Criar gado no sertão: o barbatimão e a faveira regulando o manejo do rebanho.
Por Reginaldo Miranda Em: 24/06/2022, às 22H44
Reginaldo Miranda[1]
Embora festejado pela farmacologia, que lhe aponta inúmeras propriedades terapêuticas no tratamento de candidíase, gonorreia, leucorreia, diarreia, úlceras, doenças de pele, cicatrização de ferimentos, saúde bucal, dores de garganta, hemorragias, problemas digestivos e fortalecimento do sistema imunológico, o barbatimão é uma planta que causa muitos prejuízos para a pecuária brasileira.
Sendo típica de clima tropical e subtropical, é comumente encontrada na América Central e do Sul, desde a Nicarágua até o sul do Brasil. Infestando as cinco regiões brasileiras, é mais comumente encontrada nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, também sendo conhecida por barba-de-timão, barbatimão-verdadeiro, barbatimão-roxo, borãozinho-roxo, casca-da-virgindade, casca-da-mocidade, abaramotemo, uabatimô, faveiro e enche-cangalha. Seu nome científico é Stryphnodendron adstringens (Mart) Coville. “É considerada uma espécie perenifólia com altura variando de 2 a 8 metros, o tronco tortuoso de 20 a 30 cm de diâmetro, no qual a parte interna do cerne é vermelha, rígida e possui troncos com cascas rugosas e rígidas que se desprendem facilmente”[2].
Segundo uma leitura que fizemos, ao menos na Amazônia sua “floração ocorre no período de setembro a novembro, período em que brotam pequenas flores creme-esverdeadas assentadas em inflorescências que possuem forma de espiga. A frutificação ocorre entre os meses de novembro a junho, os frutos são vagens cilíndricas de 6-9 cm de comprimento, com inúmeras sementes de coloração verde (imaturos) ou parda (maduros). A maturação dos frutos geralmente acontece no final da estação entre agosto e setembro. Além disso, esta espécie apresenta preferência por solos arenosos e de drenagem rápida”[3].
No sertão do Piauí causa grande dor de cabeça para os pecuaristas a partir de meados do mês de maio, quando os animais começam a ingerir as sementes que caem no solo, e são verdadeiramente tóxicas. Embora comecem a cair anteriormente, essas primeiras levas são rapidamente apodrecidas pelas águas do período chuvoso, não se registrando prejuízos. Possivelmente, por essas razões sejam menos danosos os seus efeitos em outras regiões do País. No entanto, em “fins d’água” que geralmente ocorrem em meados de maio começam os prejuízos para os pecuaristas piauienses. Não é sem coincidência que neste mês os vaqueiros intensificam as jornadas no campo para juntar o rebanho. Vestidos em couro curtido, o gibão e a perneira, e montados em ágeis cavalos, vão campear quase todos os dias. É comum ouvir-se o aboio tristonho ou o rasgar de matos na pega do boi mais arisco. É o tempo da partilha e da ferra. Também da vacina. Desde então o gado é apascentado em roçados plantados nas terras mais úmidas. Geralmente, pasto seco e limitado. Por isso, a penúria e lamento do vaqueiro e do patrão.
É importante ressaltar que nossa pecuária tradicional é feita no sistema semi-intensivo, com gado zebu: nelore ou anelorado, criado à solta na maior parte do ano. De toda sorte, longe vai o tempo do sistema puramente extensivo, com o gado pé-duro criado totalmente à solta em todas as estações do ano. A partir de fins da década de sessenta, com a introdução de gado nelore houve uma mudança radical em nosso rebanho, principalmente na região sul e centro-sul do Estado, com aquisição de animais ditos melhoradores adquiridos no norte de Goiás, hoje Tocantins. Esse gado sofre sensivelmente de intoxicação com a alimentação de sementes de barbatimão. Não sabemos se o gado pé-duro comia menos sementes ou elas menos o ofendiam, mas sabemos por ciência própria que os problemas eram menores para os criadores d’antanho, que mantinham o rebanho à solta em todas as estações do ano.
