Cunha e Silva Filho

 

                     Há um conhecido e admirado compositor de nossa música popular, Nelson Cavaquinho ( 1911-1986), que costumava dizer que, se alguém quisesse homenageá-lo, que o fizesse enquanto vivo fosse. Disso está bem seguro e pimpão o ex-presidente José Sarney, que tem, no Maranhão, busto, estátua ou algo parecido. No entanto, seria preciso fazer uma distinção entre os que merecem o reconhecimento pelo seu valor intrínseco (artístico, cultural, científico, religioso, humanitário etc) e os que o recebem apenas por razões subalternas concedidas por áulicos, por agremiações oficiais, por deferências nem sempre meritórias, como amiúde se vê pelo país e mundo afora. No segundo caso, nada acrescentam que engrandeçam o homenageado. São favas    mortas,  areia em deserto estéril.
                    Limitemos o alcance deste artigo ao campo da literatura. É nesse universo que talvez se cometam as mais graves injustiças. Nas histórias da literatura brasileira que conhecemos, dificilmente o historiador não comete crassas omissões, sobretudo ao selecionar o corpus de autores que irão figurar no seu trabalho. Neste sentido, as dificuldades só têm paralelo na organização das antologias poéticas ou ficcionais. Reconheço a complexidade da tarefa, espinhosa e tendente ao erro da omissão, sobretudo quando o historiador não se deu ao beneditino trabalho de olhar para fora do eixo Rio-São Paulo. Como, numa pesquisa,  selecionar com segurança e objetividade autores que mereçam  ter um reconhecimento  nacional?  Esta pesquisa, se não for conduzida com muito cuidado e imparciallidade crítica, pode levar a relativizaçoes estimativas, incluindo autores imerecidamente ou levar  o historiador a desistir de seu trabalho nessa direção, preferindo, ao contrario, se acomodar aos nomes há tempos  consagrados n o cânone nacional               

              Cada vez mais, reconheço ser este o nó que deve ser criteriosamente desatado na pesquisa do historiador. Não estou pedindo que ele vá enfileirando a esmo nomes de autores sobre os quais não detêm um conhecimento de leitura mais profunda . A este impasse, avento uma saída: por que, primeiro não conhecer os mais representativos autores regionais e, em seguida, filtrar realmente aqueles que não podem permanecer sempre na condição de mérito apenas regional, quando há muito tempo deviam estar incluídos no cânone nacional.

             Para isso, há sempre fontes de histórias da literatura dos estados brasileiros, nas quais o historiador escrupuloso pode “descobrir” grandes talentos com boa produção local e que são conhecidos apenas no restrito grupo de intelectuais de cada região brasileira. A inclusão ou exclusão de nomes de autores em todos os gêneros literários não pode ser um mero capricho do pesquisador, que vai atender a apelos não rigorosamente de valorização estetica mas de amizades fortuitas, ou motivado por questões que se situam fora do estritamente artístico.
                 A historiografia literária no país, sem exceções, gostaria de adiantar, tem cometido injustificáveis omissões e erros de avaliações de autores em todos os tempos da nossa produção literária. Na contemporaneidade, onde é imensa a safra de novos autores, a dificuldade ainda pode  ser bem maior. Arrisco a afirmar que, no futuro, graças aos benefícios trazidos pela informática, as histórias literárias serão escritas em grandes unidades periodológicas equivalentes a uma bem acabada história literária nos moldes das que atualmente conhecemos, i.e., abrangendo todos os períodos literários conhecidos, mas escritas - e aqui reside uma das lacunas em obras   desta natureza   - ,   num só volume, como a de Alfredo Bosi. ou algumas   outras. As sínteses são bem-vindas, porém são insuficientes no seu alcance.          

                  Alguém poderá argumentar: mas já existem umas poucas histórias literárias   mais ou menos  nos parâmetros que  sugeri atrás, ou seja,    por exemplo, a  de Massaud Moisés.( escrita em três volumes só por ele), a de Sílvio Castro (coletiva) e a mais antiga,  a de Afrânio Coutinho, também coletiva.  Claro, existem na atualidade  essas histórias  literárias, porém incompletas, não atualizadas até o momento, além de incompletas na sua amplitude  relativa a novos e jovens  autores. Além disso,  na maioria  repetem sempre conhecidos cânones, o que alhures chamei, imitando alguém,  de happy few.    Recorde-se que, no passado, Sílvio Romero (1851-19140 e José Veríssimo (1857-1916) - sozinhos -  já haviam publicado sus histórias da literatura brasileira em vários volumes. As visões e os métodos de elaboração de pesquisas resultantes  em obras  não são tão velhos  assim como parecem. Os novos tmepos  apenas  alteram e se ajustam às necessidades do presente.        

                As divisões periodológicas, segundo  as que propôs Afrânio Coutinho (1911-2000), adaptadas aos nossos tempos, poderão ser aprofundadas e quantitativamente aumentadas no que concerne a nomes de autores de alto nível literário, que até agora se encontram em situação de estagnados em termos de reconhecimento e visibilidade nacionais. Em razão do enorme estoque de autores de primeira plana, mais se justificaria uma mudança, uma necessária atualização do corpus de autores. Essa lacuna precisa ser preenchida sob pena de incidirmos em imperdoáveis omissões de nosso patrimônio cultural, inclusive no que se refere ao passado. O poeta maranhense, Joaquim de Sousa Andrade( 1832-1902), Sousândrade, não é nossa única e grandiosa “descoberta”.
              Vejo que, em futuro próximo, na área de letras, haverá necessidade de maior especialização de professores e pesquisadores em determinado período literário, não se permitindo, no entanto, é evidente, na sua formação geral, que deve ser sólida, que eles desconheçam o conjunto geral de nossa história literária. É que a fragmentação de períodos só terá a aproveitar com o conhecimento mais profundo do especialista, notadamente desde o Modernismo de 22 até o período um tanto difuso do que se convencionou chamar contemporaneidade – período histórico-literário que, pela imensidade de autores e de diferentes rumos temáticos e formais por que tem passado o fenômeno literário, nos seus dois eixos maiores, a poesia e a ficção, se torna, assim,  muito mais complexo.
 

 Nota ao lelitor: Revisei o texto acima  por razões de erros de digitação e de melhoria  da  estrutura conceitual  de alguns parágrafos,