DISCURSO DE RECEPÇÃO A VALDECI CAVALCANTE (*)

Elmar Carvalho

A Academia Parnaibana de Letras, nesta noite solene, festiva e engalanada, abre seu pórtico triunfal para receber o neófito Francisco Valdeci de Sousa Cavalcante, filho ilustre e nobre de Parnaíba e do Piauí pelos seus próprios méritos, e não porque alguém lhe tenha outorgado algum título.

Sua cadeira, a de número 39, tem como patrono seu pai, Gerardo Ponte Cavalcante, que se fez parnaibano, embora nascido em Coreaú (CE), em 17 de julho de 1926. Gerardo e sua esposa Francisca tiveram uma prole de doze filhos, entre biológicos e adotados. Fundou várias entidades associativas, recreativas e assistenciais, em diversos bairros da cidade. Foi vereador durante 32 anos, ininterruptamente. Foi ainda vice-prefeito e prefeito interino deste município.

Agropecuarista e empresário em vários ramos, entre os quais mercearia, panificação, açougue e leiteria. Manteve a amplificadora São Gerardo, que foi por muitos anos, numa época em que apenas existia uma única emissora, uma espécie de rádio da Guarita.

Mas foi, sobretudo, um homem bom, um homem generoso, sem apego aos metais. Como disse seu filho, em seu discurso de posse, o seu lema foi inspirado no Evangelho de Cristo: “Deus dá sempre a quem distribui mais”. E ele distribuiu prodigamente suas dádivas aos mais necessitados.

Numa crônica a respeito de meu pai, referi um caso relatado pelo escritor Orígenes Lessa, quando do sepultamento do seu: um forasteiro, admirado, perguntou a uma pessoa que chorava, se o falecido era uma pessoa muito importante. Recebeu, entrecortada por soluços, a seguinte resposta: “Não. Era só muito bom.”

Evoco agora a figura de Gerardo Cavalcante, patrono da cadeira ora ocupada por seu filho, para dizer que ele, acima de sua importância social e política, era sobretudo um homem bom. E nesta época triste, de tanta ganância e corrupção, como estamos necessitados de pessoas boas, de pessoas que não apenas deixem de fazer o mal, mas principalmente façam o bem.

Por coincidência, se é que existem coincidências, estou lendo O espelho do príncipe, de Alberto da Costa e Silva, que é uma mescla de memória e ficção, como indica o seu subtítulo, e acabo de ler esta fala de uma de suas personagens: “ – Nascemos para fazer feliz o outro. Os outros é que são importantes, e não nós.” Para Gerardo Cavalcante, sem dúvida, os outros é que eram importantes. E por isso, ele que foi presbítero da Primeira Igreja Batista de Parnaíba, pregou e espargiu o bem. Como disse num de meus poemas, que nunca mais localizei: “É bom ser bom / é mau ser mau.” Fica para nós, como um belo legado, a sua lição de vida e de amor ao próximo.

O nosso novo confrade, desde menino, seguiu a lição do pai, e por isso começou a se dedicar ao trabalho, e já amealhava as suas próprias moedas. Desde bem jovem demonstrou inclinação para o associativismo e para as saudáveis diversões. Promovia festas dançantes e tertúlias, com que dissolvia o spleen de certas tardes modorrentas, através dos sadios congraçamentos e sociabilidades entre moças e rapazes, em que não havia brigas e nem drogas.

Cedo convolou núpcias com Rosângela e constituiu uma bem estruturada família, composta pelos filhos Jairo, Mayra e Denis, agora acrescida pelos netos Luna, Dante, Ana Maria, Pedro e Alice, que são “frutos doces nesta fase” de sua vida, como ele externou na dedicatória de seu livro A lei divina e a consciência, a que me reportarei adiante.  

