Da necessidade do estímulo e do reconhecimento na literatura
Por Cunha e Silva Filho Em: 24/06/2021, às 22H10
Da necessidade do estímulo e do reconhecimento na literatura
Cunha e Silva Filho
Há um conhecido e admirado compositor de nossa música popular, Nelson Cavaquinho (1911-1986) o qual costumava dizer que, se alguém quisesse homenageá-lo, que o fizesse enquanto vivo fosse. Disso está bem seguro e pimpão o ex-presidente José Sarney, que tem, no Maranhão, busto, estátua ou algo parecido.
No entanto, seria preciso fazer uma distinção entre os que merecem o reconhecimento pelo seu valor intrínseco (artístico, cultural, científico, religioso, humanitário etc.) e os que apenas são homenageados por razões subalternas concedidas por áulicos, por agremiações oficiais, por deferências nem sempre meritórias, como amiúde se vê pelo país e mundo afora.
No segundo caso, nada pior que engrandeçamos o homenageado sem valor algum. Tais homenagens imerecidas equivalem a favas mortas, areia em deserto estéril.
Limitemos o alcance deste artigo ao campo da literatura. É nesse universo que talvez se cometam as mais graves injustiças. Nas histórias da literatura brasileira que conhecemos, dificilmente o historiador não comete crassas omissões, sobretudo ao selecionar o corpus de autores que irão figurar no seu trabalho.
Neste sentido, como dificuldades só têm paralelo na organização das antologias poéticas ou ficcionais. Reconheço a complexidade da tarefa, espinhosa e com tendência ao erro da omissão, sobretudo quando o historiador não se deu ao beneditino trabalho de olhar para fora do eixo Rio - São Paulo.
Como, numa pesquisa, selecionar, com segurança e objetividade, um autor que mereça ter um valor nacional? Esta pesquisa, se não por conduzida com muito cuidado e imparcialidade crítica, pode levar o historiador às relativizações mencionadas, incluindo automática e imerecidamente alguns nomes ou levar o historiador a desistir de seu trabalho nessa direção, preferindo, ao contrário, se acomodar aos nomes há tempos consagrados no cânone nacional.
Cada vez mais, reconheço ser este o nó que deve ser criteriosamente desatado na pesquisa do historiador. Não estou solicitando que ele vá enfileirando a esmo nomes de autores sobre os quais não detém um conhecimento de leitura mais profunda.
A este impasse, avento uma saída: por que, primeiro não conhecer os mais representativos autores regionais e, em seguida, filtrar realmente aqueles que não podem permanecer sempre na condição de mérito apenas regional, quando há muito tempo deviam estar incluídos no cânone nacional.
Para isso, há sempre fontes de histórias da literatura dos estados brasileiros, nas quais o historiador escrupuloso pode “descobrir” grandes talentos com boa produção local e que são conhecidos apenas no restrito grupo de intelectuais de cada região brasileira.
A inclusão ou exclusão de nomes de autores em todos os gêneros literários não pode ser um mero capricho do pesquisador que vai atender a apelos não rigorosamente de valorização estética mas de amizades fortuitas, ou motivado por questões que se situam fora do estritamente artístico.
A historiografia literária no país, sem exceção - gostaria de adiantar -, tem cometido injustificáveis omissões, inclusive senões de natureza periodológica em todos os tempos da nossa produção literária. Na contemporaneidade, onde é imensa a safra de novos autores, a dificuldade ainda pode ser bem maior.
Arrisco a afirmar que, não futuro, graças aos benefícios trazidos pela informática, histórias literárias serão escritas em grandes unidades periodológicas equivalentes a uma bem acabada história literária nos moldes que atualmente conhecemos. Ou seja, abrangendo todos os períodos literários conhecidos, mas escritas - e aqui residem uma das lacunas em obras desta natureza - , num único volume, como a de Alfredo Bosi (1936-2021)
As sínteses são bem-vindas, porém são insuficientes. Alguém pode argumentar: mas já existem algumas histórias da literatura brasileira, nos parâmetros das que conhecemos, como - diria - a pioneira, Curso de literatura portuguesa e brasileira (1866-1873), tomos IV e V de Francisco Sotero dos Reis; Vale lembrar, outrossim, o interessante capítulo "Literatura brasileira contemporânea,p.187-233, do livro Locubrações, de Antônio Henriques Leal, editado pela Livraria Popular de Magalhães & C.ª, editores Proprietários, 23 Largo 23, Largo do Palácio, 1874, assinalando local e data ao final do estudo: "Lisboa, 24 de maio de 1870,"
Por sinal, Alfredo Bosi, por engano, afirmou, na sua valiosa História concisa da literatura brasileira (38ª ed. São Paulo: Cultrix , p. 135), que Antônio Henriques Leal era português, inclusive acoimando-o, junto com Pinheiro Chagas e Antônio Feliciano de Castilho de"...zoilos portugueses.. ." Não sei, todavia, com certeza, até onde essa crítica negativa de Bosi em relação a esses três autores seja plausível.
Henriques Leal, conforme se vê na página de rosto da referida obra, foi "Doutor em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, comendador da Imperial Ordem da Rosa, Membro do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Brasil e da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa," bem como de outras entidades científico-culturais.
