vocábulos tendo em vista o seu contexto linguístico, a variação estilística e a sua seleção semântica qualitativa e quantitativa dentro dos limites traçados pelo recorte específico de suas pesquisas.
Ora, não é aleatória essa escolha do vocabulário examinado e ilustrado em exemplos e em testes objetivos ( no livro são 16 testes bem elaborados seguidos de uma chave de exercícios) a fim de que o leitor se beneficie e possa ter segurança de que assimilou bem as lições desenvolvidas no livro. A seleção do vocabulário analisado pelo autor tem sempre em vista a sua pertinência no uso da língua escrita e oral e a sua praticidade em benefício do usuário de amplo espectro. Vejamos, a seguir e em resumo, como o autor trata cada um dos itens dos capítulos acima-elencados.
2.3 O símbolo linguístico.
Para os estudantes dos antigos ginásio, científico, clássico e técnico, que pertenceram à minha geração, no final das décadas de 1950 e inícios de 1960, pelo menos, nos conteúdos dos livros didáticos oficiais, o conceito de símbolo linguístico (ou signo linguístico) era para nós desconhecido.
O autor deste ensaio só foi estudar esse conceito nos estudos do eminente Matoso Câmara, de quem foi aluno, no início da segunda metade dos anos 1960, através da leitura, para a época, obrigatória e, hoje, um clássico no gênero, de Princípios de linguística geral,[14] obra, de resto, difícil a muitos estudantes da minha geração, alguns dos quais não gostavam do estilo “barroco” ( segundo opinião bastante subjetiva e algo ingênua de algumas colegas da graduação de Letras) do famoso linguista brasileiro.
Walmírio de Macedo, no início do capítulo de sua pequena obra, informa e ensina, sempre com a simplicidade e clareza de exposição, o que seja o símbolo linguístico, os dois elementos que o constituem - , o significante e o significado -, a arbitrariedade do signo linguístico, o conceito de palavra, resultante da “associação” de vocábulo com a ideia. O autor refere que, ao contrário da palavra, sempre um símbolo, vocábulos há que não são arbitrários, i.e., aqueles que definimos como as onomatopeias, cujos sons lembram logo o que representam. Dá como exemplos os vocábulos “au-au,” “fon-fon,” os quais de imediato sugerem o que simbolizam o cão e o automóvel. [15]
Voltando ao conceito de palavra, Walmírio de Macedo recorda que a palavra é forma e ideia, sendo a forma o “conjunto fonético” e a ideia, o “conteúdo psíquico”[16] Prosseguindo em sua exposição, o estudioso chama a atenção para o fato de que, na comunicação, a palavra sozinha não se realiza como mensagem, porquanto só na frase ela adquire valor comunicativo, de enunciado e de “simbolismo linguístico.”[17] Fora da frase, segundo ele, a palavra é mera “abstração.” Argumenta que, no dicionário, a palavra pode, em alguns casos, ser até “perigosa,” dado que, no verbete, ela oferece muitos sentidos, os quais só podem ser particularizados quando no “conjunto fraseológico.” Ele ilustra, com exemplo, a palavra “cabeça,” contextualizada em frases extraídas da conhecida obra Estilística da língua portuguesa, de Rodrigues Lapa.[18]
Adverte o autor que o emprego correto de uma vocábulo merece todo o cuidado do usuário da Língua Portuguesa. Por último, faz referência a escritores (poetas, oradores) que se comprazem no uso do que se chama “harmonia imitativa,” recurso fonético-semântico a fim de estabelecer nexos de sentido graças ao emprego de vocábulos nos quais os fonemas iniciais de cada um, numa espécie de quebra da arbitrariedade linguística, provocam, no conjunto do enunciado, uma ideia pretendida por um autor. Como exemplo, recorre àquela conhecida frase: ”O rato roeu o rol da roupa do rei de Roma.” Ou, nas palavras do gramático, filólogo e linguista: [... com sua sequência de erres procura dar ideia do ruído provocado pelo rato quando rói.] (negrito do autor).[19]
2.3. Alteração de significados em consequência de fatores tais como ‘Associações de Ideias.’
No capítulo V, Walmírio de Macedo enfoca a questão da mudança do significado de um vocábulo quando seu emprego resulta de uma associação de ideias. Para ele, ao alterar um significado, uma palavra pode resultar numa metáfora., definida por ele como “... a alteração de sentido de uma palavra sem que se lhe seja alterada a forma.”
