Elmar Carvalho

 
 
Perdi vários poemas, escritos ao longo de minha vida, sobretudo alguns que compus em minha adolescência, por motivos de mudanças e viagens, ou pela fome das traças e cupins. Talvez não lhes tenha dado maior importância, e por isso não lhes tenha dispensado o devido cuidado e atenção. Não os perdi ou queimei deliberadamente; apenas fui negligente, descuidado, talvez porque não os achei dignos de maior consideração, ou porque minha autocrítica não viu neles as qualidades necessárias, para que pudessem continuar existindo. Entre esses poemas que se perderam na poeira do tempo e do espaço, um era sobre o Recife, quando ali fiz o curso de Monitor Postal, através do qual ingressei nos Correios (ECT); o outro, cantava a cidade de Belém – PA, quando fiz o treinamento para o exercício de meu cargo de Fiscal da extinta SUNAB, e o terceiro, era uma espécie de libelo contra os preconceitos e falsos moralismos de solteironas farisaicas, a que chamei de corujas de campanário.
 
O primeiro desses poemas, era longo, e nele, no entusiasmo de meu final de adolescência, eu cantava a beleza do Recife, sobretudo o colorido das luzes das ruas e das propagandas em neon, que se refletiam nos rios Capibaribe e Beberibe. Sobre ele já me reportei neste diário. No segundo, descrevi as praças, as chuvas e as ninfas de Belém. O fiz de um fôlego, num bloco de papel do treinamento profissional. Ficou esquecido no meio de outros papéis, até talvez ter-se transformado em pasto de traças e cupins. Fiz uma reconstituição minimalista de ambos, e os publiquei em Rosa dos Ventos Gerais.
 
Quanto ao terceiro, era titulado Puritana ou Coruja de Campanário, já não tenho certeza quanto a isso. Foi publicado no jornal Folha do Litoral, em meados da segunda metade da década de 1970. Pedi ao professor Antônio Gallas que tentasse encontrá-lo no acervo do periódico, que estava sob os cuidados do jornalista Rubem da Páscoa Freitas. Porém, os jornais da época em que o poema fora publicado já haviam sido estraçalhados pelas implacáveis traças. Esse poema era rigorosamente rimado, embora fosse eu um poeta comprometido com o modernismo e a contemporaneidade. É que eu gostava de exercitar as técnicas diversas da poemática, e por isso fazia uso de todos os recursos da arte de versejar.
 
Eu desejava reencontrar esse texto poético para o fim de utilizá-lo em ensaio que pretendo fazer, de caráter antropológico e sociológico. Diante da impossibilidade de reencontrá-lo, fiz uma reescrita dele, mantendo as ideias e a temática. Quanto à forma e à qualidade, não sei se piorei ou não a versalhada perdida, que jamais poderá ser recuperada integralmente. No domingo, após re-escrevê-lo, telefonei ao professor Gallas, e o li. Ele achou que o soneto poderia estar melhorado. Disse-lhe ter minhas dúvidas quanto a isso. Nesse telefonema, o jornalista Antônio Gallas levantou dúvidas sobre se o soneto teria sido efetivamente publicado, por motivo de censura. Respondi-lhe que o texto meu, que não passara pelo crivo da direção do jornal, era um outro, em prosa, em que eu criticava uma autoridade religiosa, por motivo que já não vem ao caso. Apenas como simples curiosidade, transcrevo os versos “restaurados”, sob o título de Coruja de Campanário:

 
  CORUJA DE CAMPANÁRIO


Elmar Carvalho

Santa coruja de campanário
a arrotar pruridos de moralismo,
folheando assustador breviário,
vestal severa do cristianismo.

Puritana coruja de santuário,
no rigor do seu catecismo,
em seu recalque celibatário,
condena todo sensualismo.

Mas, à noite, no leito macio e ardente,
sentindo remorso do próprio sarcasmo,
com a carne anelante, fremente,

Ei-la, espumando trêmula, gemente,
em arfante e vertiginoso espasmo,
no furor do solitário orgasmo.