[Maria do Rosário Pedreira]

Acabo de ler um romance que me deixou bastante desconcertada. Foi escrito por João Paulo Cuenca, brasileiro, considerado um dos 39 melhores escritores da América Latina com menos de 39 anos, a par de outros que conhecia melhor, como Andrés Neuman, Santiago Roncagliolo, Junot Díaz ou Adriana Lisboa. O livro em questão, O Único Final Feliz para Uma História de Amor É Um Acidente, partiu, julgo eu, de um convite de uma cadeia de livrarias brasileira, que enviou autores a várias cidades do mundo para as usarem como pano de fundo e redigirem uma história de amor, num projecto conhecido como «Amores Expressos». Cuenca esteve bastante tempo em Tóquio e é na capital japonesa que decorre a acção deste romance completamente desconcertante, onde o Sr. Atsuo «Lagosta» Okuda, poeta retirado e poderoso, vive com uma boneca insuflável altamente sofisticada (um dos narradores) e, ao mesmo tempo, vigia obsessivamente os amores do filho com uma imigrante de Leste que serve bebidas num bar e está apaixonada, por sua vez, por uma dançarina que trabalha no mesmo local. Muito interessante no diálogo que estabelece entre Oriente e Ocidente, muito crítico em relação a algumas especificidades da cultura nipónica (percebe-se que o autor ficou mesmo desconcertado com algumas manias), com uma ironia fina e com muitas surpresas ao virar da página, é um livro que não poderia em caso algum ser português, mostrando que a língua não chega para se poder falar de afinidades. Vale a pena o desconcerto, enfim.