Coronel Doca Borges e a ascensão política de Floriano.
Por Reginaldo Miranda Em: 01/06/2019, às 18H33
Reginaldo Miranda
Foi o coronel Raimundo Borges da Silva, mais conhecido por Coronel Doca Borges, o chefe político com maior ascensão no sul do Piauí, durante a República Velha. Negociante, deputado provincial e estadual, vice-governador em dois mandatos, em cujas circunstâncias governou o Estado por quase oito meses consecutivos, o Coronel Doca Borges enche uma página de nossa história.
Ele veio ao mundo ainda ao tempo do Império, nascendo em 30 de abril de 1859, no termo de São João do Piauí, antiga Residência do Brejo de São João, plantada no médio curso do rio Piauí. Ali fora fazenda de Domingos Afonso Sertão, depois passando aos jesuítas e, por fim, à Coroa, depois à União e ao Estado do Piauí. Com a formação da povoação no lugar Malhada do Jatobá, daquela fazenda, foi a mesma elevada à categoria de curato pela lei provincial n.º 308, de 11 de setembro de 1851 e vila pela resolução provincial n.º 749, de 26 de agosto de 1871. Foi ainda ao tempo de vila que viu a luz do sol pela primeira vez, a pequena criança, em casa de seus genitores, José Borges da Silva e Querubina Teles da Silveira. Recebeu na pia batismal o nome de Raimundo, porém, desde cedo ficara conhecido por Doca.
Na terra natal encetou todos os seus estudos, como era costume na época, aprendendo o suficiente para enfrentar a vida. Dessa época não encontramos registros, porém, era reconhecido como homem educado, de boa leitura e lhano no trato.
Menino arguto e inteligente desde muito moço entrou no comércio e imiscuiu-se na política. É bem verdade que sua família não pertencia àquele ciclo de mando do Império, na província natal. No entanto, dinâmico e vivaz jogou-se com afinco e denodo no comércio de gêneros e cedo amealhou fortuna. Com o prestígio auferido em todas as camadas sociais, ingressou com sucesso na política partidária.
No entanto, o passo mais decisivo de sua juventude foi o casamento com a conterrânea Isabel Clementino de Carvalho, não impropriamente chamada Bela, esta sim, pertencente a velhos troncos da oligarquia e do patriarcado rural piauiense. Era filha de Benedito Ferreira de Carvalho, chefe político de São João do Piauí e de sua esposa Jesuína Clementino de Carvalho, ambos descendentes dos primeiros colonizadores e, assim, aparentados aos principais chefes políticos do centro-sul do Piauí. Assim, sem confiar muito na sorte, Raimundo Borges aliava à sua personalidade incomum, talento e carisma, os laços de casamento que supririam as suas parcas ligações de família. Estava, assim, preparado para vingar na carreira política tanto no Império quanto na República. Um futuro auspicioso o aguardava. Certamente, o velho sogro viu bem o seu talento antes de dar-lhe a mão da estimada filha.
Nessas circunstâncias, no pleito de 1888, o último do Império, lançou-se na campanha eleitoral que se travava, conquistando uma vaga de deputado provincial na Câmara Legislativa do Piauí. Era seu primeiro passo na política estadual. E para o sucesso nas urnas foi primordial o apoio da família de sua esposa, sobretudo do sogro, que jogou as suas fichas no genro promissor. Seu desempenho se fez notar nos trabalhos legislativos, sendo relator da Comissão de Fazendas e Poderes, quando encaminhou projeto autorizando o presidente da província a suspender a cobrança da dívida ativa proveniente de imposto de escravos. Porém, a 20 de novembro do ano seguinte, cinco dias depois da Proclamação da República, seria dissolvida a Assembleia Legislativa Provincial. Nessa mesma data ele e mais outros parlamentares assinam manifesto de adesão à forma republicana de governo.
