Elmar Carvalho

         I – INTRODUÇÃO

Deusdedit Leite Mello, com cujo nome, propositadamente, como se fora um pórtico triunfal ou um arco do triunfo, resolvi abrir este modesto trabalho, é justamente considerado o introdutor do futebol em Campo Maior.


Este notável dirigente esportivo e atleta nasceu na cidade de Batalha, em 14 de dezembro de 1896, e faleceu em Teresina, em local próximo do atual mercado da Piçarra, às 16:20 horas do dia 4 de junho de 1937, vítima de acidente rodoviário, quando dirigia um automóvel Ford 1929, de sua propriedade, provocando forte comoção em seus inúmeros amigos e conhecidos. Casado com dona Rosa Sampaio Mello, era um próspero e bem-sucedido comerciante.


Deusdedit, portanto, nasceu dois anos após Charles Miller introduzir o futebol no Brasil. Menos de vinte anos depois, esse grande pioneiro, numa de suas viagens, pôde assistir a partida de futebol, ocasião em que anotou suas regras e o implantou em plagas campomaiorenses. Através de carta remetida por Antônio C. Melo, remetida de Barras e datada de 16 de dezembro de 1916, infere-se que esse esporte já era praticado em Campo Maior, graças a sua liderança e iniciativa, junto a seus amigos, e com o apoio de seu irmão, Agenor Mello, que era também um dos futebolistas. No largo da igreja de Santo Antônio do Surubim, hoje praça Bona Primo, Deusdedit estimulou a criação de dois times, um ostentando a cor azul e o outro, a vermelha. Talvez tenham sido o embrião dos dois grandes clubes de Campo Maior, o Caiçara (vermelho) e o Comercial (azul). Um como a simbolizar o sangue que corre em nossas veias e artérias e irriga nosso corpo, e, o outro, o céu que se desdobra como uma cúpula ou um pálio sobre nossa cabeça. Pode-se ter certeza que em janeiro de 1929 equipe campomaiorense já disputava partida com time de fora, pois carta de Deusdedit para dona Rosa dizia que [no dia treze desse mês e ano] “deveremos jogar domingo (13) com o Militar, que vem daí”. Esse escrete teresinense era formado por militares do 25° Batalhão de Caçadores. Depois, já contando com atletas civis, passou a denominar-se Botafogo. Há uma foto de 1920 em que aparecem os seguintes futebolistas campomaiorenses: Osmar Costa Araújo, Cícero e Jaime Bona (de pé); Laurindo Paixão, Walfredo Costa e Edson (ajoelhados) e Alípio Ibiapina, Agenor Mello, Deusdedit Mello, Antônio Costa Araújo e Cícero Portela (sentados). Na condição de torcedor apaixonado, consta que jogava a bengala e o chapéu para cima, pois, homem elegante, esses acessórios faziam parte de sua indumentária, mesmo num campo de futebol. No início de 1948, no cine-teatro de Campo Maior, situado ao lado da matriz, foi feita uma grande reunião popular, após a missa dominical, convocada por Monsenhor Mateus Cortez Rufino, a pedido do prefeito Waldeck Bona, para discussão sobre que nome seria dado ao estádio, que esse operoso administrador construíra, tendo sido aclamado, de forma unânime, o nome de Deusdedit Mello.


 As informações acima foram colhidas no livro “Deusdedit Leite Mello – o Homem”, de autoria de seu filho, Dr. Hélio Sampaio Melo, engenheiro agrônomo, que soube resgatar a memória honrada e gloriosa de seu pai.


Os dois principais times de Campo Maior sempre foram o Caiçara Esporte Clube, de cores branca e vermelha, e o Comercial Atlético Clube, de farda azul e branca, arqui-rivais, ambos de numerosos e aguerridos torcedores.


Acredita-se que o futebol foi introduzido no Piauí, no inicio do século passado, através de Parnaíba, por intermédio de José de Moraes Correia, que estudava técnicas industriais na velha Inglaterra, para aplicação na empresa Moraes, de sua família, e de Septimus Clark, de ascendência inglesa, um dos diretores da famosa Casa Inglesa. Por informações orais, crê-se que a primeira bola de futebol chegou a plagas parnaibanas pelas mãos de Zeca Correia, que também praticava o esporte. Consta que esse capitão de indústria e do futebol, ao lado de outros desportistas, fundou o Camisa Azul, que deu origem ao Parnahyba Sport Club, em 1913. Mas pouco depois, mais precisamente em 1916, já o futebol era disputado em Campo Maior. Parece fora de dúvida que essas duas cidades, de forte tradição futebolística e ambas celeiro de craques imortais, foram pioneiras na prática desse esporte.


