Cunha e Silva Filho


      Será, leitor, em qualquer parte do país ou do mundo (estou querendo competir com os leitores de Machado de Assis, só que em sentido antípoda aos minguados leitores por ele divisados) que o mito das eleições, dividindo cidadãos brasileiros, entre dois candidatos” teoricamente” adversários, significará mais em prol do pais vivendo tantas chagas e com parte, quase a metade, de seu povo rindo, ovacionando os eleitos, proclamando algum herói popular ou uma dama encantada com os afagos do seus prosélitos, com a multidão delirante parecendo que vai ganhar de repente o paraíso brasílico só porque, sabe Deus como, conseguiu, em vitória estreita, sufragar mais um mandato para seu candidato dirigir este país-continente?
        O grande Brasil, gigante adormecido, cá retorna ao seu simples e às vezes insípido cotidiano, com todas as suas falhas, defeitos, virtudes, alegrias e dores. Demos um crédito, pelo menos, nesta hora que o segundo mandato é coisa líquida e certa.
        Todavia, as eleições são muito parecidas com o futebol brasileiro em alguns ângulos, como, por exemplo, o do fanatismo que se apodera do espírito do eleitor e aí, não há quem possa segurar os desmandos de linguagem e de desaforos trocados entre dois times com a clareza de que, para cada time, o seu favorito é Deus, e o a oponente, o diabo (não vou dar mole pra maiusculizar, à feição dos poetas simbolistas, o adversário-mor do Altíssimo).
      Nas redes sociais, tomemos o Facebook, a competição foi - vou ter que usar para dar o tom e a atmosfera exigida - o surrado adjetivo “acirrada.” E o mais desagradável que, de ambos os flancos, um dava sinais de que estava certo e o outro, errado. Um era o caminho da glória e da bem-aventurança; o outro, o caminho da perdição e da miséria com a exclusão de todos as benesses propiciados pelo bolsa-família e outras bolsas tantas, salvação da pobreza do brasileira e oportunidade de uma virada para uma “classe média” que nem os sociólogos sabem explicar talvez a não que sejam do lulismo encravada em solo pátrio e disposto a fazer o maior ciclo de grandeza e de felicidade dos bruzundangas...
     O grande líder, o sebastianista na Terra de Santa Cruz, diante de toda bajulação dos palacianos e do populacho macunaímico, se a dama encantada fizer, no mínimo, um governo sofrível, já tem garantida a sua vitória terceira (pois o poder terreno e imperial cria o vício e a ambição do mandonismo) cantado em prosa e verso de cordel pelo país afora.
     Não sei por que cargas d’água a imprensa internacional teima em tachar o lulismo como uma corrente política da esquerda, quando sabemos, mesmo que não sejamos cientistas políticos, que não se pode misturar alhos com bugalhos, i.e., capitalismo com comunismo. Ademais, sabemos que os prócer-chave do PT é hoje um senhor bem aquinhoado na vida e, por esse motivo, um comensal do que há de melhor das delícias e gulodices do consumismo globalizado e neoliberal com ramificações familiares que vão confluir no frigoríficos de primeira linha e bem assim de outras guloseimas apetitosas dos arrivistas e dos parvenus.
Um pergunta se impõe: e agora, José? Como ficamos ou não ficamos os que perdidos somos na torcidas das arenas (ou arengas) políticas? As torcidas, antes amigos ou falsos amigos, ou amigos cordiais, ou inimigos figadais, como farão o caminho de volta ao ramerrão da vala comum? Não creio que as divergências, usando de uma linguagem desabusada, irão às pazes de amigos (ou seriam inimigos?) cordiais.
    Se voltássemos ao período pré-corrida presidencial, alguma coisa me leva a acreditar que não fizemos senão papéis de uma peça teatral bem encenada e, neste caso, há uma possibilidade de voltarmos às antigas convivências amistosas. No entanto, se os papéis foram protagonizados no realismo das eternas mesquinharias e antipatias humanas, então continuaremos contumazes adversários políticos e/ou pessoais. Prefiro, concluindo e ainda mimetizando o pensamento de Machado de Assis, não obstante não o citando ipis verbis, lhe dizer o seguinte: a ambiguidade é que, muitas vezes, salva a dúvida sobre nós e sobre os outros. O contrário teria também o mesmo efeito da dúvida e da derrisão.