Com a dissolvição também das Câmaras Municipais e constituição da nova ordem republicana, foi ele nomeado membro do Conselho de Intendência de São João do Piauí, em 20 de junho de 1890. Nessa gestão, passou a atuar juntamente com Herculano Ferreira de Carvalho, este como presidente, e mais adjuntos João José de Moura Leal e Sérgio Ferreira de Carvalho, tendo por substitutos Benjamin José de Maria e Fernando Drumond de Carvalho, ao menos três deles seus parentes afins.
Porém, um golpe fatal iria atingir-lhe profundamente, no ano de 1890. Perde a jovem e inditosa esposa, nos trabalhos de parto do primeiro filho, Pedro Borges da Silva, que, mais tarde, seria parlamentar e magistrado de raro talento, além de ministro do Tribunal de Segurança Nacional.
Tempos depois, Doca Borges convolaria novas núpcias com Janoca Borges, distinta senhora que bem soube apoiar a carreira política do esposo, então chefe político de Floriano (O Apóstolo, órgão da União Popular, 30.10.1910).
Logo mais, Doca Borges retorna à Assembleia Legislativa, sendo um dos constituintes signatários da Constituição de 1892 e permanecendo no parlamento estadual, com pequenos interregnos, até 1937, em diversas legislaturas consecutivas, permeadas por dois mandatos de vice-governador do Estado. Firmou-se, assim, como a principal liderança do sul do Estado, sendo elemento decisivo em todos os pleitos eleitorais que então se travaram. Era um coronel que influenciava outros coronéis.
Para melhor desenvolver suas atividades comerciais e firmar sua liderança política, transferiu seu domicílio para a cidade de Floriano, fundada em 1890, no antigo Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, sendo elevada à categoria de cidade, pela Lei n.º 2, de 8 de julho de 1897. E naquela época, para ali corria gente de toda a parte, entre as quais comerciantes, fazendeiros, agricultores, advogados, médicos, jornalistas e aventureiros de toda matiz. Todos queriam tentar a sorte e crescer com o novo centro urbano que se formava na beira do rio Parnaíba, embalado com o progresso da navegação que então se incrementava. De fato, em poucos anos a cidade de Floriano ascendia comercialmente e passava a liderar a vida política, social e econômica de todo o sul do Piauí e Maranhão. Em seu porto chegavam periodicamente as mercadorias nos vapores, para serem distribuídas em lombo de animais pelo sertão a dentro. Nesse aspecto, tomou e expandiu uma liderança que até então era da vizinha cidade de Amarante. Ora, a esse movimento migratório não poderia ficar alheio o jovem empresário e político de São João do Piauí. Viúvo e com um filho pequeno, fez as malas, reuniu os pertences e mudou-se com extensa parentela para o novo núcleo urbano que então se formava. Cidadão já abastado em face do trabalho árduo e meticuloso, logo que chegou ao novo domicílio abriu grande casa comercial e passou a atuar com destaque.
Com o sucesso financeiro e boas relações sociais, seria um passo natural assumir a liderança política da nova cidade, sobretudo porque ali não tinha famílias enraizadas, vez que o lugar era novo e, assim, todos eram chegantes, embora os naturais da região levassem vantagens sobre os forasteiros de lugares ignotos. Ele levava essa vantagem porque era rico, natural da região sul e bastante conhecido, vez que exercia o mandato de deputado estadual. Por outro lado, a lhaneza no trato, a probidade, a elegância no falar e no vestir, e a palavra firme, desde cedo sedimentou relações sociais com a gente da cidade nascente e com os comerciantes, fazendeiros, fornecedores e coronéis de outras plagas circunvizinhas. Pois, Doca Borges passou a ser uma referência em Floriano. Era homem de fino trato.