Adianta que, na criação da metáfora, o processo de alteração semântica ocorre por analogia e “contiguidade”. Justifica seu argumento com a frase proferida pelo homem ao dirigir-se galantemente a um mulher: “ É uma flor.” Por associar traços da flor, como beleza, delicadeza, perfume ou levado por uma afetividade votada à flor e a uma mulher que lhe despertou uma admiração, surgiu aquela metáfora. Reforça que entre a flor e a mulher não existe uma “semelhança entre a cor, a forma e a estrutura,” A semelhança está assente na “ideia” veiculada pela flor e pela mulher.
A analogia se efetiva também no campo afetivo ou disfêmico utilizado por um emissor, o que o leva reconhecer dois tipos de metáforas: a fundamentada na “semelhança ” e a “estritamente afetiva.” Como ilustração da primeira, cita os “apelidos,” nas expressões vocabulares seguintes: “Girafa”, para designar um pessoa muito alta; “Cara de Lua Cheia”, pela semelhança da forma física do rosto de alguém com o satélite da Terra; “Onça” para significar uma “mulher valentona”; “Víbora” em decorrência de uma mulher ser “linguaruda” e em virtude do sentido comum do veneno da cobra e o da “língua da mulher.”
O professor Walmírio de Macedo ainda refere a metáforas empregadas com apoio em adjetivos. É o caso do sintagma “música saborosa.” Tem-se aqui, segundo ele elucida, um determinante com “sentido inaplicável,” de vez que “saborosa” não poderia ser utilizado a fim de qualificar “música.” Esse emprego só cabe mesmo como expressão sinestésica ( de largo uso no estilo literário do movimento simbolista) ou como ele pondera, como “transposição de sentido.”[20]
O autor menciona mais dois exemplos nos quais o adjetivo transmite acepções diferentes: “conta salgada” e comédia salgada” (negritos do autor).
O filólogo tece, em seguida, considerações em torno de outro “fator” de alteração de sentido: a afetividade. Daí surgirem um quantidade de expressões nascida do impulso afetivo, tais como vistas nos exemplos seguintes: “meu chuchu”, “minha joia”, “meu torrão de açúcar”, “meu tesouro,” “meu anjo”, “minha flor,” entre outras.
Para Walmírio de Macedo a metáfora é um “fator” na língua “necessário e indispensável.” Aduz ainda que a metáfora não deve ser entendida como um “desvio” de “uso idiomático normal,” porém como um fato da língua que deve merecer toda atenção pela importância que assume no campo da expressividade.
O autor conclui o capítulo ensinando que, certas metáforas, por serem tão usadas, perdem a antiga característica de metáforas. A elas o autor chama de “metáforas mortas ou gastas” (negritos do autor). Dá como exemplo desse tipo de metáfora os seguintes: “pé do monte,” “barriga da perna,” “braço da cadeira.” O abuso de metáforas, segundo o autor, provoca o surgimento de gírias, as quais são provêm de uma “associação de ideias”, à semelhança das metáforas.
2.4. O vocabulário e as classes sociais: gírias
Neste capítulo, o filólogo discute a questão da gíria na Língua Portuguesa. De início, se observa claramente um posição crítica e até dogmática do autor no que concerne ao uso da gíria. Não nega o fenômeno da gíria, mas taxativamente não o aceita, pelo menos ao tempo em que escreveu a obra em tela – princípios dos anos 1960 -, consoante se pode depreender da citação seguinte, logo na introdução do capítulo VI: “É preciso que nos policiemos a todo instante para não dizermos gírias.”[21]
Quer dizer, sua posição de gramático, posto que reconheça a realidade linguística da gíria, tende a ser bem conservadora no campo da política do idioma. Mostra-se um vigilante, um defensor da pureza do vernáculo e, assim, se mantém até ao final do capítulo.
