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[Carlos Castelo]

O cronista paranaense Arzírio Cardoso é uma amizade recente. Gostei de seu livro, finalista do Jabuti, Conheço duas formas de acabar com a vida que são tiro e queda. Inclusive fiz menção aqui no Estadão. Começamos a trocar figurinhas pelos messengers da vida. Há alguns dias, ele prometeu enviar sua mais nova produção. Quando a obra chegou, como sempre, fui logo conferir a dedicatória; lá estava o seguinte:

Ao camarada André Aguiar mando, com um forte abraço, as ‘corônicas’ de Crônicas de quarentena e outras virulências.

André Aguiar? A primeira sensação foi culpar a portaria do prédio pelo erro. De fato, ela tem um histórico de entregas disparatadas. Certa vez me botaram nas mãos um pacote do Mercado Livre. Quando abri, era uma caixa de silicone para as mamas.

Eu não estranharia nada se me dessem um livro que pertencia a um vizinho por nome André Aguiar. Porém, no momento seguinte, já atentei a um fato; como o tal do André Aguiar estaria lendo um livro tão recém-criado? Arzírio me dissera que o estava lançando, por enquanto, de forma extraoficial, encaminhando a jornalistas.

Mandei mensagem ao autor. Meio constrangido, me respondeu:

Estou me sentindo um misto de O Castelo, do Kafka, porque as coisas não chegam aonde têm que chegar, e O Castelo dos destinos cruzados, do Italo Calvino.

Tentei tranquilizá-lo ponderando que poderia ser pior. E, se fosse um Castelo de Otranto, de Horace Walpole, com fantasmas de cavaleiros puxando correntes madrugada adentro?

Foi quando entrou na história o André Aguiar. Solicitou que o adicionasse numa rede social, o que fiz na hora. Momentos depois, já postava um comentário em cima do post de desculpas do nosso remetente:

Depois de “De notícias e não-notícias faz-se a crônica” agora temos o “De missivas e não missivas faz-se a crônica”.

Resposta divertida. Pena que, logo em seguida, veio a parte cruciante do engano. Agora, o livro está lá pousado em meu criado-mudo. Sei que ele traz o fino humor linguístico, característico de Arzírio. As “virulências”, mencionadas no título, já são sinal de que as histórias foram construídas no feitio que aprecio. Contudo, por que ao abri-lo, e dar com as palavras em nome de outro escritor, não consigo ir adiante na leitura?

Infelizmente, estou acreditando que esse bloqueio acabou revelando o tipo de artista que sou. O que se abate, no fundo do ego, por ínfimos detalhes. O escribazinho vaidoso, movido pelo amor de seus iguais; não o criador de uma obra potente, independente e provocadora.

Admito: uma simples dedicatória acidentada trouxe dolorosas revelações sobre mim. Pois é, sou daqueles que chama erros de experiência. Foram várias sessões-extra com a analista argentina para me colocar novamente no prumo existencial. Sem contar o estrago na conta bancária; se o acém está quase a 200, o que dizer da psicanálise reichiana?

Tudo bem, tudo passa. Mas me aguarde, senhor Cardoso. Vingança é uma dedicatória que se assina a frio. Em breve, lhe mandarei um livro oferecido a André Aguiar. Esse que está em cima do meu criado-mudo.

Em tempo: a dedicatória deu ruim, mas o livro é biscoito fino. Manda outro no meu nome, Arzírio!

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(Texto publicado no Estadão)