DE AMIGOS A AMANTES
Por Elmar Carvalho Em: 07/11/2010, às 19H42
ELMAR CARVALHO
Os dois poetas se conheceram na adolescência. Roberto era dois anos mais velho que Suzana. Começou a escrever primeiro, publicando seus poemas no jornal mural do colégio em que estudava, e, um pouco depois, no Diário de Caxingó, que na verdade era um hebdomadário, que muitas vezes não fazia jus ao nome, pois em algumas semanas a sua anunciada periodicidade falhava. Ganhou certa notoriedade na unidade escolar e na cidade, e logo passou a presidir o Grêmio Literário Luíza Amélia de Queiroz. Discursava nos eventos cívicos e culturais do colégio e até mesmo da cidade. Não demorou muito, Suzana se aproximou dele, passou a frequentar o grêmio e a colaborar no jornal mural. Havia entre eles amizade e admiração recíprocas. Entretanto, Roberto já namorava outras garotas, e, talvez por respeito ou por medo de estragar a amizade, esquivou-se de namorá-la. Talvez não desejasse compromisso sério, e temesse que se namorasse Suzana o relacionamento evoluísse para algo duradouro ou mesmo definitivo. Ele se formou em Direito e foi ser professor universitário. Ela se tornou médica de nomeada, totalmente dedicada à profissão; teve seus namoros, mas os anos foram passando, e ela terminou por não se casar. Embora não fosse propriamente tímida, era um tanto retraída, e com o correr do tempo sua dedicação à medicina era quase total. Não disse total, porque ela continuava louca pelos livros de literatura e continuava a escrever suas crônicas e poemas, bem como a comparecer a eventos culturais, sobretudo literários. Com o passar dos anos, Suzana e Roberto perderam o contato. Ela fora morar na capital do estado, polo importante da medicina no nordeste, e ele se mudou para Brasília.
Certo dia, os dois se encontraram, por acaso, no centro de Teresina. Roberto conseguira sua remoção funcional para esta cidade. Casara e tinha dois filhos adolescentes. Conversaram bastante, colocando os assuntos em dia. A emoção foi grande. Encontravam-se com certa frequência nos eventos culturais. Gostavam de estar próximos. A amizade retornou com força total, como se nunca tivesse sofrido solução de continuidade. Se olhavam, se admiravam, se tocavam, como por acaso, mas não passavam disso. Roberto, conquanto fosse ousado em certas coisas, mormente como intelectual, sempre fora um tanto tímido para iniciar um relacionamento. Certo dia em que Suzana estava com seu carro no conserto, Roberto foi deixá-la em seu apartamento, após um evento literário, que terminara por volta das 21 horas. Suzana o convidou a subir, sob o pretexto de que queria lhe mostrar o apartamento e umas produções literárias. Tomaram uns cálices de vinho e se olharam ternamente, mas não se tocaram. Apenas, na saída, Roberto lhe beijou a face, como já fizera algumas vezes; só que nesse dia as bocas quase se tocaram. Cerca de um mês depois, voltaram a se encontrar num lançamento de livro. Suzana perguntou-lhe se poderia visitá-la no sábado seguinte, pois tinha algo a lhe revelar. Roberto ficou curioso, mas não pediu que ela lhe adiantasse o tema da conversa. Contudo, ficou bastante ansioso, e louco para que o tempo apressasse seus passos imutáveis. Na hora marcada, bateu à porta da amiga. Ela lhe disse que entraria diretamente no mérito de sua conversa, embora pedindo desculpas pela forma franca como o faria. Falou que se conservara solteira, embora tivesse tido alguns namoros; que já estava com 41 anos de idade; que tinha independência financeira. Contudo, algo importante lhe faltava: um filho. Tinha uma cadelinha que lhe amenizava a solidão, que lhe alegrava os dias, mas ansiava por ter um filho. Disse que poderia tentar conceber um de proveta, mas esse método tinha dois inconvenientes que lhe desagradavam: poderiam vir vários filhos, de uma só vez, e não tinha o contato físico e afetivo entre o pai e a mãe. Por outro lado, não gostaria de que seu filho soubesse que fora gerado numa proveta, mas sim que fora um filho desejado e amado, desde o primeiro instante, e que fora concebido em seu ventre. Acrescentou que não gostaria de arranjar um simples “reprodutor” para ter uma “produção independente”. Gostaria que o pai fosse uma pessoa conhecida, da sua estima e admiração. Entretanto, seu nome jamais seria revelado. Não precisava de que ele colaborasse com nada na criação do filho, especialmente com dinheiro. Toda essa conversa foi desfiada lentamente, entre generosos cálices de vinho. Também disse que não desejava nenhum relacionamento amoroso. Devido sua idade, faria um tratamento de fertilização com um colega famoso, no intuito de que a concepção pudesse acontecer na primeira relação sexual. Deixou passar algum tempo, sondando que efeitos suas palavras e o vinho estariam provocando em Roberto. Este se mostrou ouvinte atento, amável, solidário e compreensivo, e achou justo o que ela pretendia. Ela disse que o acasalamento deveria acontecer no próximo mês, no seu período fértil. A parte mais delicada da conversa foi no final, quando ela perguntou ao Roberto se ele poderia ser o seu parceiro nessa empreitada em busca da sonhada maternidade. O homem era cauto, mas não casto. Com muito gosto aceitou a missão, embora muito ciente de que seria uma espécia de vítima de uma viúva negra; afinal, não teria outra oportunidade de desfrutar do mel de sua abelha rainha, porquanto sua metáfora jamais admitiria o termo aranha. Suzana ficou de lhe dizer o dia do planejado acasalamento. Porém, o homem propõe ou põe e Deus dispõe. A concepção não se deu na primeira relação. Suzana continuou com o tratamento de fertilidade. A segunda e a terceira tentativas também foram infrutíferas. Embora, conforme o combinado, as relações devessem ter o único objetivo de gerar uma criança, sem maiores efusões sentimentais, as coisas tomaram um rumo inesperado, ou, talvez, esperado. Os parceiros se mostraram excessivamente entusiasmados e fervorosos. A pretexto de que quanto mais relações tivessem mais chances Suzana teria de engravidar, os encontros começaram a amiudar, a se tornar cada vez mais frequentes, cheios de frenesi. Todavia, a planejada criança não dava sinal de vida. Parecia ter-se enleado em alguma filigrana do éter. Quando finalmente Suzana engravidou, Roberto já era seu amante mais que constante. E fora o homem que lhe extirpara a virgindade, até então muito bem preservada, apesar das dúvidas que existiam na cabeça de suas amigas.