Consolidando uma liderança que nunca sofreu abalos, foi eleito para o cargo de intendente municipal de Floriano, em duas oportunidades consecutivas, nos pleitos travados em 1904 e 1908, para os quadriênios 1905- 1909 e 1909-1913, realizando profícua gestão em todos esses períodos. A esse respeito é interessante o relato de um jornal da vizinha cidade de Oeiras, em 1910, dirigido por Orlando Barbosa de Carvalho:
“FLORIANO
‘Esta cidade, cada vez mais, vai adquirindo um desenvolvimento progressivo em todos os ramos da atividade humana, que nela está claro, no momento atual se abraçam e se cultivam.
‘Seu comércio continua próspero, florescente, animador.
‘Os gêneros, principalmente, os de exportação, reputam-se muito bem, gozando os mais elevados preços do mercado.
‘De quando em quando, fundam-se novas casas de estabelecimento mercantil, e visitam-na caixeiros que se retiram satisfeitos, cônscios da crescente prosperidade que a impulsiona e lhe vaticina, para breve uma posição vantajosa e invejável, entre as cidades mais elevadas do Piauhy.
‘Pode-se dizer, sem receio de contestação, que Floriano, além de construir, presentemente, o empório comercial do Estado, é o ponto principal para onde convergem, se vale a expressão, os incansáveis peregrinos da fortuna.
‘O movimento do porto também se faz notar pela frequência e presteza dos vapores que executam a navegação fluvial.
‘De cima, do alto Parnahyba, chegam constantemente inúmeras balsas, que abastecem o mercado com os produtos de primeira necessidade.
‘Do interior, entram, igualmente, quase todos os dias, grandes comboios carregados de borracha de maniçoba, coros, cera de carnaúba e quejandas faturas das indústrias extrativas e agrícola, as mais amparadas e, com afinco, exploradas entre nós.
‘E o escambo, a troca, a permuta, o comércio, enfim, realiza-se em meio de geral e ruidosa animação.
‘A casa da feira, graças aos ingentes esforços do Intendente e chefe político, coronel Raimundo Borges da Silva, é, talvez, a melhor, mais sólida e elegantemente construída, de todas as suas congêneres existentes neste Estado.
‘Vasta, cômoda, arejada, limpa, a ela aflui, numa movimentação constante, crescida, numerosa, a turba imensa dos que mourejam tenazmente, na luta pela vida.
‘..............”
(Correio de Oeiras, 28.2.1910)
Foi assim com a ascensão econômica da jovem cidade de Floriano e de seu líder que soube crescer com a cidade, que esta também projetou-se no cenário político do Piauí. Com Doca Borges, Floriano ascendeu a uma liderança invejável na política piauiense, que continuou com seus sucessores imediatos e foi esmaecendo com o passar do tempo. Como mostra do prestígio de que gozava Doca Borges entre seus pares, foi eleito presidente da Assembleia Legislativa, em 1908 e reconduzido ao mesmo cargo em 1910, permanecendo assim na chefia daquele poder durante toda a legislatura 1908 – 1912.
Para bem aferir seu poder na política florianense, faz-se interessante ler, embora a contrário sensu, essa nota publicada por adversários no jornal O Apóstolo, de Teresina, cujo editor-chefe era o aguerrido Elias Martins:
“O ROUBO FISCAL
‘Colônia, já tristemente célebre por constantes e assombrosos crimes de homicídio, nos quais tem sido magna parte a polícia. – iniciou francamente o roubo fiscal.
‘O sr. coronel Doca Borges abrindo todas as represas ao gênio maléfico do seu sobrinho – o desalmado Carlindo, ... deixa que a vida e a propriedade dos adversários políticos fiquem à discrição de um perverso, capaz de todos os excessos.
‘Colônia gozava da fama de terra pacífica, entregue a um senhor de bom gênio. De fato, enquanto Carlindo residiu longe daquela cidade, as cousas corriam calmamente.
‘E não há para quem apelar!
‘Agora mesmo o governador indeferiu uma petição de Hermano Brandão e outros recorrendo contra iníquos e revoltantes lançamentos. O malvado triplicou-os de ano para ano e o César pigmeu os encampou.