Nesta posição defensiva é evidente e incisivo o tom edificante com que se posiciona no tocante ao ensino da língua portuguesa, seja na oralidade, seja na escrita. Não obstante, por se tratar de um estudioso da linguística, ele divisa seis traços distintivos no emprego da gíria, os quais, a meu ver, constituem o fundamento de sua reflexão sobre o vocabulário e a gíria:[22]
1) Ausência de significação própria;
2) Significação conforme a situação;
3) Malícia;
4) Associação de ideias;
5) Sentido de classe
6) Transitoriedade.
Os traços enumerados acima falam por si mesmos. O filólogo reconhece a realidade linguística da gíria, mas nelas não vê nenhuma “significação própria” acrescentando que a significação só se potencializa quando numa determinada situação aliada à “malícia do sujeito falante.” Esse aspecto psicológico é que o leva a afirmar ser a gíria inadequada às pessoas de “bom-tom.” Ora, ao longo do capítulo, assume uma atitude de fundo estético-moralista em relação ao emprego das gírias.
Ele lembra, com primeiro exemplo de uma palavra da gíria o verbo “sassaricar” surgido no Rio de Janeiro, dando-lhe os sentidos que o mesmo exprimia desde o seu surgimento: namoriscar’, amolar a paciência alheia, fazer que quer e não querer uma coisa, estar vagabundando, não cumprir com suas obrigações, entre outros, Acresce ainda que, por ser um vocábulo da gíria, ele serviria para expressar “qualquer coisa que se quisesse”.
Chama atenção para outro exemplo gírico da época da escrita de O poder das palavras: “Naquela base.” Logo argumenta que essa locução não expressa nenhuma “lógica.” Argui que a locução terá o sentido ditado pela malícia do falante. Em outras palavras, o filólogo confirma a sua desaprovação do emprego de gíria.
Observa que a gíria, criada por alguém resulta de uma “associação de ideias” “por semelhança ou algum ponto de contato.”
O ilustre gramático, na sequência de aspectos discutidos e ilustrados sobre as gírias, lembra um outro tipo desse uso de vocabulário, ou seja, a gíria dos malandros, a qual para o autor tem pontos comuns às gírias em geral. Chega mesmo a denominá-la de “língua especial.” Aduz, ademais, que, em alguns casos, para entender a gíria dos meliantes, faz-se necessário recorrer ao concurso de policiais com experiência em lidar com a fala de “malfeitores. Para exemplificar, relata que o famoso “facínora” Cabeleira, ao depor para a autoridade policial, falava de modo “incompreensível, sendo então necessário a ajuda de “uma comissão de policiais” para traduzir o que criminoso dizia.
Ao referir-se às gírias resultantes de uma associação de ideias. O gramático cita alguns exemplos, como, entre outros, a expressão otário de braço”, usado parasse referir ao “relógio”, um objeto que “trabalha de graça,” ou por uma outra palavra, “bobo,” por razões similares. Por tais motivos é que a gíria define, segundo o autor, o indivíduo quanto a seu estrato social. Um outro aspecto para o qual o autor chama a atenção do leitor é que as gírias têm pouca duração. Muito poucas palavras ou expressões gíricas desaparecem, não “vingam” e isso para ele é um motivo de alegria, de vez que, segundo já afirmei, para ele a gíria só “degrada” o falante que a use e o receptor que possa ouvi-la, retirando da comunicação oral ou escrita toda a “real e consistente beleza” da língua.”
O fato é que ao final do capítulo, tira algumas conclusões que, segundo ele, ajudariam os leitores que desejem aprimorar o seu desempenho do idioma nacional. Em resumo, seriam essas:
a) Evitar as gírias;
b) A gíria empobrece a língua;
c) Estudantes do ensino médio devem igualmente evitá-las, pois, consoante o autor, nessa fase, tendem a ser atraídos pelas gírias.
