O que corrupção?

É uma intervenção ilegítima, nas estruturas e processos da república e da democracia, para a obtenção de ganhos privados.

Essa agressão contra a república (coisa pública) e contra a democracia (interesse público) tem notável complexidade em países de economia diversificada e pujante como a do Brasil. Em nosso sofrido país, ela se apresenta, preponderantemente, invisível a olho nu. É preciso corajoso exercício intelectual e muita perspicácia para desvendá-la em sua existência multiforme. Perceba o leitor que o que aparece na imprensa é uma fração ínfima da corrupção como sistema. O que é cotidianamente noticiado são sintomas de uma doença sociopolítica sistêmica que se espalha e contamina o organismo brasileiro, nos seus órgãos, nas suas esferas de poder e nos seus fluxos vitais.

Quais as suas formas? Como ela se manifesta?

A partir de conversas sobre o tema, aqui em São Paulo, entre profissionais do Direito, eu desenho, ainda em rascunho a merecer bem-vindas  contribuições do leitor, o seguinte. 

A corrupção sistêmica de que padece o país compõe-se de
a) três tipos básicos,
b) um procedimento estratégico e
c) cinco procedimentos táticos de apoio. 

 

O procedimento estratégico da corrupção dirige-se à geração de oportunidades e de inovação. Corresponde ao “aparelhamento”, ou seja, à nomeação de pessoas para ministérios, secretarias, diretorias de empresas e de agências, com o fim preponderante de garantir a reprodução de “bolas”, de “bonecas-russas” e de “bem-bolados”.

Por fim, os cinco procedimentos de apoio tático à corrupção são: (i) “dica-boa” – repasse aos parceiros de informação privilegiada, em concursos e licitações, ou que afetam as ações de empresas do setor público; (ii) “versão chapa-branca” – declaração pela imprensa, ou por propaganda paga, que construa uma versão conveniente para geração ou preservação de ganhos privados; (iii) “ponto-cego” – a) quando, em projetos, geram-se espaços para ganhos ocultos aos controles; e/ou b) geram-se controles desfocados, que não ponham os ganhos em perigo; (iv) “sujeição da imprensa” – direcionamento das verbas de publicidade para a mídia que apoie os governantes ou com quem  se combine omitir questões de importância para a preservação do sigilo dos fatos de corrupção; e (v) “terceirização” – os altos salários/compensações e aposentadorias do setor público, junto a sobra de tempo, levam à  formação, em  paralelo, de consultorias, de empresas de serviços, de escritórios de contabilidade e de advocacia, que ajudam as “bolas”, as “bonecas-russas” e os “bem-bolados”.

A corrupção é um sistema social vivo, multipartidário e apartidário, e formidavelmente sagaz. Como é autogerador de si mesmo, o seu rabo se restaura como o da lagartixa; ele não se importa com desvendamentos aqui e ali, ou com seus guerreiros que sucumbem à Imprensa e à banda-boa da Polícia, que cumpre seu papel constitucional. A própria legislação penal e administrativa de coibição é, em parte, ao menos, manobra diversionista da corrupção como sistema. Tudo é feito para apascentar, como parte dos custos, os seus antagonistas e críticos. Quer-se que estes tantos adversários vejam só as árvores e os arbustos; quer-se que eles não observem a floresta, o entrecruzar das raízes no subsolo e os pássaros e animais que levam as sementes, de um lado a outro. O que sai na Imprensa livre e é descoberto e, ao mesmo tempo, permitido investigar pela “banda boa” da Polícia, e o que chega ao Judiciário são como sintomas de doença em metástase, que mascaram, a agressividade terminal da destruição da nossa república e da nossa democracia.