Sempre que nos sentindo atribulados, desconsolados em razão de sofrimentos ou dores que se abatem sobre nós, buscamos conselheiros religiosos que, invariavelmente, depois de nos pedirem calma, dizem-nos para não nos desesperarmos, pois são nos momentos de grande dificuldade em que mais de perto nos fala o Criador. Os sofrimentos, as decepções, as dores têm uma justificativa, uma finalidade maior, insistem eles: são provações pelas quais passou e as superou o enviado e Filho do Senhor, Jesus Cristo, como que para demonstrar que também podemos suplantá-las.

            Acrescentam esses mentores espirituais, diante de nossa fraqueza, que nós é que tantas vezes não queremos enxergar os sinais ou as mensagens que o Todo-Poderoso nos manda. Se, de fato, tivermos fé, tudo se torna muito simples. De que simplicidade estariam falando?

            Quem nunca ouviu a expressão: Deus escreve certo por linhas tortas? Ou: Os desígnios de Deus são insondáveis? Se as confrontarmos com o que, teleologicamente pensam autoridades cristãs, alguns filósofos e outros estudiosos das religiões, a respeito da simplicidade de comunicação e da dialética utilizada por Jesus Cristo, muitos ficarão abilolados. Partindo-se do pressuposto de que as mensagens havidas como oriundas Dele, de fato, foram por Ele emitidas ou anunciadas, percebe-se que, na verdade, elas se mostraram, senão muito difíceis de decodificar, não tão simples como pretendem aqueles.

A propósito, ainda hoje, quem quer ou deseja ser prontamente entendido não deve se expressar por meio de metáforas ou parábolas. É bom frisar: foi, na maioria das vezes, valendo-se desses recursos oratórios, que Cristo buscou se comunicar com o povo, conforme deixaram registrado seus seguidores. Nem de brincadeira queremos ser interpretados como crítico do filho de Deus, mesmo porque nos falta estofo cultural para tanto, mas aceitamos ser havido como um sujeito que refuta a ideia de fato consumado, tomada pelos que dizem que só não entende quem não quer o que tão simples e claramente Jesus nos teria falado. Não somos religioso ferrenho, outrossim, temos como própria, até porque nos é inata, uma forte religiosidade e é esta que nos manda não acatarmos toda e qualquer  imposição, regra ou determinação.

            Escrever certo por linhas tortas parece uma antítese. Como se nos quisessem dar apenas uma opção: entender o que se está propondo como algo ininteligível, pois o autor e, somente ele, tem a possibilidade de interpretar coerentemente o que quis dizer. Ou seja, a partir do que foi enunciado, o entendimento certo ou errado não depende de interpretação pessoal do interlocutor, do leitor ou do ouvinte, mas de decisão unilateral do comunicador, do falante ou de seu intérprete.

            Como os desígnios de Deus são insondáveis, fica difícil admitir que a simplicidade seja uma virtude divina. O que não se sonda é incompreensível e o que não se depreende, mesmo de exemplos práticos, apenas pode ser explicado por quem haja criado o fato ou o evento sobre o qual nada pode ser informado. Se não há disponibilização da informação a ponto de ser decodificada pelo usuário ou interessado, objetivamente, definitivamente, não existe a informação. Estaria a simplicidade escondida no modo de escrever certo por linhas tortas ou de considerar os desígnios divinos insondáveis - de que falam aqueles que asseveram que o Criador não distingue os que entendem, mesmo uma mensagem cifrada, daqueles que têm dificuldade para entender até as mais literais - explicada no fato de que, ainda que muitos não compreendam, ele sempre dá a cada um o que realmente merece?

              Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal e escritor piauiense

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