No último parágrafo do capítulo, o ilustre professor faz referência a um dia em que, num ônibus, ouvira de dois colegiais que, animados, falavam certamente sobre a estética do físico de uma jovem. Um deles dissera: ‘Ela não é bonita mas é ‘enxuta’. O professor arremata: ”O que me consola é que dentro de seis meses já não se falará em tal termo.”[23] Nota
Numa obra como a que estou comentando, é bem compreensível que o autor tome uma posição - diria -, não acadêmica nem erudita, mas sim norteado pelos propósitos que tinha em mira ao escrever O poder das palavras: uma obra didática e prática, sem muita profundidade, ressaltando, contudo, alguns aspectos dos estudos da língua que qualquer leitor comum teria curiosidade de ler e sobre eles ter uma noção geral dos mecanismos expressivos e estilísticos da língua portuguesa. Sendo assim, é compreensível que o filólogo pautasse sua posição sobre os temas abordados sob uma perspectiva conservadora.
Por outro lado, vejo que, a não dar relevância alguma ao estudo da gíria, ele almejasse apenas guiar o leitor não especializado e o jovem leitor secundarista para a uma consciência linguística voltada aos estudos da norma culta, da rigidez gramatical, internalizando nesses leitores o valor da correção gramatical, do uso do certo e do errado, tão hoje repudiado por alguns linguistas contemporâneos.
Entretanto, essa obra de Walmírio de Macedo marca uma fase do pensamento do estudioso sobre questões da língua. Seria preciso ler as obras de natureza acadêmica do autor para sabermos até aonde foi modificado ou não o seu pensamento acerca, por exemplo, do tema ventilado nesse capítulo. Entretanto, no Dicionário de gramática[24] escrito anos depois, ao definir o verbete gíria, o autor se mostra bem objetivo sem laivo algum de subjetividade subjetivo de cunho estético-moralista que revelara ao tempo da escrita de O poder das palavras, decerto por se tratar de uma obra de natureza acadêmico-científica, onde a objetividade se torna um imperativo do estudioso).
2.5 Eufemismo
Walmírio de Macedo, no capítulo VII, foca sua atenção para o uso do eufemismo. Para ele, empregar eufemismos é evidência de respeito não são aos usos socialmente adequados da língua, mas também demonstração de gentileza, polidez e respeito aos outros. Desta maneira, rejeita o uso de expressões disfêmicas, as quais abastardam quem as emprega e tem um efeito comunicativo quase tão nocivo quanto algumas gírias ou expressões de baixo calão. A importância do que se poderia chamar a estética da palavra, o uso de expressões que suavizam ou modalizam sentidos iguais que, de outra forma, mostrar-se-iam grosseiros ou “ásperos”( palavra do autor) na interlocução na sua modalidade oral ou escrita; Segundo ele, “E preciso saber usar expressões condignas, bonitas embora a verdade seja a mesma. Não chocam.”[25] Mais uma vez, tem-se a revelação da perspectiva do autor em assuntos de estudos linguísticos: o zelo pelas formas normativas, pela correção, pela estética comunicativa e assim se porta ao longo da exposição sobre aspectos vocabulares e frasais da Língua Portuguesa. Era, pois, um vernaculista, como ainda veremos no capítulo VII de seu pequeno livro ora analisado.
O gramático não perde azo para reiteradamente vincular os usos da língua com a psicologia humana voltada para comportamentos sociais sublinhados pela civilidade e respeito ao falar ou escrever. A linguagem, ensina ele, “... é a exteriorização de sua personalidade, meu leitor.” Acrescenta que há casos em que os psicólogos, examinando clientes, observam que muitos deles, pela linguagem, revelam sintomas de “anormalidades psíquicas.”
Vejam-se alguns exemplos que nos apresenta a fim de ilustrar o seu pensamento sobre o eufemismo e seu oposto, o disfemismo:
Maria fechou os olhos no dia tal...(eufemismo)
Maria morreu.(disfemismo)
Risoleta é uma senhora respeitável (eufemismo)
Risoleta é uma velha (disfemismo).
Uma gentil companhia (eufemismo): alusão a uma moça que acompanha um casal de namorados
Pegando vela (disfemismo)
Ninho de amor (eufemismo)
Casa de meretrício (disfemismo).
