Do oral ao digital
Por Bráulio Tavares Em: 03/12/2012, às 09H23
[Bráulio Tavares]
(A Morte de Sócrates)
São evidentes as semelhanças entre a Cultura Digital de hoje (Internet, mp3, computadores, smartphones, etc.) e a Cultura Oral de antigamente (comunidades rurais, tecnologia zero, contatos face-a-face, etc.). Esa Cultura Oral é a tese, o início; a Cultura Moderna urbana (a indústria, a tecnologia, o comércio) é a antítese, que veio para produzir algo novo. A Cultura Digital vai ser essa síntese, quando se instaurar por completo dentro dos nossos hábitos, do nosso cotidiano e principalmente dentro do nosso mercado de trabalho (ou seja, quando for possível ganhar a vida no interior dela).
Na Cultura Oral, as criações artísticas (histórias, anedotas, canções, danças) eram feitas por indivíduos mas esse autor isolado rapidamente desaparecia, e até mesmo não fazia questão de aparecer. Na modernidade (a indústria fonográfica, editorial, etc), o autor individual passou a ser reconhecido, celebrado, remunerado. A Cultura Digital está nos levando de volta à situação anterior. O que é necessário é fazer uma síntese entre os aspectos positivos de uma e de outra.
Na Cultura Oral, as pessoas produziam histórias e canções para falar de si, para comentar a vida comunitária, para exprimir seus impulsos de transcendência (refletir sobre o mundo, a vida). Foram os “primitivos” que inventaram o conceito de “Arte pela Arte”, não foram os burgueses. A burguesia (o mundo moderno) impôs de vez o conceito de Arte por Profissão. (E olhe, nada tenho contra isto – sou um artista profissional.) Como vamos fazer a síntese? Porque o mundo nos empurra (caso o mundo não acabe por outros fatores) cada vez mais na direção de um futuro voltado à Arte pela Arte.
Na Cultura Oral, uma obra não tem uma forma fixa; cada vez que é reproduzida sofre interferências. Uma anedota não tem uma “versão original” – tem uma historieta básica que cada um reproduz ao seu modo, com suas palavras. Peças da “Commedia dell’Arte”, canções populares, mitos e lendas, romances em verso, histórias de trancoso, nada disto tem um Original, só tem versões. Já a Modernidade produziu o conceito de uma obra escrita, impressa, registrada, arquivada, e qualquer reprodução tem que ser feita igualzinha a esse original, sem mudar uma vírgula. Interferências nesse original são severamente punidas. (Em princípio, ninguém mexe num texto de Shakespeare ou num romance de Balzac.) Na Cultura Digital, a facilidade de mexer e propagar essas alterações torna inviável essa vigilância. Vai ser preciso encontrar uma síntese; talvez escritores e compositores passem a produzir obras já contando com as possíveis intervenções alheias, quem sabe até estimulando-as, dialogando com elas.