Cristóvão Tezza
Em: 12/11/2009, às 11H02
Cristóvão Tezza
O que está acontecendo com a literatura brasileira? Explico: nunca antes nesse país, como diria Lula, houve tantos eventos literários. Além da Feira de Livros de Porto Alegre, já com mais de 50 anos, e das bienais do Rio e de São Paulo, foram se acrescentando a FLIP, Festa Literária de Paraty; o Fórum das Letras de Ouro Preto; o Festival da Mantiqueira, em São Paulo, estado que também conta com feiras importantes em Ribeirão Preto e São José do Rio Preto; a Jornada Literária de Passo Fundo; a Fliporto, Festa Literária de Porto de Galinhas, em Pernambuco, de onde escrevo agora, e a Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém, para onde vou em seguida. Além desses eventos, acrescentam-se um sem-número de encontros literários pelo Brasil afora, de maneira que, se convidado a tudo, um escritor teria do que se ocupar a cada 15 dias.
Mas o melhor é que, nessa área, finalmente, ninguém mais trabalha de graça. Se antes o padrão era contar com a generosidade automática do sempre esquecido escritor, sempre ávido por uma migalha de espaço, hoje não se convida mais ninguém sem a informação do pagamento, para dizer às claras o que o pudor do beletrismo, tradicionalmente encastelado no suave sacerdócio da vaidade, preferia ocultar. Nos tempos de antanho, fazia-se um favor a quem escreve; hoje, ao contrário, o livro se transformou (também) num grande negócio – de retorno tanto comercial quanto institucional (aqui pela via da renúncia fiscal que em última instância viabiliza os eventos), e o autor é parte fundamental da equação. São boas notícias para escritores que, como os da minha geração, comeram o pão que o diabo amassou nas décadas de 80 e 90, no mundo pré-internet, quando não havia alternativa nenhuma para a circulação da literatura além do pouco espaço nos jornais.
Entretanto – e agora vai o paradoxo – a literatura brasileira, como um conjunto articulado de obras, de fato não existe no exterior (é simples assim, se queremos ver as coisas com realismo) e tende a sofrer uma dura e crescente irrelevância no cenário brasileiro. A sua proteção nesta rede de eventos que procura valorizá-la, fazendo dos escribas “notícia”, acaba esmagada pelo universo avassalador da cultura de massa que enche as listas de mais vendidos. O que é outra discussão, envolvendo muitos fatores cruzados e complexos. Por exemplo: o aumento do consumo de livros no país vem ocorrendo por uma via não literária, de leitores interessados em manuais de sobrevivência e não em ficção ou arte; o advento da internet (que revalorizou a palavra escrita depois da era ágrafa da televisão) descentralizou as tradicionais fontes de informação; o aparente divórcio entre a produção corrente no país e o seu leitor, e, enfim, a queda do peso relativo da literatura no cenário mundial dos livros. Enfim – é muito assunto para uma crônica só.