Finalmente, o professor Walmírio de Macedo chama ainda a atenção para outro aspecto da língua que deve ser evitado. Da mesma maneira que nos disfemismos, há indivíduos que se excedem ou exageram o sentido atribuído a certas palavras ou expressões. É o que se chama de hipérboles. (negrito do autor). Ele chega a considerar a hipérbole na linguagem comum um vício, que, segundo ele, pode até redundar em ridículo, quando não “deselegante.” E, para fundamentar sua posição, refere o caso de uma pessoa com nariz grande: Ele tem o nariz do ‘tamanho de um bonde.’ Ou essoutro de um pai elogiando a inteligência do filho: ‘Ele é um Rui, um verdadeiro Rui Barbosa.’ Para o eminente gramático, tais expressões não devem ser imitadas, são “antipáticas.” Naturalmente, aqui o autor não se refere ao uso literário de hipérboles que, tem uma função expressiva, na condição de figura do pensamento. Ou seja, pertence ao domínio da estilística.
2.6 A psicologia e o vocábulo
Para Walmírio de Macedo a língua não está dissociada da psicologia humana. O individuo sofre as influências do que o circunda nas situações sociais diversas com que se depara na vida. Para este gramático a lógica da língua é diversa da lógica da matemática. Recorrendo ao linguista George Galichet, pondera que a lógica da língua é psico-lógica.[26] (negrito do autor).
Observa ainda que, ao falarmos, cada palavra sofre o efeito de uma “carga psicológica do sujeito falante.” Salienta que a língua não é somente o vocabulário, porém uma construção, sinalizadora de uma sensibilidade e afetividade, de uma emoção a todo instante, posto que, acrescento eu, seja comunicada de forma objetiva, num plano impessoal.
Segundo ele, o indivíduo quando afirma que “faz frio” ou “chove” não só vai apenas transmitir uma dada sensação de frio ou de condição meteorológica. Na sua gestualidade o fator psicológico acompanha a mensagem linguística pela “inflexão de voz,” a “expressão de prazer ou desprazer” além da manifestação ou não aliada à “ideias de calor ou frio ou de chuva.(negritos do autor).
Explica ao leitor o que seja “afetividade” na linguagem e a conceitua: “A afetividade é o sinal exterior do interesse pessoal que sentimos pela realidade.”[27] Em seguida, lembra que há sufixos “afetivo-pejorativos” e dá como exemplo o vocábulo ‘gentinha,” o que não significa neste caso ‘gente pequena,’ quer dizer, não se lhe está dando uma ideia de diminutivo apenas, porém de “gente má” e eu completaria: gente de condição social muito baixa, gente desprezível. Menciona ele outro exemplo semelhante com o vocábulo “gentalha,” com a acepção de gente de baixo estrato social, desprezível. Adiante, fornece outros exemplos com sufixos diferentes, explicando-lhes o significado:
‘Valentão’ – não é um ‘valente grande’ mas ‘um falso valente,’ um arruaceiro.
‘Barbudo’– não é apenas ‘o que tem barba,’ porém o que tem uma barba feia, ou suja ou qualquer coisa de ruim.
Mais adiante, informa que o sufixo “asto,” ou “astro” denota “coisa ruim” além de significar aquilo que não é “castiço,” bom, legítimo”: Poetastro– um mau poeta; Medicastro – um mau médico. E assim nos exemplos:
Padrasto – mau pai; madrasta – mãe ruim; ‘mulheraça’ – “mulher masculinizada,” ao contrário, acrescento eu, de mulherão – uma mulher grande e de atraentes qualidades físicas
Walmírio de Macedo aproveita o tema em questão para narrar uma bem urdida e até cômica historieta por ele mesmo inventada de uma moça recém-casada, cujo relacionamento amoroso vai-se esboroando com o passar do tempo e à medida em que o marido vai dando sinais de modificação de comportamento não condizente com o da vida de um casal feliz.