Sendo seu curriculum vitae muito rico e extenso, apenas dele pinçarei os seguintes dados: filho de Gerardo Ponte Cavalcante e de Francisca Lopes Cavalcante, ambos falecidos, nasceu em Parnaíba, em 12 de abril de 1952, cujo signo zodiacal (Carneiro) tem como principal atributo a liderança. Formado em Técnicas Comerciais e em Direito; este pela Universidade Federal do Piauí, da qual veio a se tornar professor. Pós-graduado em Direito do Trabalho, Administração de Recursos Humanos e Planejamento Educacional.

Exerceu inúmeros cargos, entre os quais podem ser salientados: professor da UFPI, FADEPI e CESVALE; advogado da Companhia Energética do Piauí, na qual ocupou a função de chefe da Consultoria Jurídica; advogado da AGESPISA e da COHAB; consultor jurídico do SESC/SENAC e FECOMÉRCIO; diretor regional do SENAC/PI. Venerável da Loja Maçônica Raul Serrano; governador do Lions Internacional – Distrito LA-6. Atualmente, é o presidente do Sistema FECOMÉRCIO SESC/SENAC no Piauí, diretor da Confederação Nacional do Comércio, presidente dos Conselhos Regionais do SESC e do SENAC no Piauí e presidente da Academia Maçônica de Letras. Detentor de dezenas de títulos honoríficos e de cidadania, ostenta inúmeros diplomas, medalhas e comendas. Encerro esta enumeração exemplificativa, para não extenuar a colenda assistência.

Em 1983, após me formar em Administração de Empresas (UFPI), iniciei Direito na mesma universidade, em cujo curso tive Valdeci Cavalcante como professor. Exercendo eu o cargo de fiscal da extinta SUNAB –  Superintendência Nacional do Abastecimento, nessa época, estreitei meu conhecimento com ele, porquanto várias vezes ele esteve nessa repartição, em busca de informações, sobretudo na época dos famigerados planos econômicos, alguns deles de viés eleitoreiro, para compartilhá-las com as entidades a que prestava assessoramento jurídico.

Conquanto Valdeci seja um cidadão calmo, educado, de fala mansa, pausada, é rápido e firme em suas tomadas de decisão. Com efeito, ao assumir a presidência da Fecomércio, o Senac e o Sesc atingiram um nível de atividade e de prestação de serviços nunca antes visto. Ao contrário de certo dirigente de uma outra agremiação empresarial, que se comprazia em devolver verbas ao Departamento Nacional, no intuito talvez de ostentar uma presumida e vaidosa honestidade, em Estado tão pobre e carente como o Piauí, o nosso novel acadêmico aplica corretamente as verbas que recebe. E graças ao seu esforço e prestígio, ele as tem conseguido em valor significativo.

Com isso dinamizou e expandiu os serviços prestado pela Fecomércio aos seus associados e beneficiários, inclusive aos conveniados, sobretudo nas áreas de saúde, educação, lazer, esporte e cultura. Não é exagero afirmar que o sistema vem fazendo mais pelo esporte e pela cultura, no Estado do Piauí, do que os órgãos municipais, estaduais e federais. Além disso, levou esses serviços para várias cidades interioranas ainda não contempladas.

Para cumprir esse desiderato, fez construir grandes e belos prédios, que melhor possibilitem a prestação desses serviços, com mais conforto e mais eficácia. Neste momento estão sendo erigidos quatro monumentais edifícios: um em Picos, outro em Teresina e dois em Parnaíba, todos dirigidos aos serviços prestados pelo SESC/SENAC, nos quais também podem ser desenvolvidas atividades culturais e/ou esportivas. Vem dando forte apoio ao teatro, ao esporte e à literatura, seja publicando livros ou fomentando, através de parcerias, a sua editoração, bem como promovendo e patrocinando torneios esportivos e encenação de peças teatrais, além de promover oficinas e concursos literários.