Pois bem, são quatro meses de sofrimento porque o gado somente pode voltar ao campo na rústica chapada a partir do mês de setembro, quando começam a cair as sementes da faveira ou fava de bolota (Parkia platycephala Benth). De copa frondosa, florada vermelha e marcante, produzem favas de grande valor nutritivo para ruminantes, com alto teor de carboidratos e proteínas. É uma excelente forrageira. Com a queda da faveira o gado abandona o barbatimão e passar a se alimentar desse novo alimento, salvação de nosso rebanho. É um verdadeiro refrigério porque alivia a fome do rebanho e as preocupações do criador. Logo mais, de fins de novembro para começo de dezembro, com a queda das primeiras chuvas nasce a babugem que vai novamente engordar o rebanho. Em pouco tempo os brotos verdes estão encobrindo a terra e formando os campos de capim agreste. É tempo do gado pastar à solta, na vastidão das campinas. Assim foi e assim será ainda por muito tempo.
Uma solução que vem sendo adotada em muitas fazendas é a poda do barbatimão, raleando-o na chapada para reduzir ou mesmo extirpar os problemas de intoxicação do rebanho. Com esse processo, que deve ser feito periodicamente, o gado pode permanecer no campo durante todo o ano, comendo o capim agreste e os frutos silvestres, sobretudo a fava e o pequi, assim minorando o custo do criatório. O agreste e mesmo o capim andropogon, que secam na época do estio, podem ser consumidos com algum sacrifício, auxiliados com uma boa mineralização do rebanho. Pode-se dizer que capim agreste e sal no cocho segura o rebanho. Evidentemente, o olho do dono para identificar as reses mais magras, que dependem de um tratamento diferenciado contribuem para evitar prejuízos.
Embora sem formação técnica na área trazemos esse registro empírico adquirido pela observação cotidiana como estímulo para estudos sobre o controle do barbatimão, que representa verdadeira praga para o rebanho brasileiro, levando muitos animais a óbito por intoxicação. Seria interessante o desenvolvimento de estudos para orientar o criador de nosso sertão a conviver com essas mazelas. Também, sobre o melhor aproveitamento da faveira de bolota, que representa uma forrageira de grande valor para o rebanho sertanejo. A conservação da faveira de bolota representa assunto de importância para a manutenção do rebanho piauiense.
[1] REGINALDO MIRANDA, advogado, escritor, pequeno pecuarista, membro titular da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense. Contato: [email protected]
[2] SOARES, S.P.; VINHOLIS, A.H.C.; CASEMIRO, L.A.; SILVA, M.L.A.; CUNHA, W.R.; MARTINS, C.H.G. Atividade antibacteriana do extrato hidroalcoólico bruto de Stryphnodendron adstringens sobre microorganismos da cárie dental.PUC. Revista Odonto Ciência v.23, p.141-144, Porto Alegre. 2008. ISSN: 1806-146X [Link]; FELFILI, J.M.; SILVA JÚNIOR; M.C.; DIAS, B.J. REZENDE, A.V. Estudo fenológico de Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville no cerrado sensu stricto da fazenda água limpa no Distrito Federal, Brasil. SciELO. Revista Brasileira Botânica, v.22, p.83-90. São Paulo. 1999. ISSN: 1806-9959 [CrossRef]. In: LIMA, Thaiana C. D. de; CARDOSO, Magda V.; MODESTO, Thayná; OLIVEIRA, Ana Lígia de B.; SILVA, Milton Nascimento da; MONTEIRO, Marta Chagas. Breve revisão etnobotânica, fitoquímica e farmacologia de Stryphnodendron adstringens utilizada na Amazônia. Revista Fitos Etnobotânica. V. 16 n. 1, publicada em 31.3.2022.
[3] LIMA, Thaiana C. D. de; CARDOSO, Magda V.; MODESTO, Thayná; OLIVEIRA, Ana Lígia de B.; SILVA, Milton Nascimento da; MONTEIRO, Marta Chagas. Breve revisão etnobotânica, fitoquímica e farmacologia de Stryphnodendron adstringens utilizada na Amazônia. Revista Fitos Etnobotânica. V. 16 n. 1, publicada em 31.3.2022.