‘O senr. Doca Borges julga-se nos cornos da lua e não pensa no dia d’amanhã.
‘Lembramos, apenas, ao donatário de Colônia que o poderio dos déspotas é sempre efêmero e custa muitos dissabores ...”. (O Apóstolo – Órgão da ‘União Popular’, Theresina, 23.7.1911).
O major Carlindo Nunes, de que faz referência a matéria era, de fato, sobrinho do coronel Doca Borges e acumulava em Floriano, as funções de delegado de polícia e coletor das rendas estaduais. Era um homem enérgico e destemido, tendo sido o comandante de tropas revolucionárias, nas duas vezes em que o tio precisou enfrentar a polícia estadual e garantir a posse de correligionários no governo do Estado, respectivamente, em 1912 e 1916. Por seu turno, o coronel Hermano Brandão, de que faz referência a matéria, era também uma figura expressiva do comércio e da política em Floriano, militando nas trincheiras oposicionistas e chegando a ocupar o cargo de deputado estadual (1916 -1920).
No entanto, em 1912 o coronel Borges renunciou ao mandato para assumir o cargo de vice-governador do Piauí, para o qual fora eleito em dobradinha com o governador Miguel Rosa, pela legenda do Partido Republicano Conservador(PRC). Depois do pleito eleitoral, tiveram sua eleição reconhecida pela Câmara Legislativa, como era costume na época em que ainda não existia Justiça Eleitoral, na sessão de 15 de junho de 1912. E a posse deu-se em 1º de julho daquele ano. No entanto, esse reconhecimento não se deu sem atropelos. O candidato da oposição, ex-governador Coriolano de Carvalho e Silva, também foi declarado eleito, tendo havido cisão na Assembleia Legislativa e duplicação de atas. E porque Coriolano veio do Rio, por via marítima e fluvial, tomar posse, contando com ampla simpatia no seio da corporação militar, formou-se “Batalhões Patrióticos”, no interior do Estado, sob a liderança de coronéis, inclusive em Floriano, onde Doca Borges confiou a organização da tropa ao seu sobrinho Carlindo Nunes. Felizmente, quando já se encontrava em União, próximo a Teresina, Coriolano teve sua licença militar cassada e é convocado a retornar ao Rio, evitando-se assim derramamento de sangue, sendo empossado Miguel Rosa e seu vice Raimundo Borges.
Em seguida, estrategicamente o coronel Borges requereu um ano de licença para gozar dentro ou fora do Estado, que lhes foi concedida pela Lei n.º 740, de 21 de junho de 1913. E, assim, de forma sábia retornou para a sua cidade de Floriano. O seu embarque no cais do rio Parnaíba, foi muito prestigiado por autoridades e correligionários, conforme noticiou o jornal Diário do Piauí, Órgão Oficial dos Poderes do Estado:
“CORONEL BORGES – Tomou passagem no vapor ‘Joaquim Cruz’ para a cidade de Floriano, onde é real influência política, o exm. Sr. coronel Raimundo Borges da Silva, acatado vice-governador do Piauhy.
‘Ao meio dia de ante-hontem, crescido número de amigos de s. exc.ª, entre os quais os exmos. srs. drs. Antonino Freire e Miguel de Paiva Rosa, preclaro governador d’este estado, partiu do Palácio do governo e foi à rua Coronel Lysandro Nogueira, d’onde acompanhou o notável político até o cais de embarque, onde tocou a banda do corpo militar de polícia, e deu guarda de honra este mesmo corpo, sob o comando geral do sr. tenente coronel dr. Antonio da Costa Araújo.
‘Ao porto, afluiu grande massa popular, sendo delirantemente aclamados os drs. Miguel Rosa, Antonino Freire e coronel Raimundo Borges.
