Das surpresas do mundo da técnica I
Em: 22/02/2021, às 00H33
[Dílson Lages Monteiro]
Como a técnica nos surpreende com sua rapidez de provocar êxtases e apagamentos. As locadoras, há bem pouco tempo, nos fizeram crer que o cinema estaria dentro de nossos lares, que escolheríamos ao que assistir, a hora de assistir... numa tendência crescente que resultaria, décadas depois, em públicos específicos, em seus canais de assinatura.
O vídeo-cassete, não faz muito, enfeitava vitrines. Em casa, em torno dele, a família ria, assustava-se, transportava-se para o interior das telas, silenciando a hora presente. Aventura, humor, fantasia. Acumulava-se no interior dos lares o consumo de um mundo em fitas e fins de semana cujo sentido da casa estava para o afeto de compartilhar as emoções de grandes criações do cinema. Tantas para comportar numa reles crônica de memórias em pedaços.
Assim as locadoras iam se transformando também em espaço de descobertas de estilos de filmes. Davam-nos uma visão do conjunto do que se produzia em matéria de cinema. Mesmo os menos afeitos a ele, diante da regularidade do contato com o conjunto de produções cinematográficas em exposição, acabavam de algum modo por refletir sobre cores, luzes e ações em fotografias em movimento... Locadoras de filmes eram como grandes bibliotecas de páginas imaginárias... até que a internet tomasse o seu lugar em definitivo.
Logo, na periferia das cidades, o fenômeno das locadoras de jogos, com espaço para a disputa no próprio lugar da locação, encontrou no aperfeiçoamento do modelo do aluguel de filmes uma forma de negócio ainda mais absorvente. E viciante, especialmente, para os mais jovens. Jogar é parte da vida. O próprio desafio de superar cada dia, em seus momentos de instabilidades e circunstâncias, recompensa as vivências com o sabor das memórias. A lembrança, esse tipo especial de concretização do tempo, vai tornando nosso fio de células em permanente recapitulação de episódios vividos ou projetando os sonhos que nos movimentam.
Processo semelhante nós acompanhamos com o fenômeno das lan houses. Por traz delas, de sua aparente viabilidade de negócio, uma sadia forma de democratização de múltiplas linguagens. De Múltiplos serviços. Num só lugar: a impressão, o acesso à internet e, para muita gente tomada pelo imaginário dos jogos, diversão certa. Se as locadoras de vídeo-games substituíram as tevês pelas telas do computador e do celular e se reinventaram, pelo tempo suficiente para que a banda larga e a popularização dos preços de internet assegurassem maior acesso, ainda que limitado, à navegação pela web; igualmente viraram poeira e recordação.
Ficamos aqui a lembrar de tudo que a tecnologia, em especial a da informática, mudou nas últimas três décadas. Matéria para muitas laudas. Supomos que isso tudo é apenas a pequena ponta de um iceberg, para usar de uma metáfora gasta, cuja força do sentido somente o futuro labiríntico e especializado será capaz de revelar em seus fundamentos. Talvez até o que escrevemos já tenha cheiro de pó, bytes e passado.
Dílson Lages Monteiro é autor, entre outros, de O morro da casa-grande (romance).