Discurso de saudação a Castelinho na APL

Prof. Arimatéa Tito Filho

Posse na Academia Piauiense de Letras em 26 de setembro de 1984

Senhor Carlos Castello Branco,

Neste início de discurso síntese, desataviado cumprimento de boas-vindas, que não desanima com obscuro pela brevidade, nem cansa ou sacrifica pelo defeito de ser prolixo - devemos consignar o motivo de nossa presença, hoje, na tribuna acadêmica.

Por que nos indicaste para a saudação, Sr. Carlos Castello Branco? Estaria em vós o desejo de homenagear o jornalista, de idênticos ideais, embora seja enorme à distância na projeção dos méritos? Vós, de renome nacional, excedendo fronteiras; nós, pequenino, modesto escrevedor em folhas provincianas, noutra época, desprotegido dos aplausos das grandes platéias e desvalido das virtudes de que a imprensa se deve nutrir e proteger. Talvez vos tenhais inspirado na calorosa amizade que devotávamos a Cristino Castello Branco, de quem sois filho, amizade que ele retribuía, na constância dos tempos, com apoio e incentivo cordiais, da forma que fosse amigo verdadeiro, como sempre confirmou nos gestos e atitudes. Ou, quem sabe se houve, de vossa parte, lembrança da festa cívico-literária, em que autografastes "Introdução à Revolução de 1964", em Teresina - obra-prima de interpretação de episódios políticos e de presciência das tormentas partidárias e militares que provocaram a 5a. República, em 1964?

Relembramos a dedicatória curiosa: "A Arimathéa Filho, que renegou por herança a família Castello Branco, homenagem à pertinácia de sua vida espiritual". As expressões vos pertencem.

Cristino Castello Branco esclareceria em "Últimas Páginas", livro que se torna exemplo de estilo diamantino:
"lembrei-me agora em março do Des. Arimathéa Tito, meu antigo companheiro no Tribunal de Justiça do Piauí, 5 anos mais velho do que eu, pois nascera a 18/3/1887. Pertencia à família Castello Branco “filho que era de Silvestre Tito Castello Branco, mas o pai, brigado com os parentes, tirou dos filhos o nome de família" A verdade é que não recebemos consulta sobre a destituição avoenga, pois o avô faleceu antes que viéssemos à vida.

Pensamos ainda que pretendestes homenagear o parente na hora das alegrias comuns, restabelecendo os laços de parentesco e de coração que o velho Silvestre cortou na desavença e nos apelidos familiares.

Possivelmente se conjugaram os 3 motivos.

A 17/1/1914, Cristino Castello Branco casou-se com a prima legítima Dulcila Santana Castello Branco, rica de virtudes e de beleza no testemunho do companheiro que já realizou a viagem sem retorno. Juntos viveram 69 anos - na paz dos simples. E compuseram afetiva constelação filial: Florisa, Hélio, Alita, Lucídio, Adelina, Amélia, Maria Dulce e Isis. Falta um - aquele que quase nascia do outro lado do rio Parnaíba.

No fim de outubro ou princípio de novembro de 1917, Cristino Castello Branco assumiu o juizado de direito do Brejo, no Maranhão, desistindo da magistratura e regressando a Teresina dois anos depois, outubro ou novembro de 1919.

Nascestes, Sr. Carlos Castello Branco, a 25/6/1920. Observa-se, pois, que por poucos meses deixastes de ser maranhense - teríeis assim o destino de Odylo Costa, filho, que veio ao mundo na ilha de São Luís por virtude da presença paterna na magistratura do Estado vizinho.


Teresinense, nesta Chapada do Corisco, escolhida pelo baiano José Antônio Saraiva para edificar nela a Vila Nova do Poti, derribando a mataria e fundando a primeira cidade artificial do País a Vila Nova logo se batizaria Teresina, sim, nesta Chapada do Corisco passastes a infância e a adolescência e vos impregnastes dos seus hábitos, dos seus costumes, das suas lembranças e das suas saudades. Érico Veríssimo salientou que as cidades têm alma. Acrescentamos que elas têm jeito próprio de ser e de parecer. Existem cidades fumegantes, tortas, alinhadas, históricas, notívagas, mortas, monótonas, ociosas, hospitaleiras, antipáticas, feias e bonitas, cada uma tem a sua alma, jeito próprio de ser e de parecer.

Bem dissestes uma vez que a Teresina dos vossos tempos de menino tinha sua alma e seus intérpretes - poetas, prosadores, oradores, gramáticos, professores. E jornalistas, - devemos acrescer. Quem não escrevia em jornal se exonerava de prestígio nos meios intelectuais. Raramente se editavam livros entre nós. A leitura estava nas folhas impressas, que estampavam poesias, crônicas, romances em rodapé, elogios fúnebres, batizados, artigos doutrinários e lavagens, denominação das baixas descomposturas endere¬çadas a adversários políticos.