Sendo dirigente de entidades paraestatais, Valdeci Cavalcante observa, mais do que muitos gestores de órgãos públicos, os princípios de uma boa administração, mormente o princípio constitucional da eficiência, pois a nossa Carta Magna determina que a administração pública (nas três esferas de governo), seja eficiente, o que quase sempre nunca acontece. Creio haver descoberto o segredo de sua eficiência e dinamismo.

Quando levei a Valdeci o meu projeto de publicar o álbum artístico Parnárias, com poemas e ilustrações sobre Parnaíba, ele, sem titubeios e vacilações, de imediato aceitou publicá-lo. Recebeu-me por volta de nove horas, quando já estava se preparando para uma viagem aérea às onze. Mesmo assim, adotou as providências cabíveis, ligando, pelo sistema de viva voz de seu celular, para que eu ouvisse e pudesse opinar, para os seus assessores do setor cultural.

Ante sua anuência, liguei para o grande poeta e escritor Alcenor Candeira Filho e para o talentoso fotógrafo Inácio Marinheiro, que, juntamente comigo, organizaram o livro. E eis que foi dado à estampa o mais belo livro de poemas e fotografias artísticas sobre a nossa Parnaíba. Sim, mas qual o segredo de Valdeci, que prometi revelar? É muito simples. Ele faz imediatamente, com boa vontade e alegria, o que é bom e o que é útil, sem adiamentos e detestáveis procrastinações. Em suma: não cria dificuldades para depois “vender” ou valorizar os benefícios que presta.

O seu livro A Lei Divina e a Consciência parece revelar aspectos de sua personalidade, sobretudo a sua faceta de administrador da Fecomércio e de que é um servo no sentido preconizado por Cristo. Sobre esse livro, na apresentação de seu lançamento em Teresina, desta forma se expressou o confrade e irmão Israel Correia, ilustre compositor e poeta:

“No quarto e último dos capítulos, ‘A Maçonaria – fonte de aperfeiçoamento da Consciência Humana’ o autor vai além da breve retrospectiva que promete, no início do terceiro parágrafo, e termina por apresentar fatos, pontos e exemplos importantes da história, simbologia, instrução e poesia maçônicas.

No capítulo em tela, o autor não trata de afirmar sua simpatia a uma doutrina em particular como fez no segundo, mas seguramente confirma um juramento deixando bem claro que é maçom de vida comprometida com a Sagrada Ordem (...).”

Em meio a tanta operosidade, realizações e desafios, não sei como ele encontrou tempo e a necessária tranquilidade para escrever o magnífico livro Oriente Médio, uma verdadeira joia da arte gráfica, tal o seu perfeito acabamento, esmerada diagramação e ricas e profusas ilustrações. Em suma, um verdadeiro álbum, impresso em material de primeira qualidade, enfeixado em linda capa dura. A obra, ora trazida à praça, foi editada pela SIEART, empresa que é orgulho dos parnaibanos.

De rico conteúdo, bem redigida em sua linguagem concisa, clara, de fácil e instantânea assimilação, sem torcicolos e rebuscamentos estilísticos, versa a história, a religião, a tradição, os valores culturais e a literatura do Oriente Médio, como indica seu subtítulo. Com vastas informações, vertidas em “linguagem muito simples, direta e compreensível”, como ele próprio modestamente afirma na introdução, o livro esclarece muitas questões controvertidas referentes ao povo árabe.

O autor, ao visitar a região e meditar sobre a sua longa história, procurou contextualizar e interpretar os fatos atuais, à luz dos interesses econômicos e geopolíticos, mostrando a verdade real, se assim me posso exprimir, e não os estereótipos enganosos, forjados pelo Ocidente. É um notável e belo livro, fruto de suas continuadas e exaustivas leituras, ao longo de várias décadas, que merece ser lido e meditado, e que vai ocupar um lugar de destaque em minha biblioteca.