Como Campo Maior tinha filiais das duas firmas litorâneas acima referidas, não é necessário que se seja nenhum Sherlock Holmes para se chegar à conclusão de que o esporte futebolístico tenha recebido alguma influência e incentivo dessas duas empresas, sobretudo em razão das datas de fundação do Caiçara e do Comercial.


Em meados de 1972, no saudoso jornal A Luta, de Campo Maior, no início de minha já distante adolescência, assim eu me pronunciava sobre os memoráveis embates futebolísticos entre o Caiçara e o Comercial, de acirradas torcidas e disputas: “A tarde estava bonita, invadida por bastante sol, prenunciando, talvez, um excelente duelo que se travaria às 16 horas. (...) Às 16 horas surgiu um dos contendores que foi aplaudido, delirantemente, pela torcida. O povo levantou-se, tomado de verdadeiro êxtase. Os foguetes explodiam e batiam-se palmas incessantemente. Este contendor era o ‘Leão do Sertão’ que, com sua cor vermelha, parecia expressar sua vontade de lutar e vencer; enfim, parecia dar mostras de sanguinolência. Depois, surgiu o ‘Papão do Interior’, que foi igualmente aplaudido pela torcida.”


O Comercial foi fundado em 21 de abril de 1945, sendo seu símbolo um bode. Passou a profissional no ano de 1950. Entre outros, foram seus fundadores: Antônio Rufino de Sousa, José Neiva e Pedro Mesquita, que foram, respectivamente, os três primeiros presidentes da agremiação.


Na gestão do prof. Raimundo Andrade, o Comercial conseguiu o seu principal título: vice-campeão piauiense, em 1969.


Na gestão de Francisco de Paula Ribeiro, o escrete azulino foi o primeiro campeão do torneio Albertão.


Antônio Rufino de Sousa foi presidente do Comercial durante um total de doze anos e o mestre Antonio de Pádua Neves foi técnico por quarenta e cinco anos.


Em 20 de abril de 1990 foi inaugurada a Sede Esportiva José Bona, conhecida como Toca do Bode, sob a presidência do comercialino Flávio Bona Andrade. É um belo patrimônio, amplo e digno. Vários torcedores e empresas contribuíram para que o sonho se tornasse realidade.


Sem dúvida todos os dirigentes do Comercial deram sua contribuição para o engrandecimento do time, contudo, em face da necessidade de síntese, destacaria os seguintes presidentes: Antônio Rufino (12 anos), Flávio Bona (10 anos), José Cassimiro Neiva, Vespasiano Brito, Pedro Mesquita Furtado, Ernane Napoleão Lima, Milton Higino, Prof. Raimundinho Andrade, José Laurindo da Silva, Francisco das Chagas Moreira e Silva e José Acélio Correia.


Também foram comercialinos e dirigentes de escol: Agenor Melo, Chico Andrade, José de Assis, Hilson Bona, João Félix, Raimundo Soares, Geraldo Alves, Carlos Alberto Correia e José Olímpio Filho.


O mestre Antônio Neves, como já dito, foi técnico da equipe alviceleste por mais de quatro décadas, dedicando-lhe muito de seu tempo, esforço e zelo.


O Caiçara Esporte Clube, de gloriosa trajetória, foi fundado em 27 de fevereiro de 1954. Também conhecido como Leão, sempre ostentou uma juba respeitável e portentosa, garras afiadas e presas implacáveis e vorazes contra os adversários.


Em outubro de 1986 o escrete caiçarino, na administração de Francisco Ispo, inaugurou a sua sede própria, às margens da BR 343, na entrada da cidade, em lugar aprazível, de onde se descortina o descampado dos tabuleiros, engalanados de carnaúba, tendo como pano de fundo a exuberância do debrum azulado da serra. É uma sede ampla, bem estruturada e condigna.


Seu primeiro presidente foi o empresário Oscar Duarte, que teve como vice-presidente Francisco José Caracas, este de ascendência parnaibana e dirigente da indústria Moraes.


Entre outros, merecem destaque os seguintes presidentes do Caiçara: Oscar Duarte, Francisco José Caracas, Zacarias Gondim, Raimundo Gomes Neto, José Ribamar Machado (Birro), Deusdedith Melo, Francisco Ispo da Silva e Wellington Leite (atual).


Entre os técnicos obtiveram realce: Sales Oliveira, Modesto, João Maria, Francisco Lopes (Boguém) e Francisco Correia Jardim (Correinha).


Figura emblemática da torcida alvirrubra, pelo fanatismo e folclore, merece relevo o caiçarino de quatro costados Francisco Barros Alves, o Barrinha, que se diz caiçarino por vocação e devoção, e não por status, pois segundo ele ser torcedor do Caiçara é sinal de prestígio e destaque. Afirma nunca haver entrado em nenhum estabelecimento do grupo Comercial Carvalho, exceto o Hiper Carvalho, pois não dá chance ao Comercial nem mesmo no nome. Numa partida em que o Caiçara jogava em Teresina, foi a Campo Maior e voltou, num total de 168 km, apenas para assistir, em sua terra natal, o seu time jogar através da televisão. E assim são inúmeras as suas tiradas e “causos”.


