ELMAR CARVALHO

Nesta sexta-feira, fui ao cemitério da Ressurreição, em virtude do sepultamento do desembargador José Luís Martins de Carvalho, que havia falecido por volta das quatro horas da tarde do dia anterior. Tive a oportunidade de conhecê-lo em 1997, em cujo mês de dezembro, dia 19, ingressei na magistratura, tomando posse perante ele, em seu gabinete de presidente do Tribunal de Justiça do Piauí. Fiz um breve de discurso de saudação e de regozijo, em meu nome e no nome de mais doze colegas, que tomaram posse juntamente comigo. Sabia de suas virtudes de homem de bem e de magistrado íntegro, honrado, imparcial, contra o qual nunca se ouvia o mais leve murmúrio, por mais leve e por mais murmúrio que fosse. Não quero neste texto arrolar atos e fatos de sua vida pública, nem inventariar datas e dados de seu curriculum vitae, pois a sua mais refulgente biografia é o seu caráter e as suas ações, revestidas sempre de honradez e probidade.

 

De muitos falsos grandes homens, se diz que a estátua é maior que o modelo. De muitos falsos Catões, se nota logo que a capa dourada de verniz é muito frágil, muito tênue, muito precária, e que basta um leve passar de unha para que a pátina e a ferrugem apareçam, para mostrar a nua e feia realidade. Mas o desembargador José Luís, não; ele, em sua humildade altiva, era maior que a estátua, até porque não a tinha e nem precisava dessas fátuas ostentações. Também não tinha o áureo verniz da hipocrisia, pois era verdadeiro em suas posturas de homem e de magistrado digno e correto, conquanto devesse ter os seus defeitos, inerentes à condição humana, como todos nós.

 

Devia-lhe um favor pessoal. Favor republicano, legítimo, legal, que mais o engrandeceria se eu o revelasse, mas prefiro guardá-lo no recôndito de meu coração. Quando o saudoso magistrado foi inaugurar a reforma do fórum de Oeiras, terra a que sou ligado por laços afetivos, sentimentais e de amizades, eu ainda estava no início de minha carreira, como juiz substituto. Ao visitá-lo em seu gabinete, disse-lhe que havia escrito, tempos atrás, o poema Noturno de Oeiras, que caíra no agrado dos oeirenses, e que esse texto se prestaria a uma encenação por parte de um ator que o interpretasse, dando-lhe alma e emoção. Conversei com os seus assessores, e o certo é que o poema foi interpretado pelo ator Bonifácio, na solenidade de inauguração da reforma do fórum Des. Cândido Martins, ocorrida no Cine-Teatro Oeiras. A encenação foi calorosamente aplaudida por todos os meus colegas e por todos os presentes, em momento para mim inesquecível.

 

Amigo de vários parentes seus, filhos do des. Antônio Santana Ferreira de Carvalho, de antigas estirpes oeirenses, tive o ensejo de degustar três cálices de vinho tinto, em sua companhia e na do historiador e cronista Antônio Reinaldo Soares Filho, casado com sua prima Maria Eulália. Pude, então, mais uma vez, apreciar a sua conversa agradável, inteligente, em que ele desfiava episódio interessantes, pitorescos ou mesmos jocosos, de que fora observador privilegiado e arguto. Às vezes, em meio aos casos engraçados que contava, emitia sua gargalhada, de timbre e modulação bem característicos, que realmente lhe denotavam uma alegria sincera.

 

Um ou dois meses antes de seu falecimento, conquanto já o soubesse doente, fui entregar o meu livro Noturno de Oeiras e Outras Evocações, lançado recentemente na velha capital, com o apoio do Instituto Barros de Ensino, com desvanecedora apresentação do advogado e escritor Moisés Reis, em magnífica noite lítero-musical, ao seu filho Godofredo, para que este lhe fizesse chegar às mãos. A obra contém meus principais textos velhacapianos, em verso e em prosa, entre os quais dois poemas, crônicas, ensaios e discursos. Não sei se o des. José Luís ainda o conseguiu ler, se ainda susteve o meu livro em suas mãos. Nunca perguntarei sobre isso. Prefiro imaginar, que ele lhe repassou as folhas, lhe fitou as gravuras, lhe leu um ou outro verso, e tenha se comovido com uma ou duas frases mais felizes...

 

No cemitério, conversei brevemente com sua filha Madalena. Ouvi-a contar ao des. José James e sua esposa que seu pai a consolou sobre sua morte, pedindo-lhe que aceitasse essa provação, que se resignasse com o término de seus dias. Ante esse depoimento filial, me é lícito imaginar que ele, não obstante os sofrimentos por que passou em sua doença, morreu em paz, sem medo, sem terrores diante do inelutável, graças a sua consciência tranquila de homem bom, honrado e digno. E sei que ele subiu a outros páramos, onde a Justiça brilha com mais intensidade.