Cunha e Silva Filho

 

                               Não sei se meus leitores ficaram sabendo de uma Lei Federal, a de Nº 12.605, de 03 de abril de 2012, que dispõe sobre a forma gramatical de, nos diplomas do ensino superior brasileiro, referir-se ao diplomado ou graduado através de desinência de gênero pela troca do morfema –o pelo morfema –a, assim simplesmente e elaborada ao arrepio de fundamentação linguísitca e de respeito à índole da língua portuguesa e de sua formação histórica, ou melhor dizendo, do português brasileiro, sintagma classificatório que, a meu ver, melhor se adapta às modalidades e variantes léxico-prosódicas do português lusitano, matriz primeira da língua portuguesa.
                              Em questões de ortografia e morfologia, não se alteram formas linguísitcas ao bel-prazer de alguém ou de uma autoridade, ainda que essa autoridade seja o/a Presidente da República. O fato me recorda o tempo da Reforma Ortográfica de 1943, quando, por razões de bairrismo, inseriu-se a letra “h” no vocábulo “Baía” para designar o Estado nordestino apenas para se atender a um sentimento de um imortal ilustre da Academia Brasileira de Letras na época em que era dela presidente José Carlos Macedo Soares, signatário do documento “Das Instruções para a Organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Nacional, 12 de agosto de 1943), natural daquele estado.Ora, isso não tem cabimento nem a mínima base científica, porquanto, para designar o natural da Bahia, o  (gentílico) locativo   “baiano,” não se grafa com um “h” epentético.
                             Vejam, leitores, o que com justa razão, para reforçar o que relatei acima, afirmaram sobre esse fato o eminente professor Enéas Martins e Barros e o distinto filólogo e gramático Modesto de Abreu a propósito da Reforma Ortográfica de 1943:

(...) “ Na reforma de 1943, até o bairrismo imperou. Por proposta de um acadêmico baiano, a palavra Bahia manteve o h, contra todos os princípios em que se louvava a citada reforma, para satisfazer um único imortal, como se essas questões secundárias pudessem influir num assunto de fundo científico." (itálicos dos autores. Cf. M. Barros, Enéias e ABREU, Modesto de. Curso de Português. 7 ed. Primeira série,Curso Colegial. São Paulo: Editora do Brasil, 1958, p.154).

                              O que fica evidente é  a sanção de uma Lei que “aprova’ o uso de um erro gramatical para designar os gênero masculino e feminino em substantivos considerados do gênero comum  de dois, cuja forma de designar o masculino deve ser pelo uso do artigo ou adjetivo masculino ou feminino, conforme o caso, como, por exemplo, “motorista,” “dentista”, “presidente’ etc.
                              Entretanto, ao tomar posse na Presidência da República a Sra. Dilma Rousseff fez questão de “ inovar’ o português brasileiro, ao se dar o tratamento de “Presidenta”, enfatizando a flexão feminina em ” -a “ como se fora correto esse uso designativo de sexo para a relevante função pública. Exemplo de “feminismo”? De parecer diferente por ser a primeira mulher brasileira a assumir o mais alto cargo do país? A mim pareceu apenas um mero capricho de exibição de poder da mulher, algo bizarro, sem importância alguma. Quanto à sua entourage, essa se superou no aulicismo, na bajulação palaciana de serem os primeiros a empregar o substantivo no feminino. Felizmente, o jornalismo não aderiu a essa bizarrice infundida de parti-pris de estofo petista.
                            Um tipo de Lei assim é aprovada, não tem repercussão e não me consta que algum estudioso da língua portuguesa tenha feito algum comentário sobre ela. Não é possível que tenham ficado calados os lingüistas, os filólogos e os nossos gramáticos. Não sei tampouco que atitudes tiveram os membros da Academia Brasileira de Filologia ou outras entidades ligadas aos estudos linguísticos e filológicos, tendo à frente a Academia Brasileira de Letras.
                            Conforme li num texto da internet, será que, de agora em diante, teremos gente que, aderindo a essa excrescência de Lei, irá empregar, aproveitando os esquema de abusos contra o nosso idioma cometidos por ignorantes (deputados federais ) dos usos linguístico-gramaticais, substantivos, para designar os dois gêneros no que diz respeito a profissões e formas de tratamento oficiais, em moldes bizarros tais como “o dentisto, a dentista, o oftalmologisto, a oftalmologista, o motoristo, a motorista, ou, quem sabe, o presidento para combinar com a presidenta, conforme ironizou um amigo espirituoso e criativo.. Eu não sabia que o português brasileiro era uma terra de ninguém, um vale-tudo, um samba de crioulo doido.

                            Têm a palavra os gramáticos, os linguistas e os filólogos. O que não se pode continuar é com esse tratamento sem base científica e sem o devido respeito ao uso escrito de nossa língua, agora submetida a humores e caprichos excêntricos e fascistas, interferindo atabalhoadamente em campos de estudos de linguagem dos quais não têm nenhuma formação sólida. Por acaso, foram consultados os especialistas no assunto ou deles foram solicitadas opiniões criteriosas e abalizadas? Creio que não. Daí o absurdo da Lei.Nº 12.603.
                          Pergunto-me: que ideia estapafúrdia é essa de o Congresso decretar e a Presidente sancionar uma lei dessas? Ou, como um amigo me confidenciou: o Governo não tem coisas mais importantes e urgentes a fazer, por exemplo, - acrescento eu -, atender aos gritos das manifestações nas ruas?