"Gostaria de saber sobre o uso de crase antes de pronomes possessivos. É permitido? Existe alguma regra?" W. Castro, Rio de Janeiro/RJ
"A minha mãe (para minha mãe) tem crase?" Sibele A. T. Akselrad, São Paulo/SP
Sabemos que a crase está condicionada ao uso simultâneo da preposição a com o artigo a; portanto, para ocorrer a crase é preciso que a palavra anterior [um verbo ou um nome] exija a preposição a e o substantivo posterior – que será obrigatoriamente feminino, explícito ou não – admita a presença do artigo definido. Sibele coloca entre parênteses "para minha mãe", segmento de frase em que não consta nenhum artigo. Conseqüentemente, aí não aparecerá o acento: Disse a minha mãe que voltaria cedo.

Entretanto, outros leitores traduziriam esse "a minha mãe" por "para a minha mãe", o que pressupõe a coexistência da preposição com o artigo definido. Neste caso: Disse à minha mãe que voltaria cedo.

Conclusão sabida e regra repetida: o uso do acento indicativo de crase antes do pronome possessivo é facultativo. Quer dizer: pode-se omitir o acento que não fica errado. Mas é altamente recomendável usá-lo, pois evita ambigüidades, sobretudo depois de verbos, veja só:

- Favor anexar a sua declaração de isento a sua identidade.

Anexar o que a quê? Deixemos claro:

- Favor anexar à sua declaração de isento a sua identidade.

- Favor anexar a sua declaração de isento à sua identidade.

- Favor anexar a sua identidade à sua petição.

- Anexamos à petição o documento solicitado.

- Peço que junte à nota para a imprensa a sua fotografia.

A crase, aliás, é sempre motivo de clareza. Também fica melhor:

- Dobre à sua direita.

- À SUA ESCOLHA [título de reportagem sobre imóveis à venda]

- O Natal bate à sua porta [propaganda na TV, mas sem o acento!].

A bem da verdade, esse tipo de crase só poderia ser dito "facultativo" em relação às regiões do Brasil, pois em alguns Estados não se usa o artigo definido diante do possessivo. Ali as pessoas normalmente dizem: "de minha mãe, de meu pai, minha amiga, para/a minhas tias", o que em tese as desobrigaria do "a craseado". Já em outros lugares o artigo definido é usual: "da minha mãe, do meu pai, com a minha amiga, para as minhas tias". Esta situação enseja o emprego de à ou às: refiro-me à minha amiga e às minhas tias, por exemplo.

Em Portugal a crase (que é chamada simplesmente de acento grave) com os pronomes possessivos é de lei, pois o uso do artigo definido diante deles é a norma naquele país. Numa biblioteca pública de Porto, em agosto de 2001, li num manual de gramática que era "mania de brasileiro" a dispensa do artigo na frente dos possessivos!

Plural

É preciso ter cuidado com a opção diante de pronome possessivo plural: a alternativa não é *as/às, mas sim a/às, pois aí se trata de escolher entre a simples preposição (entendendo-se que não se queira usar o artigo definido antes do possessivo) ou a preposição combinada com o artigo no plural:

- Não reconheceu o Estado de Israel por questões políticas ligadas a/às suas relações com os países árabes.

É interessante manter a coerência dentro do texto ou pelo menos dentro da frase:

- Passo a suas mãos documento que já é de seu conhecimento.

- Passo às suas mãos documento que já é do seu conhecimento

- Na casa de minha irmã, eu me referi a minhas dificuldades.

- Na casa da minha irmã, eu me referi às minhas dificuldades.


*Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora dos livros "Só Vírgula" e "Só Palavras Compostas", é diretora do Instituto Euclides da Cunha, www.linguabrasil.com.br