‘O ‘Diário’, onde este distinto piauhyense conta gerais sympatias, deseja-lhe ótima jornada, ao mesmo tempo que faz votos pela sua felicidade pessoal” (Diário do Piauí, Therezina, domingo, 7 de julho de 1912).
Ainda como sinal de seu prestígio, vejamos essa nota veiculada no referido jornal Diário do Piauhy, edição de 28.5.1914:
“CORONEL RAIMUNDO BORGES
‘Com destino a esta capital embarcou em Floriano, ontem, o exmo. sr. coronel Raimundo Borges da Silva, preclaro vice-governador d’este estado. Político de alto prestígio e de real influência naquela cidade, onde reside e no seio do PRC piauhyense que o vê como um dos fortes, destemidos e valorosos vultos das suas fileiras, muito agradável é-nos, sem dúvida, essa auspiciosa notícia da próxima chegada de s. exc., a esta capital, onde os seus numerosos amigos e correligionários aguardarão, ansiosos, o grato momento do fraternal abraço.
‘Sabemos que o exmo. sr. dr. Miguel Rosa e o PRC piauhyense preparam entusiásticas e merecidas festas em homenagem ao conspícuo e valoroso chefe, digno vice-governador do estado, que muito nos desvanece com a sua honrosa visita”.
O mesmo jornal, na edição de 31 de maio, assim relatou a chegada do vice-governador e chefe político de Floriano, que veio para assumir o governo do Estado:
“CORONEL RAIMUNDO BORGES
‘Conforme era ansiosamente esperado, chegou ontem de Floriano a esta capital o exmo. sr. coronel Raimundo Borges da Silva, preclaro vice-governador do estado. O vapor em que viajava s. exc., devido às dificuldades da navegação do Parnahyba, nesta época, atrasou-se algumas horas, de sorte que só pelas nove horas da noite veio aqui aportar. A essa hora já uma grande multidão estacionava no cais, notando-se lá o comandante, e toda a oficialidade do corpo militar de polícia, deputados estaduais, funcionários públicos, comerciantes, altas patentes da guarda nacional, representantes da imprensa e um número avultado de membros do PRC piauhyense, que foram dar as boas vindas ao insigne político e digno vice-governador do estado. S. exc. sr. dr. Miguel Rosa, por incômodo de saúde deixou de ir ao porto, fazendo-se, porém, representar pelo seu oficial de gabinete, dr. Júlio Rosa que cumprimentou, em nome do governo, ao coronel Raimundo Borges, que, depois de receber saudações dos demais amigos, seguiu acompanhado de todos eles para o ‘Hotel 15 de novembro’ à rua dr. Álvaro Mendes, onde lhe fora preparada condigna hospedagem.
‘No cais de desembarque e em frente ao Hotel a banda policial executou variadas peças de boa música.
‘No ’15 de Novembro’ serviram-se finas bebidas e até depois de 10 horas da noite ainda grande era o número de pessoas que lá se achavam.
‘Às ordens do exmo. sr. coronel vice-governador do estado foi posto o 2º tenente Joaquim Fialho como seu ajudante de ordens.
‘Depois que assumiu o seu honroso cargo, a 1º de julho de 1912, é a primeira vez que Theresina tem a honra da visita de s. exca. sr. coronel Raimundo Borges, a quem o ‘Diário do Piauhy’ rejubila-se em apresentar as suas respeitosas saudações de boas vindas” (Diário do Piauhy, Theresina, domingo, 31 de maio de 1914).
Na edição de 12 de junho daquele ano, comunica o mesmo órgão de imprensa uma notícia que diz bem do objetivo de retorno do vice-governador à Capital. Informa que naquele dia, ao meio dia, o governador Miguel Rosa, por motivo de moléstia que lhe acometia há vários dias, passaria o governo ao vice e se retiraria, em gozo de licença, para a cidade de Campo Maior, onde se demoraria em estado convalescente por algum tempo.
