SESSÃO NOSTALGIA:

 

Nota os leitores: 

 

O artigo abaxo faz parte do meu livro 

 

           

              POLIEDRO DE INSÂNIAS

 

                        CRIMES DE ESTADO                   

                                                                                           Cunha e Silva Filho

                 

                 Na tevê ouço a voz de um  repórter informando a tragédia de um  filho da Hélade, um senhor aposentado. Nem me dei conta  do seu nome. Pouco importa saber desse  dado  biográfico. É um grego comum, do povo,  daquele mesmo  tipo de um  velho grego que conheci  na Vila da  Penha,  o qual ficava  muito contente  quando  lhe dizia  que, num livro (livro emprestado a alguém  e não devolvido, ou seja,  livro perdido) de linguística de um autor americano, encontrara  eu  alguns diálogos apresentando de um  lado da página  conversações em grego moderno  com  alfabeto latino, tendo da outra metade da página a tradução em inglês.  Eram   temas do dia a dia.

             Mais de uma vez fora à casa dele, conversar e aproveitar para   aprender algumas frases  básicas, por exemplo, cumprimentos: “Kalimeras sas, Kalisperas  sas, kalinikta sas!” Via a alegria estampada no seu  semblante  toda vez que eu  repetia acertadamente a frase em  grego. Julgo que chegara ao  Brasil  no  fim da Segunda Guerra e aqui se casou  com um brasileira e formara  família. Era um homem  inteligente,  amistoso que sentia  orgulho de   sua nacionalidade.

              Falava  português com fluência, mas lhe notava um leve sotaque. Tinha estatura mediana. Estava  entrosado com  os modos  brasileiros e cariocas de  viver. Não me lembro de sua profissão. Fizemos uma  certa amizade, sem  intimidades. Me  lembro de um detalhe. Uma de suas filhas  fora estudar grego na  Faculdade de Letras da UFRJ. Perdi contato com a sua família, Mais tarde, quando não mais  morava  perto do velho  grego, me contaram que   ele havia  falecido.     

           Mas, volto ao início  desta crônica. O senhor aposentado suicidou-se hoje ou  ontem, não sei ao certo, porque lhe subtraíram  parte   dos salário de aposentado que, segundo ele,  lhe deixava, na velhice cansada de anos de  trabalho,  em condições de penúria. Não sei se  tinha   família.  Porém, é bem provável que a tivesse.  

A Grécia, para atender  às exigências de ajuda da União Europeia,  tem  imposto  severo aperto  financeiro  aos cidadãos gregos. O governo determina que  os salários  da população sejam  diminuídos e, absurdamente,   estabelece que  impostos sejam  aumentados assim como  o custo de vida. É uma contradição inominável, injusta, criminosa. Não é  pelo desejo e  culpa  do povo  que a situação  financeira  do governo chegou   à bancarrota.  O endividamento da Grécia,  como de outros  países  que compõem a União Europeia, se deve a  razões  de gastos excessivos da parte do Estado, à incompetência  de seus dirigentes e  provavelmente  à corrupção – essa praga tão disseminada  no mundo hoje mais do que  antigamente. Não me venham  economistas  dizer que a grave situação  de alguns países europeus tenha sido criado  pelos  minguados salários de barnabés ou mesmo da  população em geral.

 A gastança  se origina  muitas vezes mais das  más administrações,  das aventuras financeiras  de natureza  especulatória, dos investimentos que só visam ao lucro  de  endinheirados  do mundo econômico fruto - é bom que se saliente sempre -  da globalização  neoliberal,  que  dá mais  peso  aos chamados investimentos  de Bolsas de Valores instituidoras  do  lucro  fácil, da usura  galopante,  da alta burguesia  mundial cuja  diferença  entre  seus   seguidores  tem como  diferença  apenas a  língua de cada  país.

Nos EUA, na Europa,  em alguns países   ricos em petróleo, até na China comunista mas capitalista   nas suas expansões    de  exportação  de produtos para  outros  países,  inclusive para o nosso, esses Shylocks  pós-modernos têm as mesmas  características e as mesmas metas: o  enriquecimento a todo custo, doa em quem doer,  sobrepondo-se com  mão de ferro  aos aspectos   morais e éticos   em suas  tentaculares  garras  de ambição  desmedida, criando os chamados  multimilionários,  senhores  do mundo,  donos do  poder internacional.

 São esses os fatores  determinantes  do que  está acontecendo com  a União Europeia,  com  países como a Grécia,  a Espanha, Portugal e Grécia, entre outras  nações  de menor  peso  econômico. Nesses países o desemprego  cresce assustadoramente, sobretudo  prejudicando  os jovens que  desejam  ingressar no  mercado de trabalho.

O Leviatã, tanto  no totalitarismo, China,  Coreia do Norte, Cuba, Rússia,  entre  outros,   não  perde as suas regalias, o seu fausto,  o seu poder  feudal  de uma elite  dirigente, sempre  vivendo  com  altos salários,  mordomias,  viagens,  hotéis de luxo, carros  suntuosos, jantares etc e, como não podia deixar de ser,  poder e corrupção, enquanto a massa do povo vai  sofrendo as consequências  dos desmandos  do  poder  econômico-financeiro mundial com traços de autoritarismo   indiferenciados, ou  matizados até mesmo   de  democracias de fachada. O povo, este sim, em qualquer parte,  paga o pato  das ignomínias  praticadas  pela figura  todo-poderosa do   Estado.

A tragédia de um velho aposentado  grego assinala um marco  simbólico  -   de dimensão universal  - de quanto  o Estado  autoritário de hoje   é insensível aos indivíduos  que dele  dependem e nenhum poder  de barganha  têm para  se defender  dos  seus  dirigentes  de plantão. Esses  Estados, agindo  desta forma,   passam  à condição  de   agentes  criminosos que, quando não matam com  tiros seus cidadãos, em manifestações  de protesto  justo, os   matam   de indignação  a ponto de  provocarem  tragédias em forma  de suicídio. A máquina  estatal, insensível nas suas   ações  maléficas,  não  vê a pessoa humana na condição de vitima de suas   gélidas práticas de conduzir  o país pela bitola  pautada  na lógica dos números e cálculos  econômicos. O Estado, nas suas decisões,  é  intocável.  O que não pode perder são as  regalias do Poder Absoluto sem exceção no mundo  inteiro e independente de suas formas de governo.