Cunha e Silva Filho

                                                                                           Para Francisco da Cunha e Silva Neto


                Nem todas as notícias de crime me chegam ao conhecimento, mas o Rio de Janeiro recentemente foi mais uma vez palco de duas brutalidades inomináveis. Uma na zona oeste, quando um micro-ônibus foi atacado com pedras na vidraça do pára-brisas, nas proximidades da Cidade de Deus, uma favela de proporções gigantescas que tem servido, de resto, para estudos antropológicos e nela se implantou a chamada policia pacificadora do atual governo. Ao abordarem o micro-ônibus, o motorista, em estado de choque, se viu obrigado a parar o veiculo, bandidos lançaram gasolina e , em seguida, atearam fogo no coletivo que logo ia virando uma labareda.

                 A triste circunstância, porém, foi a de que o veículo estava com passageiros. A rapidez das chamas impediu que os passageiros saíssem incólumes do carro. Ao invés disso, saíram queimados, com ferimentos de queimadura de primeiro e segundo graus. Uma ação horripilante, mais se aproximando de um filme de horror. Os feridos, em estado grave, encontram-se, agora, em hospitais. Os facínoras ainda estão soltos. Fala-se que o ato de extrema covardia e monstruosidade foi praticado por traficantes em represália a uma prisão de um de seus comparsas. Esse foi o motivo vil, abjeto, execrável. 
                 O outro ato de barbárie se deu, por sinal, dentro de um ônibus indo para o bairro da Urca. Nele, um trabalhador, um cozinheiro do Instituto Benjamim Constant , estava sentado do lado da janela. Esta estava aberta, deixando entrar o frio de fora e provavelmente a corrente de  ar frio. Um passageiro, que estava em pé, em frente ao cozinheiro, queixou-se de que estava sentindo frio e pediu ou - pode-se deduzir – exigiu que ele fechasse a janela. Foi o bastante para daí haver uma discussão entre os dois que culminou num ato intempestivo levando o passageiro que estava em pé a desferir dois tiros no cozinheiro. Este foi levado para um hospital e lá não suportou os ferimentos, vindo a falecer. Como se vê, foi um crime hediondo, sem justificativa plausível para cometer um homicídio desse porte. Uma pessoa decente, trabalhadora, querida por muita gente que o conhecia, e ainda jovem. Morreu estupidamente por mãos assassinas. Soube que o criminoso era vigilante e tinha quase a mesma idade da vitima.

                Dos dois crimes se pode tirar algumas reflexões sobre a potencialidade que o ser humano tem. Como um vigilante pode andar assim armado, um despreparado, talvez um psicopata, trabalhando como vigilante? Possibilitar o porte de arma a um indivíduo desequilibrado, com é o caso desse criminoso, é uma irresponsabilidade do poder publico. No país, praticamente nada de bom se tem feito não só para selecionar policiais como para recrutar seguranças particulares ou vigilantes com direito a usar arma de fogo. O juízes, os legisladores têm aí uma questão de alto sentido social para tratar com urgência e mesmo severidade nas ações contra criminosos que infestam a cidade do Rio de Janeiro e outros lugares do pais Urge sem delongas modificar e atualizar o Código Penal brasileiro.    

               É fácil argumentar que as penas já existem para vários tipos de delitos da maior gravidade. A primeira alegação parte das surradas razões que invocam as vantagens de se modificar as esferas sociais da educação, da saúde e do desemprego. Isso, contudo, não se aplicaria, diria eu, a crimes hediondos, praticados por malvados, por pervertidos, espíritos com cérebros já estiolados, por indivíduos sem recuperação para voltar ao seio do convívio na sociedade. Para eles a única saída é a prisão perpétua e não penalidades lenientes que, por bom comportamento prisional, são considerados aptos (?) à liberdade. 
              Bom comportamento pode ocultar fingimento, ainda que por um bom tempo, a fim de se beneficiar das brechas da justiça. Nos casos de absoluta prática de crueldade contra alguém, causando-lhe a morte, não pode haver indulgência da ordem pública . As penas têm que ser rigorosas e cumpridas à risca enquanto no país não se utilizar da prisão perpétua ou da pena de morte para indivíduos reconhecidamente perigosos ao convívio normal em sociedade.
            No caso dos traficantes que atearam fogo ao micro-ônibus, ação mais do que suficiente para que os enquadremos com a pena máxima cumprida na sua inteireza de duração segundo a legislação penal atual,ainda vejo um agravante. O tipo de ação criminosa bem poderia ser qualificado como ação “terrorista”, dado que, para a praticar, os facínoras se serviram de inocentes que nada têm com supostos motivos de “vingança”. Nesse ponto, o nosso país já está vivendo uma fase embrionária de uma espécie sui generis de terrorismo, que é diferente do chamado terrorismo internacional cometido por razões religiosas, ideológicas, econômicas ou geopolíticas. 
            O “terrorismo tupiniquim tem conotações diversas, tem motivações mais primitivas, bestiais, mais ligadas a fatores psicopatológicos, casos que melhor seriam tratados no âmbito da psiquiatria Grupos marginalizados que assim agem bestialmente são, em geral, segmentos da escória da sociedade, seres já deformados irremediavelmente para um vida social saudável. O indivíduo pode ser pobre, excluído, despossuído, mas isso não constitui um somatório que o possa levar ao crime e principalmente ao crime com requintes de alta crueldade.
           O que tem feito o poder púbico? Quando pode, prende o criminoso. Quando não o captura, os celerados ficam impunes, aí soltos, prestes a cometer novos altos ignominiosos contra inocentes e desprotegidos. Os seguranças particulares substituíram aquilo que o Estado brasileiro não consegue oferecer ao povo, embora seja pago para isso, uma polícia correta, bem aparelhada, e respeitada pelo cidadão. Nosso país está muito atrasado ainda no que toca à práxis da ação punitiva contra homicidas de todos os naipes. As vítimas vão se multiplicando. Os órfãos sofrem pela perda dos pais assassinados.As viúvas, idem.
             Fico perplexo com o avanço dos estudos jurídicos brasileiros, onde a área de Direito é privilegiada, com mais e mais novos estudiosos que, por sua vez, continuam a publicar obras de  superior qualidade sobre Direito Penal. As ciências jurídicas vivem um verdadeiro boom de publicações e estudos cada vez mais profundos, eruditos e complexos. Mas, há um fosso enorme entre a Lei e o individuo que por ela deveria ser amparado, assim como há um descompasso enorme entre o crime e a impunidade. Falta equilíbrio num caso e noutro.
            A bibliografia no Direito é vastíssima em autores brasileiros. As editoras dessa área vendem cada vez mais. Multiplicaram-se as faculdades de Direito em todo o território nacional. A teoria jurídica vive seu apogeu de produção, mas a pessoa, o cidadão brasileiro muito pouco tem se beneficiado desse apogeu de elevado conhecimento na esfera da jurisprudência. Triste descompasso entre a sofisticação da Lei e o vergonhoso fracasso da sua aplicação no seio da sociedade contemporânea em nosso país.