No seu primeiro ano (1954), fez brilhante campanha, ao se sagrar vice-campeão, disputando o título com o River, que jogava com a vantagem do empate, cuja partida terminou com um empate de 5 x 5. O técnico foi Sales Oliveira.


Fez várias campanhas memoráveis e conquistou títulos importantes, entre os quais o de Campeão Campomaiorense de Futebol (1956), Campeão do Bicentenário de Campo Maior e do Torneio Irineu de Oliveira, promovido pela F. F. P.


No início da década de 60 arrebatou o 1° turno do Campeonato Piauiense, de forma invicta. Foi vice-campeão do Campeonato Estadual nos anos de 1954, 1964 (o presidente era Zacarias Gondim e o técnico, que desrespeitou o próprio nome, foi Modesto), 1991 e 1995 (nos dois últimos anos sob a presidência de Francisco Ispo).


Em 1986, sob a presidência de Francisco Ispo, o Caiçara novamente conquista o 1° turno do Campeonato Estadual, ficando o River em 2° lugar. Aproveitando a deixa, até diria que o grande Ispo, pela sua dedicação ao clube, merecia ter um B acrescido ao seu nome, para se transformar em Bispo, inclusive porque essa autoridade eclesiástica ostenta em suas vestes talares o vermelho caiçarino.


Foi o primeiro time do interior a representar o Piauí em competição nacional, ao disputar a Copa Brasil, tendo chegado a vencer o Atlético Mineiro, em Teresina, pelo placar de 1 x 0.


 Outras atuações poderiam ser lembradas, mas estas bastam a título de exemplificação.


         II – OS CRAQUES

No passado mais distante podem ser considerados como melhores goleiros: Ângelo, adotado pela inesquecível professora Olga Batista, diretora do Grupo Escolar Barão de Gurguéia, em Teresina; Zé Meleiro, mecânico de automóvel, proprietário de uma das mais tradicionais oficinas da cidade, e Zé Maduro, também mecânico de veículos, figura que, pelas suas “tiradas” e episódios pitorescos e humorísticos, faz parte do folclore e do anedotário campomaiorense, tendo o escritor João Alves Filho escrito um livro sobre suas façanhas e peripécias.


Mais recentemente se destacaram na posição de goleiro: Coló, sempre elegante, com sua elasticidade e saltos ornamentais, em que parecia planar, ao fazer suas defesas excepcionais, apesar de ter um dedo defeituoso, o qual lhe impossibilitava espalmar plenamente uma de suas mãos; disse-me Carlos Said, o “Magro de Aço” (mas aço inoxidável, acrescento), que também atuou na posição ingrata de guarda-rede, como diriam os portugueses, que Coló, durante certo período, foi o melhor craque piauiense nessa posição; Beroso, muito seguro, senhor de si e de seus nervos, a praticar extraordinárias defesas; contou-me Zé Duarte, que certa vez, estando Beroso muito adiantado, houve um chute a gol por cobertura, que forçou este extraordinário goleiro a dar dois passos em recuo, arremessar-se de costas para trás, desviar a trajetória da bola, enquanto girava seu corpo, em legítimo salto mortal, para cair de bruços. Os dois, que encantaram multidões, fazendo verdadeiras acrobacias e magias circenses, já faleceram, sem que atingissem a velhice. Estão, certamente, entre os melhores arqueiros piauienses de todos os tempos. Um pouco mais recentemente, sobressaiu-se o goleiro Icade, da família Miranda, hoje funcionário do Banco do Estado do Piauí (BEP). No futebol de salão, Zé Olímpio foi um goleiro extraordinário, que me despertou muita admiração e uma quase pontinha de inveja, em razão dos seus saltos acrobáticos de gato maracajá.