Para ilustrar o efeito semântico que tem um vocábulo palavra, no caso, “palavra,” grafada primeiro no diminutivo, “palavrinhas,” em seguida, “palavras” e finalmente “palavrão.” Ou seja, a deterioração dramática da vida da esposa vai-lhe modificando o que pensa do marido e, nessa modificação, se pode ver como a língua também acompanha o estado psíquico de uma pessoa traduzido na modificação de sentido e da forma de uma vocábulo: “palavrinhas” > “palavras” > “palavrão.” A situação dessa historieta evidencia que ela tem um desfecho que se avizinha do trágico na trama e bem assim no seu desfecho metalinguístico.[28]
Mais adiante, o filólogo aponta o emprego da afetividade e seu efeito na concordância verbal. Para ilustrar recorre aos exemplos abaixo:
‘Como vamos de saúde’ ?, em vez de Como vai de saúde?’
‘Com estamos de negócios, ó Antônio’?
Nos dois casos, explica o autor: “Quando indagamos de alguém a quem queremos bem como vai, como está etc., geralmente empregamos a 1ª pessoa do plural. É um sinal de afetividade.” [29]
O professor traz à baila mais um caso de afetividade, desta vez relativo à sintaxe de colocação e, por conseguinte, acarretando modificação semântica: Veja nos exemplos dados por ele:
Filho meu, onde andas?, Ó mãe minha, como choro a tua ausência!
Rematando o capítulo, o autor anda inclui na afetividade linguística a figura do anacoluto, também denominada “frase quebrada.” Produto da afetividade, o emprego do anacoluto, a meu ver, é mais comum no discurso oral e, para Walmírio de Macedo, nele está embutido um “reflexo da afetividade, do sentimento de quem escreve ou fala.”[30] A palavra na frase resulta solta,” “sem lógica” e, assim mesmo, damos continuidade à construção fraseológica. O autor reconhece aí a interferência psicológica, afetiva, emotiva no discurso, provocando, assim, uma alteração da ordem (lógica) das palavras na frase. Refere a uma situação em que alguém, se lhe dirigindo, emite um julgamento moralmente desfavorável de outrem, por exemplo, Carlina.
O autor, diante da “decepção e “surpresa” com o mau comportamento ético de Carlina, preso pelo impulso afetivo, faz esta afirmação: “Carlina, nunca pensei que ela fosse desse tipo de gente.” (negrito do autor). No entanto, para o gramático, o emprego bem eficaz do anacoluto, “sem exagero,” propicia uma “elegância” na construção frasal.
2.7 Vocabulário que se deve evitar: estrangeirismos
Sendo, conforme já acentuamos páginas atrás, um vernaculista, um cultor rigoroso da Língua Portuguesa, Walmírio de Macedo, no tocante a questão dos estrangeirismos, mais uma vez manifesta-se a favor de uma regra de ouro: usar sempre as palavras portuguesas e, só em alguns casos, específicos, utilizar-se de um vocábulo correspondente em língua estrangeira, coma condição, segundo ele, de que os estrangeirismos sejam adaptados à grafia portuguesa.
Neste caso, cita a palavra de origem inglesa futebol, que provém de “foot-ball” e que, para ele, é “insubstituível.” Embora em nossa língua se tenham criado vocábulos para denotar a mesma ideia, eles não “vingaram,” como são exemplos “balipodo e ludopédio. Com leve ironia, o filólogo faz a seguinte pergunta ao leitor: “Por acaso, meu gentil leitor, ouviu você alguém dizer: Vou ao balípodo no Maracanã?”[31]
É bem verdade que o autor não se mostra intransigente com a contribuição de vocábulos provindos de outras línguas cujos povos mantêm contatos com outras nações por motivos diverso; comerciais, culturais, científicos etc. Desta maneira, alguns são adaptados ao português e outros são substituídos. O professor Walmírio de Macedo relacionou alguns exemplos de estrangeirismos das línguas francesa (a maior parte da lista apresentada) e inglesa, aos quais chamamos, respectivamente, galicismos e anglicismos, não obstante se sabe que, no português do Brasil e certamente europeu ou nas ex-colônias outras línguas tenham aumentado nosso léxico pelos motivos já mencionados acima.
Da lista de estrangeirismos é lícito citar aqueles vocábulos que, sem nenhum problema, podem ser substituídos por palavras vernáculas ou se serem adaptados à grafia portuguesa em virtude de haver dificuldade de substitutos. Vejam-se alguns exemplo mencionados pelo autor:
a) Do francês:
Pivô < pivot, que melhor seria substituí-lo por “eixo,” “base,” “essência”.
