Lendo uma crônica de Ary Nicodemos Trentin, autor de Baú de imagens (Blumenau, Edifurb, 2002), dei-me conta de como é importante implicar com palavras e expressões que se repetem em leituras e conversas. O autor, por exemplo, implica com “caldo de cultura” e “efeito multiplicador”. Eu também cultivo as minhas implicâncias.

Exemplos?

“Enxugar a máquina”, ou “enxugar o texto”... Ora, se máquinas e textos andam molhados, tudo bem, vamos enxugá-los. Mas alguém poderia me explicar por que ficaram assim? Por que escrever artigos, dissertações e crônicas debaixo da chuva? E esta máquina? Não poderia estar dentro da fábrica, protegida do temporal?

Um clichê freqüentíssimo na mídia — “a boa notícia é que”... Antes ou depois de comunicar a “má notícia”, quem escreve se sente no dever de frisar que há algo a se comemorar. Tudo vai mal... mas a boa notícia é que o prefeito, o ministro ou o presidente ou um congresso inteiro está analisando novos projetos e possivelmente teremos a solução de tudo daqui a algumas décadas...

No campo do ensino, volta e meia ouço doutos pedagogos afirmarem: aquele programa, aquele recurso, aquele livro será uma “ferramenta” a mais para conseguir isso ou aquilo. Talvez tenhamos de apertar algum parafuso, cravar um prego, vai saber! Não é o que dizem, que a educação do país precisa ser construída?

“Seria trágico se não fosse cômico”... outra frase feita que me persegue. Mas é cômico mesmo? As noções se confundem ou perdemos a noção do trágico? As tragédias tornam-se piada fácil. Em questão de horas, manchetes viram anedotas. Fidel Castro já se tornou protagonista de várias, recentemente. Isso é trágico? Ou cômico?

Políticos soltos, vários prometem um “choque de gestão”. Quem será eletrocutado no final da história?

E há uma frase que me intriga. Em blogs, sites comerciais e informativos, em tantos lugares virtuais lê-se o pedido democrático: “deixe sua opinião”. Mas para que deixá-la? Quem levará em conta os meus palpites? Não quero deixar minha opinião...

Pensando bem, a frase tem duplo sentido. “Deixar” no sentido de desistir... Deixe, desista da sua opinião, abandone-a. Será este o motivo de tantas pesquisas de opinião? Cada vez que a emito, demito-me, perco minha opinião, vejo-a cair no vazio.

Lá está, de novo, o pedido: “deixe sua opinião, ela é muito importante para nós”. Não, não deixarei mais minha opinião.

 

Gabriel Perissé é doutor em educação pela USP e escritor.
Web Site: www.perisse.com.br