Entre os atletas inesquecíveis do futebol de Campo Maior podem ser apontados: Escurinho, ponta esquerda, extraordinariamente veloz; Geraldinho, hábil, com bom domínio de bola; Mormaço, cearense, zagueiro, estilo clássico, competente no domínio da pelota, e que atualmente vem se destacando como técnico futebolista; Cabo Dulce, também nascido no Ceará, tornou-se ídolo de nosso futebol ao disputar dois campeonatos pelo Caiçara; Deca, que é considerado pelos entendidos como o melhor centroavante da Terra dos Carnaubais; Xixá, ainda em atividade, bom nos dribles, com boa intimidade com a bola, na sua condição de volante; Augusto César, quarto zagueiro, bom no domínio, boa visão, inteligente (também bom no arremesso de copo); Zé Maria, volante, eficiente como armador; Chico Galo ou apenas Galo, um grande zagueiro central, melhor ainda como quarto zagueiro na cobertura da área do Comercial; Cabrinha, ponta esquerda competente, rápido, bom de drible; Ditoso, que faz jus ao nome de guerra, era um verdadeiro corisco e “faz tudo”: batia o escanteio, fazia o gol com uma cabeçada e se lhe desse na telha ainda salvava o gol; Moura, um bom lateral, tanto à direita como à esquerda; Geraldo Pucuta, meia esquerda nato; João Catita, já falecido, ponta direita, um grande lutador, bom no pique e no chute, tendo atuado também no Ríver, em Teresina; Edmar Pinto, também titular de time da capital, sempre na ponta-direita do Ríver, do Flamengo e do Tiradentes, é considerado um dos melhores do Piauí nessa posição, ótimo no domínio de bola e hábil no drible. Tido e havido como um galã, não obstante a pequena estatura, namorou as garotas mais bonitas de sua época. Faleceu prematuramente, vítima de um acidente automobilístico; Chico Catita, grande defensivo no centro da área penal, também jogava nas laterais do campo de jogo; Piaba, ponta direita, ótimo driblador; Júlio, pernambucano de Olinda, centroavante, jogou na Seleção de Campo Maior e no Comercial. Artilheiro, foi o maior goleador de sua época. Rápido, do tipo rompedor, estilo Ronaldo, jogou também no Botafogo de Timon e no River de Teresina; Evandro, considerado um dos maiores dribladores de Campo Maior, e em seu auge era considerado o maior driblador do futebol piauienses; Vicentinho, cearense, o maior batedor de faltas do futebol piauiense. Jogando pela Seleção de Camocim, em campeonato intermunicipal, em Fortaleza, em decisão por pênalti, tendo Nagib como cobrador pelo time adversário, foi perder no 18º chute, em virtude de uma cãibra. Bom no lançamento de longa distância, pela precisão do chute e visão de jogo; João de Deus, filho do mestre Antônio do Monte (executor das obras de carpintaria da catedral de Santo Antônio do Surubim), servidor da Fundação Nacional de Saúde, radialista, comentarista esportivo e maçom, foi um craque na verdadeira acepção do vocábulo, caracterizando-se como um bom marcador, de lançamento preciso, destituído de egoísmo, pois jogava para o time, como se diz; inicialmente, atuou como médio volante, passando depois para meia esquerda; no Intermunicipal, jogando pela seleção campomaiorense, jogou como lateral esquerdo. De palavra fácil, fluente e de bom conteúdo, é um dos próceres da “Confraria do Tamarindo”, último baluarte de resistência dos áureos tempos da velha Zabelão, sepulta para sempre na distância dos tempos esquecidos.


Atualmente, os principais craques são: Brinquedo, filho do grande Deca, atuando na ponta direita; Cordeiro, irmão de Deca, e portanto (parece até brincadeira!) tio do Brinquedo.


Por fim, faço uma referência especial ao ídolo Zé Duarte, ótimo no domínio e na intimidade da pelota, bom driblador, e de chute fulminante, um verdadeiro torpedo, a furar redes e a machucar mãos de goleiros afoitos. Memória viva do futebol da “Terra dos Carnaubais”, passo a chamá-lo, a partir de agora, de “Enciclopédia do Futebol Campomaiorense”. Proprietário de uma churrascaria, ao lado do Estádio Deusdedit Melo, dirige uma escolinha de futebol e foi diretor da referida praça futebolística.


Ainda podem ser lembrados, como grandes craques, os seguintes, evidentemente numa enumeração incompleta, em que procurei embaralhar atletas alvicelestes e alvirrubros: Toinho Benigno (Bilau), Antonio Pedro, Zé Costa, Zequinha, Murilo, Radier, Dimas, Evandro, Fumaça, Gadelha, Edson Mucura, Júlio, Paulo da Banana, Zé Bodinho, Napoleão, Cleiton, Hélio Bia, Manuca, Walter Popó, Marreca, Cafuringa, Antonino, Prego e Cabeção.


Antes que me digam, confesso que um texto desta natureza contém eventuais e involuntários erros, sobretudo porque toda enumeração é um tanto arbitrária, e depende da capacidade valorativa da fonte e do autor, sempre sujeita ao subjetivismo, sendo certo que alguns acharão que houve algumas inclusões ou exclusões indevidas. Deixo que os críticos supram as lacunas e cortem os excessos.


Sem dúvida, outros, em trabalhos desta espécie, poderiam fazer mais e melhor do que eu. Como disse, em outro trabalho semelhante, parafraseando o escritor português Antônio Feliciano de Castilho, eu fiz apenas o que me foi possível fazer.