Placar < placard, melhor seria usar “cartaz.”
Gare - poderia ser substituído por “estação.”
Greve < greve, embora muito empregado ( pelo menos no tempo da escrita de O poder das palavras), coexistia com o vocábulo “parede.” Hoje, pelo que se vê, é muito mais frequente o termo de origem francesa adaptado apenas com a omissão do acento grave em francês.
b) Do inglês:
Match: é substituído pelo vocábulo “partida, “jogo.”
Reide: adaptação do inglês “raid”. Pode ser trocado por “excursão.” “exercício violento.”
Recital: pode ser substituído por “audição,” “concerto.”
Récorde: adaptação de ‘record.’ Difícil de ser substituído.
3) A importância desse tipo de obras e seu alcance junto aos leitores
Com a exceção das gramáticas normativas que denominei de mistas, dificilmente o leitor comum teria acesso a estudos funcionais da Língua Portuguesa e julgo que não estou exagerando a relevância da natureza dessas obras. Primeiro, porque esses estudos são escritos para atenderem às suas necessidades básicas no que tange à melhoria de seu conhecimento do vernáculo. Segundo, porque a complexidade da linguagem dos estudos nas gramáticas acadêmicas ou formais de que dispomos, em algumas questões não está ao alcance das pessoas não especializadas em exposições avançadas e eruditas. O leitor-alvo dessas gramáticas avançadas seriam alunos de Letras, os professores de língua e literatura do ensino médio e os professores do ensino superior de Letras.
No entanto, para os usuários em geral, que necessitam de conteúdos gramaticais de consulta imediata e sem hermetismo nem pretensão de se tornarem linguistas, gramáticos ou filólogos, é que se escreveram e ainda se escrevem obras gramaticais para concursos, revisão de estudos de Língua Portuguesa, quer dizer, estudos do Português para fins práticos.
Outra razão para consultas a essa obras explicadas em linguagem clara, simples e didática se deve a uma especificidade que nelas se patenteia: são, na maioria, obras de referências, que fazem às vezes de dicionários, notadamente em itens gramaticais tais como: coletivos, nomes gentílicos, aumentativos e diminutivos, sinônimos, antônimos, homônimos, parônimos, vozes de animais. Ora, esse espectro de palavras a muito custo se encontra reunidos nas diversas listas em que se apresentam à disposição do leitor. Sou testemunho de frequentemente ter me valido dessas facilidade de consulta rápida. É exatamente nessa direção de objetivos que vejo a importância dessas obras ou gramáticas práticas.
Conclusão
Este ensaio teve por escopo prestar uma homenagem a muitos autores didáticos que, no país, se dedicaram a ensinar a Língua Portuguesa ou a escrever de forma simplificada acerca de questões gramaticais que, na opinião deles, iriam tornar o ensino do vernáculo menos complicado e propiciar aos leitores de inúmeras atividades profissionais uma oportunidade de ter acesso a essa maneira praticamente informal de melhorar o repertório linguístico desse público.
Por saudável coincidência, um estudioso da Língua Portuguesa, o professor Walmírio de Macedo, do meio acadêmico universitário, foi também um tempo um autor que produziu alguns livros práticos, inclusive em coautoria com outro autor de obras funcionais, e por outra feliz coincidência, o professor Luiz A P. Victoria. Nada me foi mais agradável do que juntar os dois autores a fim de que constituíssem o corpus deste ensaio e, mais uma vez, em particular render meu tributo a ambos pela dedicação e amor aos estudos de Língua Portuguesa que ambos, como outros autores de obras práticas, hoje tão esquecidos, sempre demonstraram em vida.
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Nota: Ensaio publicado na Revista da Academia Brasileira de Filologia. Nº XXI, Nova Fase. Segundo semestre de 2017, p.48-62.
[1] CEVASCO, George A. Grammar self-taught. New York, N. York: Washington Square Press, Inc., 1963.
