Escudo da Família Muniz
Escudo da Família Muniz

Reginaldo Miranda*

Entre os pioneiros fundadores de fazendas no Piauí, figura o colonizador Egas Muniz Barreto, também conhecido por Egas Muniz de Souza Barreto. Na Descrição do Padre Miguel de Carvalho (1697), morava na fazenda Canabrava, às margens do riacho de mesmo nome, afluente do rio Poti.

Segundo o Pe. Cláudio Melo, era ele “uma das figuras mais importantes da política baiana daquele tempo. Homem da intimidade do Rei, para quem fornecia açúcar e farinha. Um filho seu matou alguém também do alto nível social e por isso fugiu.  Embora não se tenha prova documental, sabe-se que se ocultou em Canabrava onde constitui família – Os Muniz Barreto de São Miguel são descendentes dele e eram até o século passado, os senhores de Canabrava[1]” (CARVALHO, Pe. Miguel de. Descrição do Sertão do Piauí. Comentários e notas do Pe. Cláudio Melo. 2ª Ed. Teresina: APL-FUNDAC, 2009)

Não sabemos traçar a genealogia da família Muniz Barreto com riqueza de detalhes, no entanto sabemos que tem origem medieval, sendo Egas Muniz (1080- 1146), rico homem portucalense da linhagem dos Riba Douro, personagem de grandeza na fundação da nação portuguesa, cantado por Camões no canto III, estrofes 35-40, dos Lusíadas. Muniz, Barreto, Teles e Menezes, bastante entrelaçados, são figuras palacianas que aparecem frequentemente nos mais diversos episódios da história de Portugal. Estão presentes na Bahia desde a fundação de Salvador, com forte atuação em Sergipe e passagem marcante pelo Piauí colonial. Desde quando os alcançaram nossas lentes perquiridoras eram reconhecidos fidalgos cavaleiros da Casa Real portuguesa. Em 13 de abril de 1630, Francisco Barreto de Menezes[2], fidalgo cavaleiro da Casa Real, servia ao rei na ilha de São Tomé, tendo deixado mulher e filhos no reino (PT/TT/GAV/20/15/30. Gavetas, Gav. 20, mç. 15, n.º 30; Documento publicado em “As gavetas da Torre do Tombo: edição digital”. Vol. 11: GAV. 20, entrada 6014, p. 322).

Foi filho deste o colonizador Egas Muniz Barreto, ou Egas Muniz de Souza Barreto, como aparece no registro do padre Miguel de Carvalho[3]. Ainda jovem chegou à Bahia na época em que pipocavam as notícias do devassamento e conquista do território do Piauí, pelos irmãos mafrenses[4] e pela gente da Casa da Torre[5]. Sem perda de tempo esse destemido e bravo lusitano arruma matalotagem necessária e embrenha-se nessa nova conquista fundando fazenda a que denomina Canabrava, na bacia do Poti, hoje termo de São Miguel do Tapuio[6]. Ali recebe o padre Miguel de Carvalho em desobriga, no ano de 1696, comprometendo-se com ele a contribuir na fundação da freguesia a ser fundada na bacia do rio Canindé, hoje cidade de Oeiras. Por essa razão inscreve seu nome entre os posseiros fundadores de fazendas e desbravadores do território piauiense, assim como benfeitores do lugar.

Mais tarde, depois de levantados os currais e as mangas; de apascentado o rebanho em diversas malhadas que pastavam vigorosas pelos vales ribeirinhos e pelos campos mimosos, com passagens necessárias pelos lambedouros em morros salitrosos, retorna ao seio da família na freguesia de Nossa Senhora do Socorro, do Recôncavo da cidade da Bahia, onde deixara a família. Desde então passa a administrar as lavouras de canas e outros currais que possuía. Ali figura com destaque entre os principais moradores do lugar.