Antônio Santana Castello Branco - o Dondon - fazia jornalismo de graves censuras. a pessoas e autoridades, mas narrava igualmente episódios provocadores de alegres comentários. Metido no asilo dos doidos, por violência governamental, escreveu que ali passou dez dias contra a vontade e dois por conta própria. Doutra feita publicou os 10 mandamentos que a esposa devia cumprir para efeito de reconciliação do casal.

Ginasiano, participastes de imprensa estudantil, - jornalismo de muito ideal e muita fantasia. Tentastes a oratória, e vos encontramos em 1936, discursando na inauguração do novo e imponente prédio do Liceu Piauiense. Era 3 de maio. Leônidas Melo comemorava o primeiro aniversário de governo constitucional. Na solenidade, falou João Pinheiro, velho mestre de português e diretor do educandário. Outros tiveram uso da palavra, sem que nos seja possível esquecer a doce Ivone Bandeira, esbelta, adorável brancura de cabelos loiros, que povoou os nossos e talvez os vossos sonhos masculinos, nem José Newton de Freitas, que a morte traiçoeira nos arrebatou, no auge da inteligência criadora de poeta jovem.


"Quando eu deixei Teresina em janeiro de 1937, havia uma novidade em caminho: o telefone" - testemunhastes numa página de memória. Mas o aparelhamento só em maio pôde ser inaugurado. H. Dobal revelou que hoje é facílimo telefonar de Londres para Teresina e acrescenta: "Não há dúvida de que a Inglaterra está progredindo".

Escrevestes mais, Sr. Carlos Castello Branco:

"Deixei a cidade impregnado dela, dos seus modestos e do amor à sua condição”.
No trem recitastes Lucídio Freitas:

“Teresina apagou-se na distância,
Ficou longe de mim, adormecida,
Guardando a alma de sol de minha infância
E o minuto melhor de minha vida”.

Buscáveis outras paisagens. A paisagenzinha de Teresina viajava inesquecível ruas empedradas; dois cineminhas; famosos cabarés da vida ; airada na rua Paissandu; andança na praça Rio Branco, rapazes num sentido, moças em sentido contrário, realizando o gostoso namoro dos olhos; rodas de calçada, familiares e vizinhos, em cadeiras desconfortáveis, para o falatório da vida alheia; nove da noite, hora de dormir, mulher casada e mulher donzela; forrós quentes nos subúrbios distantes; os freges de panelada e mão-de-vaca; os velhos bairros do Buraco da Velha, Bartocão, Cajueiros, Catarina. Na crônica da cidade amada ninguém se deslembre da Companhia Marquise Branca e de sua garotas livres, vestidas de calcinhas e sutiãs, coxas e pedaços da barriga de fora, em dança convidativas ou, uma delas, a cantar o inesquecível tanto Fumando Espero. Os maridos eram privados dos espetáculos, quase sempre, e, caladões, se contentavam com a rede cheirosa.
A vossa viagem deve ter sido de permanente nó na garganta, no choro mais angustioso que não sai.


Ficastes em Belo Horizonte. Fim de 1937, ditadura forte do presidente Vargas. Em 1938, surge o repórter policial e anos fora novos triunfos, novas vitórias. As lições de mineirismo, mineirice ou mineiridade foram definitivas em vossa destinação, José Sarney, em oração lapidar que vos dirigiu na Academia Brasileira de Letra sentenciou, seguro, que nas Alterosas aprendestes ouvir. Acresceríamos que também a cochichar. A cautela da sabedoria procedeu certamente da tradicional família política de Minas Gerais.


Depois do aprendizado mineiro, objetivo maior estava na Cidade Maravilhosa. De oficina em oficina chegastes ao sério e conceituado "Jornal do Brasil", escola de jornalismo. A vossa rápida e justa projeção talvez, se tenha verificado como conseqüência natural da presença numa folha diária de irrecusável prestígio popular, no centro cultural da nacionalidade. Valeram para tanto, ainda, a experiência e a acuidade intelectual do moço vitorioso. Hoje, porém, acentuamos que c Jornal do Brasil retira grande parte de sua influencia e alento cada vez maior da persistente Coluna do Castello repositório de análises da vida política nacional homens e fatos, num quartel de século.

Publicastes "Continhos Brasileiros" e o romance "Arco do Triunfo". A ambos, a crítica especializada ter dedicado elogiosas e frequentes referências.