Convém registrar ainda que a mencionada obra se ocupa de temas literários sob a rubrica "Letras", a qual forma a segunda parte, sendo que a primeira parte tem por título "Ciências." a de Podem ser citar ainda, no tocante à relação de nossas histórias literárias, as seguintes: Ronald de Carvalho, Pequena história da literatura brasileira (1919); Noções de História da literatura brasileira (1931), de Afrânio Peixoto; História da literatura brasileira (1939); de Bezerra de Freitas; de Antonio Candido, com a sua notável obra Formação da literatura brasileira (1959), em dois volumes; Introdução à literatura brasileira (1956), de Alceu Amoroso Lima, Quadro sintético da literatura brasileira ( 1964, Edições de Ouro), de Alceu Amoroso Lima, mais conhecido pelo seu pseudônimo literário, Tristão de Athayde); a de José Aderaldo Castello com Antonio Candido (1965); A História da literatura brasileira, de Massaud Moisés (1928-2018), escrita em três volumes só por ele; a História da literatura brasileira, de Sílvio Castro (coletiva, em três volumes); A magnífica Introdução à literatura brasileira (1959), de Afrânio Coutinho (1911-2000). Essa obra foi contemplada com uma tradução para o inglês (An introduction to Literature in Brazil, 1969), de Gregory Rabassa (Columbia University Press, 1969), a Literatura no Brasil (1955-1959), em 4 volumes, introdução e organização de Afrânio Coutinho; História da literatura brasileira, de Antônio Soares Amora (1955); História da inteligência brasileira(), de Wilson Martins, em sete volumes e escrita unicamente pelo autor; História da literatura brasileira, de Nelson Werneck Sodré, com fundamentação marxista; História breve da literatura brasileira (1939), de José Osório de Oliveira; A literatura do Brasil colonial, de Sergio D.T. de Macedo; De Anchieta aos concretistas, de Mário Faustino; História crítica da literatura do Brasil (1973), de Assis Brasil, em 4 volumes; De Anchieta a Euclides, de José Guilherme Merquior (1996, 3 ed., da Topbooks)); Literatura del Brasil, de Lydia Besouchet y Newton Freitas (1946, edição em espanhol); Brazilian literature – an outline (1945,New York, The Macmillian Company, texto em inglês, ), de Érico Veríssimo; História da literatura brasileira, de Luciana Stegagno-Picchio ( autora italiana).; Literatura brasileira - dos primeiros cronistas aos últimos românticos, 2 ed, revista e aumentada, 2002), de Luiz Roncari Carlos Nejar, História da literatura brasileira (2007) em dois volumes.
A propósito, sobre a citada obra de Érico Veríssimo e a de Carlos Nejar, resenhei. ambas.(Veja na minha coluna “Letra Viva” do site “Entretextos” e também no meu Blog “As ideias no tempo”).
Claro, na atualidade, todas essas histórias literárias, se encontram incompletas, até o momento, além de incompletas na sua amplitude relativa a novos e jovens autores.
A par disso, na maioria, essas histórias literárias repetem sempre conhecidos cânones, os que alhures chamei, imitando a alguém, de "happy few."
Recorde-se, a propósito, que, no passado menos remoto, podemos contar com os historiadores Sílvio Romero (1851-1914) e José Veríssimo (1857-1916) publicaram importantes histórias da literatura brasileira; de certa forma, por não haver escrito uma outra história da literatura brasileira, não se pode esquecer o grande crítico Araripe Júnior (1848-1911) , com seus estudos primoroso sobre Gregório de Matos, José de Alencar e Raul Pompeia.
As visões e os métodos de elaboração de pesquisas não são tão velhos assim como parecem. Um estudo de literatura comparada entre eles em relação aos contemporâneos nos mostraria fecundos ensinamentos e diferenças qualitativas a serem levadas em conta por ensaístas e críticos da atualidade.
O comparativismo em estudos desta natureza só faria aprofundar o espectro do entendimento desse rico legado de nossos antigos historiadores literários ou estudiosos da vida literária brasileira, que tem exemples paradigmáticos de alta relevância com o que escreveu Brito Broca. (1903-1961)) Sem dúvida, ambos esses campos em pesquisas de literatura brasileira me parecem fascinantes
Os novos tempos apenas as alteraram e as ajustaram às necessidades presentes. As divisões periodológicas, como as formuladas por Afrânio Coutinho na sua bem conhecida Introdução à literatura brasileira, já citada linhas atrás, se adaptadas aos nossos tempos, podem ser aprofundadas e quantitativamente aumentadas no que concerne a nomes de autores de alto nível literário que, até agora, se encontram em situação de estagnados em termos de reconhecimento e visões nacionais.
As omissões igualmente são patentes com respeito ao nosso patrimônio cultural. O poeta maranhense, Joaquim de Sousa Andrade (1832-1902), Sousândrade, não é nossa única e grandiosa “descoberta”.
Vejo que, em futuro próximo, na área de letras, haverá necessidade de maior especialização de professores e pesquisadores para determinado período literário, não se permitido, no entanto, que a sua formação geral seja negligenciada. Ao contrário, deverá ser sólida em todo o seu percurso histórico a fim de que não se perca o elo com o legado do passado, impedindo que eles desconheçam o conjunto geral de nossa história literária. É que a fragmentação em períodos, segundo se tem visto nos currículos da formação acadêmica do aluno de letras, só será consistente se ao aluno for oferecida uma visão abrangente da periodologia literária.
Sem esta o conhecimento mais profundo do especialista ficará comprometido e hipertrofiado dada a insuficiência do conhecimento geral de nossa produção literária, notadamente desde a fase de formação da literatura brasileira até à fase um tanto difusa do que se convencionou chamar de contemporaneidade - período literário-histórico que, pela imensidade de autores e de diferentes rumos temáticos e formais por que tem passado o fenômeno literário, nos seus dois eixos maiores, a poesia e a ficção, se tornou, assim, muito mais complexo.
Nota ao leitor: O texto acima foi revisado por força de o autor desejar verem sanadas, algumas imperfeições de digitação e de estrutura conceitual de alguns parágrafos.