[2] Gramáticas acadêmicas de autores brasileiros seriam, entre outras e com níveis diferentes de aprofundamento teórico, as seguintes: Gramática portuguesa: curso superior, de João Ribeiro; Gramática secundária da língua portuguesa, de Said Ali; Gramática expositiva, de Eduardo Carlos Pereira; Gramática da língua portuguesa, de Carlos Góis & Herbert Palhano; Moderna gramática expositiva da língua portuguesa, de Artur de almeida Torres; Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara; Nova gramatica do português contemporâneo, de Celso Cunha & Lindley Cintra, sendo este último autor português; Pequena gramática, de Adriano da Gama Kury. Gramática resumida, de Celso P. Luft; Gramática fundamental da língua portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo; Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima; Gramática descritiva do português, de Mário Perini; Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba T. de Castilho; Gramática da língua portuguesa padrão, de Amin Boainain Hauy; Gramática Houaiss da língua portuguesa, de José Carlos de Azeredo; Gramática de usos do português, de Maria Helena de Neves Moura.
[3] Gramática mistas seriam, entre outras, por exemplo, em diferentes níveis de aprofundamento de conteúdos e respeitando as épocas de publicação de cada uma e em virtude de pesquisas mais recentes de outras : Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida; Novíssima gramática da língua portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla; Gramática aplicada, de Hamilton Elia; Nossa gramática: teoria e prática, de Luiz Antônio Sacconi; Gramática aplicada da língua portuguesa, de Manoel P. Ribeiro.
[4] VICTORIA, A. P. Aprenda a falar e a escrever corretamente sua língua. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953.
[5] MACEDO, Walmírio de. O poder das palavras. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d.
[6] SILVA FILHO, Cunha e. As Faculdades de Letras. In: __Breve introdução ao curso de letras: uma orientação. Rio de Janeiro: Litteris/ Ed. Quártica, 2009, p. 16-17.
[7] Na verdade, o presente ensaio tinha por meta mais ambiciosa pesquisar um número bem maior desses estudos práticos de Língua Portuguesa. Reitero, entretanto, que, me restringindo a só dois autores, com isso apenas estou considerando-os como indicações que seguramente levariam a outras pesquisas de maior monta sobre o assunto.
[8] FREIRE, Laudelino. Regras prática para bem escrever. 3. ed .Rio de Janeiro; Livraria Odeon, 1937, 93 p.
[9] Ver o verbete sobre Gomes Amorim in PRADO COELHO, Jacinto do. (dir.) Dicionário de literatura, 3. ed. Porto: Figueirinhas, 1973. 1º volume, A/K, p. 52.
[10] TAVARES, Hênio.Teoria literária. 8. ed. revista e atualizada. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984, p.154. A referência nessa citação diz respeito ao poema “Camões” com o qual Almeida Garrett iniciou o Romantismo em Portugal.
[11] BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 38 ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 320.
[12] O poder das palavras. Op. cit.
[13] FIGUEIREDO, Fidelino. A luta pela expressão: prolegômenos para uma filosofia da literatura. Coimbra: Nobel, 1944.
[14] MATTOSO CAMARA JR, Joaquim. Princípios de linguística geral. 4. Ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1964.
[15] Op. cit., p. 15.
[16] Idem, ibidem
[17] Idem, ibidem.
[18] Idem, ibidem. Cf. LAPA, M. Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. 6. ed., Corrigida e acrescentada pelo autor. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1970, p. 16, na edição que consultei. Dada a natureza prática de O poder das palavras, o autor não remete o leitor à fonte da obra citada com os devidos dados de imprenta.
[19] Idem, ibidem, p. 15.
[20] Idem, ibidem, p. 34.
[21] Idem ibidem, p. 37.
[22] Idem,ibidem, p. 37-38.
[23] Idem, ibidem, p. 40.
[24] MACEDO, Walmírio de. Dicionário de gramática. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1979.Ver nessa obra p. 122.
[25] O poder das palavras. Op. cit., p. 43.
[26] Idem, ibidem, p. 45.
[27] Idem, ibidem, p. 46.
[28] Idem, ibidem, p. 46-47.
[29] Idem, ibidem , p. 47.
[30] Idem ibidem.
[31] Idem, ibidem, p. 56.