Chega à Academia como jornalista - está no vosso discurso de posse no mais cobiçado sodalício do País. Sois realmente jornalista. Da imprensa vos tende servido para mensagens ao homem. Sentir e contar – assim se processa o jornalismo na luta pela fixação da realidade e da verdade. Observador político penetrante, ora tímido, ora revoltado, misterioso ou controlado, mostrais ora a imagem dos instantes precários, ora os ricos de liberdade. Cada uma das vossas posturas no dia-a-dia da velocidade jornalística corresponde a uma lição de clarear caminhos, denunciar acordos hipócritas ou advertir os incautos ou desinteligentes das cousas e dos homens.

Não sabeis enfeitar senão para defender a liberdade. Não existem falhas nem sobras no que escreveis. Por força das circunstâncias, ensinais nas entrelinhas aos bons de entendimento. Estilo de muita claridade. Conheceis a rigorosa propriedade das palavras e recusais na linguagem estrangeirismos desnecessários.

Odylo Costa, filho, asseverou que sois a primeira voz do jornalismo político brasileiro. Acertou. Efetuais o jornalismo-história, o que exige isenção e repele atitudes passionais. Digno, honesto, corajoso, altivo – semelhais o país. Nunca azinhavrastes a consciência na bajulação, nem vos sujeitastes aos demandos dos que falseiam o patriotismo ou renegam a compostura cívica.

Com os exemplos do pai ilustre, soubestes constituir o lar que possuís, ao lado de Elvia Lordello Castello Branco, bacharela em direito e jornalista. Harmonizam-se os dois em virtude e inteligência. O casal tem dois filhos Pedro e Luciana.

As atividades culturais vos levaram à Academia Brasileira de Letras, a cujo seio chegaram, depois do ingresso na Academia Piauiense de Letras, Félix Pacheco e Deolindo Couto, ambos de Teresina, como vós, e que saíram da Casa de Lucídio Freitas para a Casa de Machado de Assis. Vós, entretanto, viestes de lá para a modesta e querida instituição em que hoje ingressais -fiel ao pensamento de Cristino Castello Branco: "A Acade¬mia da terra natal é sempre a melhor das Academias'". O fato em nada desmerece os brilhantes companheiros que percorreram estradas diferentes.

Quando fostes eleito para a Academia Brasileira de Letras, telefonastes ao pai e a ele dissestes, revivendo a criança que está em nós o tempo todo. Parecia que não acreditáveis na evidência do resultado:

-Papai, eu fui eleito.

Cristino, certa feita, escreveu palavras de sabedoria: "Poucos sabem ser velhos, dizem os franceses. Saibamos sê-lo. Sem tergiversações. Sem atitudes ridículas. Sem medo da morte. Sem cortejar os moços para que nos louvem. O ocaso da vida humana tem o mesmo encanto do outro que contemplamos todas as tardes quando o dia se aproxima da noite. Há em ambos o mesmo tom de suavidade, de êxtase, de melancolia, que transfigura a natureza e transfigura o homem. O sol poente, desaparecendo para lá da montanha, não é mais impressionante que o homem, no alto da vida, despido das ilusões que se foram. Equivalem-se. A despeito disso os velhos também têm futuro, um futuro radioso, um futuro eterno. O futuro dos velhos é a vitória dos filhos, a vitória dos netos. Mais que isto. O futuro dos velhos é a presença de Deus, que se avizinha".

Sr. Carlos Castello Branco, o triunfo do ingresso na Academia Brasileira de Letras, a vitória que tanto nos enobreceu foi a vitória do velho pai, cuja presença de Deus se avizinhava, não permitindo que ele assistisse à solenidade tão prestigiada da vossa posse.

Testemunhastes uma vez que Teresina de 1937 acabou.

"Hoje é quase estranha para mim. Na parte antiga movimento os meus fantasmas e onde me sinto à vontade, quando passo por lá, para dialogar com eles".

Essa visão da doce e evocativa Teresina de outros tempos está plena de poesia e constitui lição de beleza no amor ao pedaço de chão em que nascestes.

Em Portugal há a paisagem das barcas cansadas. Quando o pescador, depois de lutas sem conta, sente que a barca faz água, porque pesada de glórias e de triunfos, trá-la de volta à praia natal e o herói passa a cultivar recordações.

Pescador sem medo, quando a vossa barca está cheia de vitórias e mostrar-se cansada das conquistas, vinde doá-la a Teresina, lugar do vosso nascimento. Vinde conversar com os vossos fantasmas.

Por ora continuareis alerta, abraçado à própria vida. Há sempre um legítimo orgulho, - o de vencer. Foi o que praticastes. Rodó, o eloqüente pensador uruguaio, cita uma frase alheia no Ariel: "Há uma produção universal - a de Homem".

Cultivais as duas - a de jornalista e a de Homem a serviço do mundo em que viveis.

Sede bem-vindo à Casa de Lucídio Freitas e à Cadeira de Cristino Castello Branco, para honrá-las.