De fato, na qualidade de vice-governador em exercício, o coronel Raimundo Borges da Silva, governou o Piauí, no período de 12 de junho de 1914 a 8 de fevereiro de 1915, portanto, por praticamente oito meses consecutivos. Foi um período áureo de sua vida pública e, também, uma demonstração inequívoca da ascensão política da jovem cidade de Floriano.
No entanto, apesar desse bom relacionamento inicial, no pleito travado em 1916, Doca Borges rompe com o governador Miguel Rosa para apoiar a candidatura governamental de seu pupilo Eurípedes de Aguiar, a quem havia recebido como jovem médico em Floriano e elegido intendente municipal em sua sucessão. Agora que o governador Miguel Rosa patrocinava em sua sucessão, a candidatura do advogado Antônio José da Costa, o vice-governador Doca Borges, juntamente com o ex-governador Antonino Freire, apresentavam a candidatura oposicionista do médico Eurípedes de Aguiar, cunhado de Antonino e parente da primeira esposa de Doca Borges. No pleito realizado em 7 de abril daquele ano, novamente ambos os grupos políticos proclamaram-se vitoriosos, dividindo-se a Câmara Legislativa no reconhecimento dos mesmos, chegando ao cúmulo de realizaram sessões distintas e fazerem duplicações de atas de sessões legislativas.
Foi quando novamente valeu o pulso firme do coronel Doca Borges, que arregimentou seguidores e formou os batalhões para marcharem à Capital, a fim de darem posse aos oposicionistas, fazendo, assim, valer a decisão da Câmara que os reconheceu na sessão de 5 de junho de 1916. Na esteira de seu gesto viril, também formaram-se batalhões com o mesmo objetivo no centro e no norte do Estado, todos marchando incontinenti para a Capital. O governador Miguel Rosa, temendo um ataque, fortificou o palácio governamental e reuniu homens, enquanto parte da população civil, na iminência do conflito armado, refugiou-se na vizinha cidade de Flores, hoje Timon, no Maranhão. Felizmente, o conflito não se travou porque o ex-deputado federal e diplomata Félix Pacheco, em 24 de junho, conseguiu no Supremo Tribunal Federal, uma ordem de habeas-corpus. Em consequência, os deputados estaduais partidários de Eurípedes de Aguiar, que estavam afastados dos trabalhos legislativos, puderam reassumir seus respectivos cargos e, assim, o fazendo em sua maioria reconheceram definitivamente o mandato do oposicionista. Em contrapartida, o governador Miguel Rosa abandona o Palácio do Governo e refugia-se no Quartel do Exército, ao tempo em que os batalhões improvisados adentram a capital apoteoticamente e em paz, porque a causa que defendiam já havia alcançado a vitória. Na sessão solene de 1º de julho de 1916, tomam posse perante a Assembleia Legislativa, o governador Eurípedes Clementino de Aguiar e seu vice Gervásio Pires de Sampaio, este militar (capitão de corveta) e político residente em Buriti dos Lopes, no norte do Estado. Havia ele anteriormente sucedido o Engenheiro Antônio José de Sampaio, como arrendatário das Fazendas Nacionais e administrador da Fábrica de Lacticínios de Campos, hoje Caminas do Piauí.
Como resultado desses sucessos o coronel Raimundo Borges da Silva, velho Doca Borges, consolidou-se como um dos nomes mais prestigiosos da política piauiense. Na sessão de 4 de julho daquele ano de 1916, foi eleito pela Câmara Legislativa, para integrar o Tribunal Especial do Estado, onde passou a atuar ao lado dos desembargadores Helvídio Clementino de Aguiar (pai do governador recém-empossado), Arlindo Francisco Nogueira (ex-governador) e dos coronéis Gervásio de Brito Passos (de Piracuruca) e Franklin Gomes Veras (de Parnaíba), tudo gente da nova entourage governamental.