Pelos seus atos na vida profana e maçônica, bem como pelas suas virtudes de administrador das paraestatais SESC/SENAC e da Academia Maçônica de Letras, podemos perceber que Valdeci Cavalcante dedicou seus esforços e energia a prestar um grande serviço à sociedade piauiense, nas áreas de sua competência funcional. Um fato interessante me parece emblemático de sua personalidade dinâmica e de servo de Deus: certa vez, ao receber um pedido de esmola, em lugar de simplesmente dar algumas moedas à pessoa pedinte, que tinha uma deficiência física, ingressou com uma ação judicial para que ela passasse a receber benefício do INSS. Portanto, como advogado, prestou um serviço de voluntariado e de bom ser humano e cidadão. Ademais, fez elaborar a cartilha Faça valer seus direitos, em que, de forma concisa, clara e objetiva, mostra os direitos assistenciais do brasileiro.

Portanto, ao pregar o bem, o bom e o belo, ao desenvolver boas ações, Valdeci segue o que prega e o que preconiza a sublime Ordem, ao nos admoestar que devemos sempre desbastar a pedra bruta que somos todos nós, ao nos induzir ao autoaperfeiçoamento, em busca da pedra polida do ideal e da perfeição. Em outro lugar, muito anos atrás, tive o ensejo de dizer:

(...) quero deixar consignado que a marcha da humanidade é para frente e para cima, infinitamente, eternamente em ascensão para Deus, em contínuo aperfeiçoamento, e que um dia Deus nos receberá em seu regaço, puros e redimidos, como parte integrante de seu corpo místico. Creio que as quedas e as imperfeições, que as evoluções e os retrocessos, que os avanços e os recuos fazem parte de um plano divino e perfeito, como são divinos e perfeitos os giros alucinantes dos elétrons, as rotas luminosas dos cometas e as órbitas sincronizadas das esferas celestiais. E algum dia compreenderemos esse plano maravilhoso, quando estivermos com Deus e em Deus.

Assim, nesta noite de festiva gala e cultura, penetra os umbrais de nossa Augusta Academia Valdeci de Sousa Cavalcante, uma pessoa que não apenas prega o bom, o bem e o belo, mas sobretudo os cultiva, através da arte literária, da cultura e das boas obras, mediante suas ações pessoais e administrativas.

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Agora, em nota fora de pauta, quebrando todos os protocolos da retórica e da ritualística, ainda que do modo forçado como Pilatos entrou no Credo, devo dizer que, alguns anos atrás, à beira do Parnaíba, na Várzea do Simão, cinco quilômetros a jusante da Ponte do Jandira, tive ocasião de dizer que o Velho Monge do poeta Da Costa e Silva – o maior patrimônio natural do Piauí – está agonizante, e que os governos federal e estadual nunca fizeram nada por ele, exceto na oratória e em leis não executadas; ao contrário, todas as obras públicas e particulares, por mais úteis que sejam, o degradam, porque retiram suas águas, porque destroem suas matas ciliares, porque lhe envenenam com esgotos de águas podres e poluídas.

Naquele brado retórico, disse para poucos ouvintes (**) que, como um novo Catão, que encerrava todos os seus discursos com a frase “Delenda est Carthago” (Cartago deve ser destruída), eu passaria dali em diante a finalizar todos os meus discursos (ainda mais em Parnaíba, que não apenas é a Princesa do Igaraçu, mas a Rainha do Delta do Parnaíba), com a frase:

SALVAR O PARNAÍBA É PRECISO. 

(*) Discurso proferido em sessão solene da Academia Parnaibana de Letras, no dia 13/04/2018, realizada no Castelo de Eventos, antigo Castelo do Tó.

(**) Discurso de improviso pronunciado alguns meses atrás, na Toca do Velho Monge – Sítio Filomena, às margens do Parnaíba, cinco a seis quilômetros a jusante da ponte do Jandira. Entre outros estavam presentes o advogado Carlos Eduardo Coutinho e Nonato (Natim) Freitas, que também estavam na solenidade de posse de Valdeci.