Da sombra do vento ao adejar dos urubus
Em: 19/08/2017, às 16H11
ROGEL SAMUEL
Em “Capoeira de espinhos”, Dílson Lages criou um gênero – fundiu conto, crônica, novela – construiu um texto – suas memórias ficcionais. O personagem percorre as ruas de seu passado em passos tristes, misturando fatos de um passado com as “modernidades” presentes, como no carrinho de Chico Laranjeira que vendia melancias e CDs.
Tudo mudado, tudo estragado pelos seus olhos desgastados de velho. Não mais as andorinhas do céu. O tempo morto, a vida morta, o relógio de pulso se quebra, é a morte.
Há uma frase que se repete: “Quanto tempo ainda tenho?” – o livro todo é uma reflexão sobre a morte, sobre a decadência dos objetos, dos seres, das casas. O relógio roda, por horas, cada vez menos tempo de vida, cada segundo é a vida que retrocede, menor, menor, gira assim para trás, marcando o seu fim, - no fim o relógio se quebra, no chão - e a Pomba Gira, nas ruas de Aldeia Viva (aldeia morta), fabricando vento, a sombra do vento, no vermelho de suas saias, sem nome, sem destino, ou Chico Laranjeira, vendendo melancias e CDs – os CDs dos escândalos.
Apesar de poucas ruas, a cidade parece enorme. Dali até as margens do Marataoã, o tempo para, o som dos ventos, tudo passa em bicicletas, em Monaretas, em sonhos.
Outro motivo constante é uma estranha colher de pedreiro, que atua como a de um coveiro do tempo. Aldeia Viva não é mais que morta, uma espera da morte, como um cemitério. Pois a cidade está poluída de fofocas, de mentiras, de histórias que são arapucas, conflitos, maledicências, esquecimentos, de cochichos por trás dos muros. O personagem, o professor Constantino, um velho aposentado, sente-se hostilizado pelos muros das casas e calçadas, pelas janelas fechadas, pela falta de seu passado, pela decadência moral daquela vila, pela incerteza do futuro, como nos versos do Poeta Caçador:
“A mentira, a calúnia, a infâmia, o embate, / A vil maledicência, a impudicía / a fraude...”
Nas últimas linhas de seu dizer: “Quanto tempo ainda tinha?” [...] “Procurei as andorinhas no céu. Urubus, urubus.”
Rogel Samuel é romancista, crítico literário e prof. aposentado do Departamento de Pós-Graduação da UFRJ.
SAIBA MAIS SOBRE A OBRA:
Ouça entrevista do autor, ao Programa Autores e Livros, comandado por Margarida Patriota na Rádio Senado.
Assista à entrevista de Dílson Lages sobre Capoeira de Espinhos para o Portal GP1, de Teresina
Entrevista a Octávio César, apresentador do Sarau 16, na TV Assembleia do Piauí:
Veja como foi o lançamento da obra:
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