Por esse tempo assume o posto de coronel de Infantaria da Ordenança dos distritos que compreendem as freguesias de Nossa Senhora da Madre de Deus, Nossa Senhora do Monte e Nossa Senhora do Socorro, em cujo exercício presta relevantes serviços, até quando falece em 1721, sendo substituído por Luís da Rocha Pita Deus-dará, também este herdeiro de fazendas no Piauí.  O exercício desse posto militar não rendia soldos da Real Fazenda, mas dava a seu ocupante direito ao gozo “de todas as honras, privilégios e liberalidades, isenções e franquezas que em razão dele lhe pertencerem”. Era, pois, a porta aberta para o pleito de sesmarias e títulos honoríficos (PT/TT/RGM/C/0013. RGM, Mercês de D. João V, liv. 13, fl. 242).

Esse pioneiro de nossa colonização deixou ao menos dois filhos varões[7], Antônio Ferreira de Souza e Francisco Barreto de Menezes, o moço, ambos agraciados em 10 de dezembro de 1689, com o foro de fidalgos cavaleiros da Casa Real. Para curiosidade do leitor segue na íntegra o título de um dos filhos, sendo o outro do mesmo conteúdo: “Antônio Ferreira de Souza, filho de Egas Muniz Barreto. Houve V. Maj., por bem fazer mercê ao dito Antônio Ferreira de Souza, natural da cidade da Bahia, filho de Egas Muniz Barreto, fidalgo de sua Casa e neto de Francisco Barreto de Menezes, de o tomar no mesmo foro de fidalgo dela, com mil e quinhentos réis de moradia por mês de fidalgo cavaleiro e um alqueire de cevada por dia até o foro e morada porquanto do dito seu pai lhe pertença, e o Alvará foi feito em dez de dezembro de 1689” (PT/TT/RGM/B-B/0005/4984. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 5, f.303); PT/TT/RGM/B-B/0005/4984. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 5, f.303).

Seu filho Antônio Ferreira de Souza, senhor de lavouras de cana e de currais de gado na Bahia e no Piauí, foi casado com dona Juliana Rangel, filha de Rafael Telles, de origem nobre, sendo tronco de muitas outras famílias, segundo diligências do Santo Ofício. Esse casal teve ao menos dois filhos varões, ambos agraciados com o mesmo foro de fidalgo cavaleiro da Casa Real, a saber: “Diogo Muniz Barreto, natural da cidade da Bahia, filho de Antônio Ferreira de Souza, fidalgo da Casa e neto de Egas Muniz Barreto. Houve S. Maj., por bem fazer mercê ao dito Diogo Muniz Barreto de o tomar no mesmo foro de fidalgo de sua Casa, com 1500rs de moradia por mês de fidalgo cavaleiro e um alqueire de cevada por dia paga segundo ordenança e o foro e moradia que pelo do dito seu pai lhe pertence e o Alvará foi feito a 12 de outubro de 1757 e se passou por duas vias” (PT/TT/RGM/D/0012. Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 12, fl. 83).

Na mesma data foi passado o mesmo foro de fidalgo da Casa Real a Egas Carlos de Souza Menezes, natural da cidade da Bahia, filho de Antônio Ferreira de Souza, fidalgo da Casa e neto de Egas Muniz Barreto (PT/TT/RGM/D/0012. Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 12, fl. 82).

Esse seu neto, Egas Carlos de Souza Menezes, teve um filho por nome Antônio Muniz de Souza Barreto, que também recebeu a mesma mercê: “Antônio Muniz de Souza Barreto, natural da cidade da Bahia, filho de Egas Carlos de Souza Menezes, fidalgo da Casa e neto de Antônio Ferreira de Souza. Houve S. Maj., por bem fazer mercê ao dito Antônio Muniz de Souza Barreto, de o tomar no mesmo foro de fidalgo de sua Casa, com 1500rs de moradia por mês de fidalgo cavaleiro e um alqueire de cevada por dia paga segundo ordenança e o foro e moradia que pelo do seu pai lhe pertence e o Alvará foi feito a 30 de maio de 1768” (PT/TT/RGM/D/0022. Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 22, fl. 43).

