CRIME DE ESTADO
Por Cunha e Silva Filho Em: 12/02/2022, às 12H33
SESSÃO NOSTALGIA:
Nota os leitores:
O artigo abaxo faz parte do meu livro
POLIEDRO DE INSÂNIAS
CRIMES DE ESTADO
Cunha e Silva Filho
Na tevê ouço a voz de um repórter informando a tragédia de um filho da Hélade, um senhor aposentado. Nem me dei conta do seu nome. Pouco importa saber desse dado biográfico. É um grego comum, do povo, daquele mesmo tipo de um velho grego que conheci na Vila da Penha, o qual ficava muito contente quando lhe dizia que, num livro (livro emprestado a alguém e não devolvido, ou seja, livro perdido) de linguística de um autor americano, encontrara eu alguns diálogos apresentando de um lado da página conversações em grego moderno com alfabeto latino, tendo da outra metade da página a tradução em inglês. Eram temas do dia a dia.
Mais de uma vez fora à casa dele, conversar e aproveitar para aprender algumas frases básicas, por exemplo, cumprimentos: “Kalimeras sas, Kalisperas sas, kalinikta sas!” Via a alegria estampada no seu semblante toda vez que eu repetia acertadamente a frase em grego. Julgo que chegara ao Brasil no fim da Segunda Guerra e aqui se casou com um brasileira e formara família. Era um homem inteligente, amistoso que sentia orgulho de sua nacionalidade.
Falava português com fluência, mas lhe notava um leve sotaque. Tinha estatura mediana. Estava entrosado com os modos brasileiros e cariocas de viver. Não me lembro de sua profissão. Fizemos uma certa amizade, sem intimidades. Me lembro de um detalhe. Uma de suas filhas fora estudar grego na Faculdade de Letras da UFRJ. Perdi contato com a sua família, Mais tarde, quando não mais morava perto do velho grego, me contaram que ele havia falecido.
Mas, volto ao início desta crônica. O senhor aposentado suicidou-se hoje ou ontem, não sei ao certo, porque lhe subtraíram parte dos salário de aposentado que, segundo ele, lhe deixava, na velhice cansada de anos de trabalho, em condições de penúria. Não sei se tinha família. Porém, é bem provável que a tivesse.
A Grécia, para atender às exigências de ajuda da União Europeia, tem imposto severo aperto financeiro aos cidadãos gregos. O governo determina que os salários da população sejam diminuídos e, absurdamente, estabelece que impostos sejam aumentados assim como o custo de vida. É uma contradição inominável, injusta, criminosa. Não é pelo desejo e culpa do povo que a situação financeira do governo chegou à bancarrota. O endividamento da Grécia, como de outros países que compõem a União Europeia, se deve a razões de gastos excessivos da parte do Estado, à incompetência de seus dirigentes e provavelmente à corrupção – essa praga tão disseminada no mundo hoje mais do que antigamente. Não me venham economistas dizer que a grave situação de alguns países europeus tenha sido criado pelos minguados salários de barnabés ou mesmo da população em geral.
A gastança se origina muitas vezes mais das más administrações, das aventuras financeiras de natureza especulatória, dos investimentos que só visam ao lucro de endinheirados do mundo econômico fruto - é bom que se saliente sempre - da globalização neoliberal, que dá mais peso aos chamados investimentos de Bolsas de Valores instituidoras do lucro fácil, da usura galopante, da alta burguesia mundial cuja diferença entre seus seguidores tem como diferença apenas a língua de cada país.
Nos EUA, na Europa, em alguns países ricos em petróleo, até na China comunista mas capitalista nas suas expansões de exportação de produtos para outros países, inclusive para o nosso, esses Shylocks pós-modernos têm as mesmas características e as mesmas metas: o enriquecimento a todo custo, doa em quem doer, sobrepondo-se com mão de ferro aos aspectos morais e éticos em suas tentaculares garras de ambição desmedida, criando os chamados multimilionários, senhores do mundo, donos do poder internacional.
São esses os fatores determinantes do que está acontecendo com a União Europeia, com países como a Grécia, a Espanha, Portugal e Grécia, entre outras nações de menor peso econômico. Nesses países o desemprego cresce assustadoramente, sobretudo prejudicando os jovens que desejam ingressar no mercado de trabalho.
O Leviatã, tanto no totalitarismo, China, Coreia do Norte, Cuba, Rússia, entre outros, não perde as suas regalias, o seu fausto, o seu poder feudal de uma elite dirigente, sempre vivendo com altos salários, mordomias, viagens, hotéis de luxo, carros suntuosos, jantares etc e, como não podia deixar de ser, poder e corrupção, enquanto a massa do povo vai sofrendo as consequências dos desmandos do poder econômico-financeiro mundial com traços de autoritarismo indiferenciados, ou matizados até mesmo de democracias de fachada. O povo, este sim, em qualquer parte, paga o pato das ignomínias praticadas pela figura todo-poderosa do Estado.
A tragédia de um velho aposentado grego assinala um marco simbólico - de dimensão universal - de quanto o Estado autoritário de hoje é insensível aos indivíduos que dele dependem e nenhum poder de barganha têm para se defender dos seus dirigentes de plantão. Esses Estados, agindo desta forma, passam à condição de agentes criminosos que, quando não matam com tiros seus cidadãos, em manifestações de protesto justo, os matam de indignação a ponto de provocarem tragédias em forma de suicídio. A máquina estatal, insensível nas suas ações maléficas, não vê a pessoa humana na condição de vitima de suas gélidas práticas de conduzir o país pela bitola pautada na lógica dos números e cálculos econômicos. O Estado, nas suas decisões, é intocável. O que não pode perder são as regalias do Poder Absoluto sem exceção no mundo inteiro e independente de suas formas de governo.