ELMAR CARVALHO


Fui, no sábado, dar um depoimento sobre o início de minha vida literária, conforme me havia sugerido a Régia, professora de literatura do Colégio Pro Campus e coordenadora da Academia Juvenil de Letras desse educandário. Quando cheguei, já havia acontecido a solenidade de inauguração da sala que o professor Clementino Siqueira, diretor e proprietário da unidade escolar, havia destinado a essa agremiação literária, que segue o modelo das Academias Brasileira e Piauiense de Letras, exceto quanto à vitaliciedade e ao número de cadeiras.

 

Por motivos óbvios, os membros da AJULE não podem ser vitalícios, porquanto a posse da vaga só dura o tempo em que forem alunos do colégio, acompanhando a transitoriedade própria da vida de estudante. E o número de cadeiras é trinta, e não quarenta, como nos sodalícios que lhe servem de inspiração. Cada uma delas tem como patrono uma figura ilustre do magistério piauiense. Conheci quase todos. De alguns fui amigo e/ou aluno. Muitos são filhos de Oeiras, terra natal do professor Clementino Siqueira, educador que conheço faz mais de duas décadas.

 

Além deste cronista, fizeram parte da mesa de honra os escritores e jornalistas Zózimo Tavares e Gregório de Moraes, os poetas repentistas Pedro Costa e Antônio Raimundo, além da representante da Fundação Quixote. Ao lado, em destaque, ficaram os juvenis acadêmicos, garotos e garotas, envergando a farda e o manto de sua Academia. Na oportunidade, foi apresentado por Rogério Bezerra o site da AJULE, que evidentemente será noticioso e literário.

 

Procurei ser breve em minha fala, porquanto haveria um concurso literário, do qual fui um dos jurados. Disse que madruguei em minha atividade e vocação literária. Falei que, quando eu tinha de nove para dez anos, minha família foi morar na zona rural de Campo Maior, por uma curta temporada. Expliquei que isso me causou enorme tristeza, pois eu era acostumado com a movimentação, as luzes, os carros, os divertimentos e a algazarra da cidade.

 

À falta de diversão e de outros afazeres próprios de um garoto citadino, comecei a ler com sofreguidão, primeiro os livros da pequena biblioteca de meu pai, depois os da biblioteca infanto-juvenil do Grupo Escolar Valdivino Tito, que a professora Mirozinha me enviava, quando meu pai ia à cidade. Ela era prima legítima de minha mãe e minha madrinha. Devo-lhe muito. Devo-lhe, em grande parte, a alegria de meus dias de criança e o meu interesse precoce pelas letras.

 

Data dessa época, um livro manuscrito que escrevi sobre a educação em Campo Maior, que Mirozinha chegou a mostrar ao professor Raimundinho Andrade, que se mostrou entusiasmado com essa afoiteza juvenil. Nesse período, influenciado pelos contos que eu lia, cheguei a escrever algumas pequenas narrativas, que se perderam nas sucessivas mudanças de minha família, do interior para a sede do município, desta para a cidade de José de Freitas, e desta, o retorno.

 

Quando concluí a leitura da biblioteca do Grupo Escolar Valdivino Tito, minha madrinha passou a me enviar os livros e revistas de sua própria biblioteca. Meu pai, conforme suas condições financeiras permitiam, comprava alguns livros e revistas, entre as quais alguns exemplares de Conhecer, verdadeira enciclopédia fasciculada, que me atiçava a imaginação, mormente quando estampava ilustrações das grandes aves jurássicas e das galáxias e estrelas.

 

Contei aos acadêmicos e demais ouvintes, que meu primeiro texto publicado foi uma crônica, quando eu tinha dezesseis anos. Foi agasalhada, a pedido de meu pai, no jornal A Luta de Campo Maior, que está a merecer que alguém lhe escreva uma monografia ou mesmo uma tese de doutorado, pois eminentes conterrâneos foram seus colaboradores, com a publicação de textos notáveis. Entre esses luminares, destacaria, sem desdouro dos demais, o irmão Turuka e o médico José Francisco Bona, cujas crônicas e “causos” ainda hoje admiro, quando os vejo transcritos em alguma publicação. Meu pai publicou alguns textos de sua autoria nesse valoroso periódico.

 

Fiz questão de salientar que minha, digamos, carreira literária foi feita, sobretudo, através de colaborações em jornais, revistas e obras coletivas, sem pressa em lançar um livro individual, até porque eu não tinha dinheiro para tal. Confessei que foi melhor assim, pois fui sentindo, aos poucos, a receptividade que meus textos iam tendo. Fiz questão de enfatizar, que tenho lido muito mais do que publicado, pois entendo que um homem de letras, além de saber dizer, em linguagem adequada, tem que ter o que dizer, e é através da leitura dos grandes mestres que ele se aprimora para esse mister.

 

Quando eu tinha por volta de 28 anos de idade, alguns amigos e leitores começaram a me “cobrar” a publicação de um livro individual. Foi então que o professor A. Tito Filho, presidente da Academia Piauiense de Letras, espontaneamente, sem a menor insinuação de minha parte, pediu-me organizasse os meus poemas, pois desejava enfeixá-los em livro. Não preciso dizer o quanto fiquei contente e orgulhoso de ter recebido esse convite/incentivo. Infelizmente, um pouco depois de eu lhe haver entregue o volume com meus poemas, o mestre veio a falecer.

 

Após o professor Manoel Paulo Nunes assumir a presidência da APL, contei-lhe esse caso. Ele, de forma firme e educada, disse que manteria o convite de seu antecessor, desde que meu livro passasse pelo crivo do Conselho Editorial da Academia. Respondi-lhe que nada objetava quanto a isso. Para gáudio meu, o conselheiro e acadêmico Wilson Andrade Brandão, homem rigoroso, porém justo, na qualidade de relator manifestou-se pela publicação da obra, cujo voto foi encampado pelos demais membros do Conselho Editorial.

 

O fato é que a 1ª edição de A Rosa dos Ventos Gerais veio a lume através de convênio entre a APL e a Universidade Federal do Piauí. Portanto, quando meu primeiro livro foi publicado já não era eu mais um bisonho neófito, pois percorrera lentamente, sem ânsias, uma longa estrada, a publicar meus poemas e minhas crônicas em jornais, revistas, páginas literárias, cartazes, obras coletivas e antologias, auscultando a aprovação dos mestres e leitores. Essa publicação me valeu muito mais do que uma coroa de louros, cujas folhas murcham e morrem. Mesmo porque não tenho a pretensão de ser algum poeta laureatus nem príncipe da versificação.