Por seu turno, encontramos algumas informações sobre o neto sargento-mor Diogo Muniz Barreto, também fidalgo cavaleiro da Casa Real. Foi casado com dona Mexia de Menezes, sendo ambos naturais da freguesia de Nossa Senhora do Socorro. Viviam de sua fazenda de cana e de seus gados.

Foi filho de Diogo Muniz Barreto e dona Mexia de Menezes, o sargento-mor Antônio Muniz Barreto, natural da freguesia de Nossa Senhora do Socorro, do Recôncavo da cidade da Bahia. Foi casado com dona Ana de Almeida, natural da cidade da Bahia, freguesia de São Pedro, filha de Domingos Monteiro de Sá, natural da freguesia de Nossa Senhora dos Mártires da cidade de Lisboa, e de sua mulher dona Juliana de Almeida (segundas núpcias desta), natural da Ilha das Fontes, freguesia de Nossa Senhora do Monte, Recôncavo da cidade da Bahia (mãe do Dr. João Calmon, filho de suas primeiras núpcias, chantre na Sé da Bahia e Comissário do Santo Ofício na mesma cidade da Bahia). Viviam eles de sua fazenda de cana, inclusive de um engenho que tiveram por muitos anos e de seus gados, além do Ofício de Escrivão dos Agravos da Relação da Bahia, que nunca quis ele servir e sempre o teve arrendado. Foi este legado por seu sogro Domingos Monteiro de Sá, proprietário do dito Ofício por via de sua esposa Juliana de Almeida, tendo dele sempre servido e vivido e de algumas fazendas de gado, que possuíra, e todos com muita limpeza e abundância de bens, segundo os critérios do Santo Ofício[8]. Esse último casal teve por filho o capitão Francisco Barreto de Menezes, fidalgo da Casa Real, nascido em 1698, na freguesia de Nossa Senhora do Socorro, residente na freguesia de Nossa Senhora do Monte, ambas na Bahia (PT/TT/TSO-CG/A/008-002/1627. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas, doc. 1627).

Ficam essas informações como contribuição para a reconstituição da trajetória de vida e da genealogia desse pioneiro colonizador de terras no Piauí.

 


[1] Não encontramos documentos que corroborem essa afirmação do Pe. Cláudio Melo. Na relação de todos os possuidores de terras no Piauí, elaborada em 15 de novembro de 1762 pelo conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia, não constam membros da família Muniz Barreto proprietários de terras no termo de Marvão. A fazenda Canabrava que ali encontramos, pertencia a Diogo Alves Campos, que a tinha herdado de seu pai, de igual nome. Outra de igual nome fora povoada por Jacinto Gonçalves Teixeira.

[2] Um Francisco Barreto de Menezes, era filho mais velho de Antônio Arnut de Mexia, então falecido; em 20 de dezembro de 1666, requereu a administração da capela de Penha, na jurisdição da Coroa, para a qual antes fora nomeado seu pai (PT/TT/RGM/A/001/0008. Registo Geral de Mercês, Mercês Chancelaria de D. Afonso VI, liv. 8, fl. 389). Existe também referência a um Francisco de Menezes Barreto, filho de Francisco Manuel Muniz; recebe o alvará de fidalgo escudeiro em 5 de fevereiro de 1694 (PT/TT/RGM/B-B/0003/7473. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 3, f.421v).

 

[3] Descrição do Sertão do Piauí, elaborado em 1697.

[4] Domingos Afonso Sertão e Julião Afonso Serra.

[5] Francisco Dias d’Ávila e Bernardo Pereira Gago.

[6] Segundo o Pe. Cláudio Melo.

[7] É provável que tenha deixado também um filho ou neto homônimo, porque na relação de todos os possuidores de terras no Piauí (15.11.1762) aparece referência a um Egas Muniz Barreto que recebera em dote terras no Piauí (fazenda da Onça, na ribeira do Sambito), por ter casado com uma irmã de Manoel Pinto de Queiroz.

[8] O capitão Francisco Barreto de Menezes habilitou-se como Familiar do Santo Ofício.

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*REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.