No entanto, com a abertura de cinco vagas extemporâneas foi ele novamente eleito para o cargo de deputado estadual em pleito travado dia 7 de abril de 1918, para complementar a legislatura que iniciara em 1916 e se findaria em 1920. Nesse pleito atípico, foram também eleitos para as demais vagas remanescentes, os senhores deputados Tertuliano Brandão Filho(de Pedro II), Firmo Borges da Silva(negociante, residente em Teresina, era irmão do coronel Doca Borges, porém, acompanhou a oposição), Ângelo Acylino de Miranda(de São Raimundo Nonato) e Benedito Martins Sá (de Oeiras).
Ainda, com a posse do governador Eurípedes de Aguiar foi o jovem advogado Pedro Borges da Silva, filho do aludido coronel Borges, nomeado para o cargo de Secretário de Estado de Polícia, de onde foi transferido em 5 de setembro de 1917, para a Secretaria de Governo, em substituição ao Dr. Francisco Pires de Castro, que pediu exoneração para seguir sua carreira na magistratura. Em 1919, este passou a acumular o cargo interinamente com o de Secretário de Fazenda, em substituição ao Dr. Lucrécio Dantas Avelino, que havia sido nomeado para o Tribunal de Justiça. E no exercício destes cargos permaneceu o Dr. Pedro Borges, durante o governo seguinte, até 9 de dezembro de 1922, quando foi nomeado substituto do Juiz Federal, sendo ali substituído por Daniel Paz. Em 17 de fevereiro de 1924, o Dr. Pedro Borges vai eleito deputado federal, permanecendo no exercício do cargo, sucessivamente reeleito até a Revolução de 30.
Por seu turno, sendo reeleito para a legislatura que se iniciava em 1920, novamente o coronel Raimundo Borges da Silva teve de renunciar a esse novo mandato. Mais uma vez fora convocado pelo Partido para ajudar firmemente, como era de seu costume, numa campanha governamental. Em 7 de abril de 1920, foi novamente eleito vice-governador do Piauí, com 7.184 votos, integrando a chapa do jovem governador João Luís Ferreira, que obteve 7.191 votos. Esses candidatos foram reconhecidos pela Câmara Legislativa, na sessão de 4 de junho daquele ano, para o quatriênio 1920 -1924, tomando posse em 1º de julho daquele ano. Esse jovem governador era irmão do diplomata Félix Pacheco e, assim, sua eleição tendo como companheiro de chapa o velho coronel do sul do Estado, não deixava de ser um reconhecimento do governador Eurípedes de Aguiar, à ação dos mesmos em sua eleição e no reconhecimento de seu mandato, assim como na garantia de posse, cada um fazendo a sua parte.
Coronel moderno, para divulgar suas ações políticas Doca Borges fundou em 1925, o jornal Floriano, para fazer frente aos veículos de imprensa que lhe faziam oposição. Nessa altura, era o braço firme nas eleições do filho para a câmara federal e nas eleições da Intendência, em Floriano, ungindo apadrinhados.
Encerrado o mandato de vice-governador em 1924, o coronel Raimundo Borges da Silva ainda retornaria à Assembleia Legislativa, sendo eleito no pleito de 14 de outubro de 1934, diplomado pelo Tribunal Regional Eleitoral em 28 de março do ano seguinte, para a Constituinte de 1935. Foi eleito por seus pares para a vice-presidência daquele poder, cujo mandato perdurou até o Golpe de Estado de 10 de outubro de 1937, que instituiu o Estado Novo. Era, então, provavelmente o político mais longevo do Piauí, tendo participado de duas Assembleias Estaduais Constituintes.
Assim, afastado da vida pública em face do período ditatorial em que vivíamos, faleceu o coronel Raimundo Borges da Silva, em 20 de junho de 1946, com 87 anos de idade, na cidade de Floriano, sua terra adotiva e que ele ajudou a construí-la, tornando-se seu grande benfeitor. Ficam essas notas como registro de sua memória.
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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Atual presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Contato: [email protected]