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Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
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AUGUSTO DOS ANJOS, Eu e outros poemas
CUNHA E SILVA FILHO
Poder-se-iam citar a mancheias as causas das perdas das amizades. Não vou esgotar o tema, principalmente porque este não é objetivo dos comentários que farei neste artigo (crônica, sei lá, chamemos apenas “texto” para ficar ao lado do poeta, tradutor, ensaísta e crítico José Paulo Paes (1926-1998).
Menciono algumas is facilmente me à tona, a que se situa no domínio da política, da literatura e mera convivência social, a que pode estar no condomínio de um prédio, no açougue, na loja, na banca de jornal, no trabalho, na família, entre familiares, nas instituições culturais, nos clubes nas academias de letras e assim por diante.
Vejamos a primeira, que é muito comum em nosso pais e desde tempos bem recuados quando, numa cidade do interior, dois partidos dividem as ambições de assumir a liderança política local. Inúmeros são os desdobramentos que de ordinário surgem em meio às refregas: as famílias da situação e as da oposição se tornam inimigas, por vezes chegam às vias de fato, por vezes cometem desatinos entre si e até ao extremo de cometer atos in desejáveis, como crimes.
No campo amoroso, membros das famílias não podem namorar outros cujos pais lhe são desafetos políticos. Daí pode ressurgir, em alguns casos, tragédia do tipo Romeu e Julieta, de William Shakespeare (1564-1616). Nos anos 1920, 1930, 1940 1950, só para dar um recorte no tempo, eram comuns familiares se tornarem inimigas quando seus membros escolhiam seguir a carreira política e se candidatavam a cargos eletivos, prefeitos, deputados, vereadores. A política no interior desse mesmo país, pelo menos antigamente, assim me contava meu pai, começava a ser assunto mesmo entre crianças, de adolescente, os quais discutiam suas posições, naturalmente influenciados pelos adultos.
Para espíritos muito inclinados à política militante, não necessariamente aquela voltada para exercer mandatos, e meu pai era um exemplo disso, o fato era bem observado pelos adultos.
Uma tia-avó materna, a Aurora Cunha e Silva, há muito falecida, a quem chamávamos carinhosamente de tia Lolosa, professora primária muito respeitada na época em que lecionou em Amarante, PI, e em Teresina, certa feita me fez um comentário: “Não sei, Francisco, como você não é chegado à política, seu pai foi, desde bem jovem, tão interessado por política, e você não me parece gostar da discussão política”
Razão tinha ela, pois meu pai foi tão um jornalista visceralmente político a vida inteira. Olhei para ela e apenas lhe sorri, sem lhe dar uma resposta nem lhe apresentar argumento algum.
Isso ficou na minha cabeça por muito tempo. Só com a maturidade me veio o interesse político, não para ingressar na política, mas como campo de análise, de discussão, de reflexões que me levaram logo a escrever sobre assuntos, os quais não eram estreitamente de cunho político, no sentido técnico, de aprofundamento nas questões fundamentais da vida política nacional, contudo estavam muito intimamente conexionados com ela.Ou seja, os problemas que diziam respeito à vida do brasileiro, da nossa sociedade começaram a me chamar a atenção e se tornar até temas recorrentes meus, o mesmo se estendendo para a situação do mundo político internacional, que passou a ser objeto de minhas discussões em jornais do Piauí e, depois, em meu blog “As ideias no tempo,” sempre que afetavam as condições injustas vividas por países tanto das Américas quanto do mundo em geral.
Em resumo, a opção minha de estimar o debate político visando à defesa de minhas ideias e posições me custou a perda de amizades que supostamente pensava que fossem verdadeiras, visto que, quando são genuínas, profundas, elas não se acabam meramente por motivos ideológicos, os quais – com somos tolos! - não vão beneficiar nem a mim nem as minhas amizades perdidas.
O único beneficiário das polêmicas entre contendores é o próprio sistema dominante ou a oposição, ambos, ao contrário dos humildes discutidores de política, ao final e ao cabo, só lucrando com isso, ao receberem seus votos. Os briguentos – cá no espaço anônimo e terra-a-terra – de lucros só tiveram prejuízos e a perda da amizade. Confuso mundo o nosso.
Na perda da amizade por motivações literárias, o país tem uma longa tradição, sobretudo nos anos 1940, período em que pipocaram inúmeras combates nos jornais, muito acirrados dividindo escritores a favor ou contra determinadas práticas de visões literários. O mais célebre, a meu ver, foi o travada entre o crítico Álvaro Lins (1912-1970) e o crítico Afrânio Coutinho (1911-2000), ambos com propostas de militância na crítica inteiramente diferentes, o que redundou em discussões violentas entre eles, sobretudo da parte de Afrânio Coutinho, espírito mais apaixonado pelos seus ideário de abordagem do fenômeno literário, sobretudo porque Coutinho almejava atingir um alvo: o de desalojar da liderança da crítica de rodapé o famoso autor deOs mortos de sobrecasaca(1963)
Em várias obras, debatendo os seus pontos de vista no tocante à judicatura crítica, Coutinho defendia a crítica universitária, através da qual os estudos literários poderiam encontrar o seulocus principal de desenvolvimento e de atualização dos estudos literários entre nós. Afrânio Coutinho saiu, de certa maneira, vencedor; Álvaro Lins, desgostoso, foi aos poucos se afastando dos meios literários, inclusive da Academia Brasileira de Letras de que era ilustre membro. Para ainda piorar sua vida de escritor, ainda morreu antes de completar sessenta anos. A polêmica entre os dois foi o núcleo central de minha pesquisa de pós-doutorado na UFRJ concluída em 2014.
Mesmo tendo pessoalmente me envolvido em curta polêmica no Piauí, deploro certos arroubos das polêmicas sobretudo um lado que reputo deplorávael: os ressentimentos que deixam marcas e que, a meu ver, só prejudicam o conjunto da vida literária entre pessoas que, de outra forma, poderiam até, quem sabe, terem feito boas amizades a fim de tocar a marcha dos estudos da literatura em nosso país. Para a literatura, sobretudo quando entram em jogo a objetividade e seriedade da vida acadêmica, o uso das citações bibliográficas tendem a subtrair as obras de nossos inimigos no campo teórico e vice-versa, o que é uma perda e um desserviço à mentalidade imparcial que deve presidir o trabalho acadêmico. Essa situação assim criada se me afigura uma violência, espécie de tácita e desonesta obnubilação do espírito científico na investigação acadêmica. Espécie, em suma, de crime capital que ainda grassa no meio intelectual e universitário brasileiro.
Quanto às inimizades convencionais que possamos ter ao longo da vida, elas também não trazem nenhuma vantagem a nenhuma das partes, malgrado reconheçamos que algumas delas devam se manter no ponto em que as deixamos por absoluta incompatibilidade entre as partes. Outra podem ser refeitas, dependendo dos condicionamentos que as geraram, os quais, podem, de repente, por uma circunstância ou outra, se reabilitarem.
Porém, é muito pouco provável que haja reconciliações entre as pessoas, dado que o ser humano é imprevisível, rancoroso, preferindo não abrir a guarda, a qual seria a possibilidade da volta da amizade. Repito: é quase impossível que as amizades perdidas refaçam o caminho da volta, tão necessário à vida em sociedade, à vida comunitária. A realidade, todavia, é outra e nada tem a ver com as nossas específicas subjetividades tão arraigadas estão ao nosso universo afetivo interior ultrajado.