Antiga planta da cidade de Oeiras
Antiga planta da cidade de Oeiras

Reginaldo Miranda[1]

 

Foi um dos vultos biografados pelo pioneiro Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, em seus Apontamentos biográficos..., que tivemos a honra de reeditar depois de mais de cem anos da primeira edição, quando ocupamos a presidência da Academia Piauiense de Letras. Nasceu ele no ano de 1793[2], na cidade de Oeiras, filho do capitão-mor Francisco Antônio Mendes, natural da freguesia de N. Sra. das Neves, termo da cidade de Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel, Bispado de Angra, nos Açores, e de sua esposa Maria do Rosário de Sousa Martins Mendes. Neto materno de Ana Rodrigues de Santana e de seu esposo Manuel de Sousa Martins, também natural dos Açores, falecido em 1784; Bisneto de Domiciana Vieira de Carvalho e de seu esposo Valério Coelho Rodrigues, este natural da freguesia de São Salvador do Paço de Sousa, Bispado do Porto, filho de Domingos Coelho e Águeda Rodrigues. Trineto do paulista Hilário Vieira de Carvalho, o velho, e da baiana Maria do Rego Monteiro.  Tetraneto de José Vieira de Carvalho e Maria Freire da Silva, paulistas de origem portuguesa, que se estabeleceram na bacia do rio Canindé, no verão de 1719, todos eles abastados fazendeiros e pioneiros na colonização do Piauí.

Seus estudos foram realizados na cidade de Oeiras, então capital do Piauí, sob a orientação dos genitores e de padres que ministravam aulas em cursos irregulares naquela cidade. Aprendeu o suficiente para exercer com desenvoltura os mais diversos postos militares e cargos na vida administrativa e parlamentar do Piauí.

Passou a juventude auxiliando o pai nos negócios das fazendas, de cuja atividade nunca se ausentou completamente.

Porém, com vocação para a carreira militar, em 16 de dezembro de 1815, sentou praça de alferes da segunda linha do Exército. Em 12 de julho de 1821, foi promovido ao posto de capitão do mesmo regimento. No exercício desse posto prestou relevantes serviços à pátria por ocasião da Guerra da Independência, participando ativamente de todo o movimento bélico, inclusive, “assistindo em 1823, no forte do Alecrim, em Caxias, à rendição das forças portuguesas, que, corridas do Piauí, ali se tinham acampado e fortificado sob o comando do governador das armas da província, major João José da Cunha Fidié”[3].

Na vida militar prestou relevantes serviços em tempos de guerra e responsabilizou-se por diversas diligências em tempos de paz. Por exemplo, em 13 de setembro de 1831, era capitão do batalhão n.º 20 de caçadores de 1ª linha do exército do Brasil, quando foi autorizado a conduzir preso um militar para o comando das armas do Maranhão[4].

No período de 1836 a 1839, ocupou o cargo de comandante do corpo de municipais permanentes ou polícia provincial, criado pela resolução provincial n.º 13, de 25 de junho de 1835. A nomeação foi feita pelo presidente da província, seu tio materno, Manuel de Sousa Martins, o barão, depois visconde da Parnaíba, que muito lhe protegeu e orientou no início da vida profissional.

Por esse tempo, foi eleito em oportunidades diversas para  os cargos de vereador da câmara municipal de Oeiras e eleitor de paróquia.

Porém, com a eclosão da Balaiada, movimento social que sacudiu as províncias do Meio-Norte do Brasil, voltou a notabiizar-se nas frentes de batalha, tomando parte ativa nos combates aos insurretos, tanto no território do Piauí quanto do Maranhão, inclusive nos combates travados em Caxias. “Em nosso estado, fez ele toda a campanha, em princípios sob o comando do tenente-coronel Manuel Clementino de Sousa Martins, depois comandando ele próprio as forças legais no posto de capitão e mais tarde sob o comando do tenente-coronel José Feliciano de Moraes Cid”[5].

Em face de seu desempenho no conflito e dos relevantes serviços prestados, foi promovido ao posto de major do exército, por ato de 12 de novembro de 1842, com antiguidade de 18 de julho de 1841. Também, foi condecorado com as comendas das ordens de São Bento de Avis e de Cristo, assim como a medalha de oficial do Cruzeiro. Sobre aspectos de sua personalidade colhemos na imprensa, a seguinte nota:

 

“Extinta a luta, dedicou-se à política,assumindo as funções de chefe do partido conservador, posto que exerceu por muitos anos, manifestando sempre qualidades de fina sagacidade e muito tino. Durante a sua carreira política, alcançou todas as honras e distinções com que pode sonhar um homem público, sentindo sempre em torno do seu nome uma atmosfera simpática de admiração e respeito.

‘A respeito de sua lealdade contam-se episódios interessantes. Certa vez, tendo tido de um presidente, seu parente íntimo, a formal promessa de um emprego para um seu correligionário com quem havia, fiado na promessa, tomado sério compromisso, viu, com surpressa, recair a nomeação em pessoa diferente. Indignado com o fato, dirigiu-se à casa do presidente, a quem, inquirindo sobre o caso e dele obtendo certeza a respeito do mesmo, aplicou diversas bengaladas, que foram presenciadas por muitas pessoas presentes.

‘Passagens outras de sua vida, em que se patenteiam a sua coragem e energia, reproduzem ainda aqueles dos nossos patrícios mais antigos, que na infância alcançaram Souza Mendes, já velho e quase cego”[6].

Foi eleito deputado provincial nas legislaturas iniciadas em 1842 e 1844. Na primeira legislatura, foi relator da comissão especial, oportunidade em que apresentou parecer favorável à indicação de três membros daquele poder para ir à corte cumprimentar o imperador D. Pedro II, por ocasião de seu casamento. Posteriormente, tendo integrado aquela comitiva viajou para a corte do império, então no Rio de Janeiro, em cuja viagem demorou-se desde setembro de 1843 a abril do ano seguinte. Na segunda legislatura, ocupou o cargo de vice-presidente da mesa diretora; e na sessão de 5 de agosto  de 1845, apresentou requerimento que foi aprovado em plenário, exigindo informações sobre negócios da fazenda provincial relativos ao exercíco fianceiro do ano anterior.

Concomitantemente a esses mandatos parlamentares, também ocupava o mandato de deputado provincial seu irmão, o capitão Francisco de Sousa Mendes. O então major Antônio de Sousa Mendes foi sucedido na assembleia legislativa provincial pelos filhos Simplício de Sousa Mendes, Antônio de Sousa Mendes Júnior, Antônio Gentil de Sousa Mendes e Pedro Augusto de Sousa Mendes, que foram eleitos para diversas legislaturas.

Paralelamente à atividade política, nunca abandonou a carreira militar. A esse respeito, encontramos interessantes registros em periódicos do Maranhão, onde se encontrava prestando serviços. Na forma do aviso do ministério da guerra de 25 de setembro de 1845 e portaria do presidente da província de 11 de junho de 1847, foi-lhe concedido cinco meses de licença do posto de major do corpo de caçadores do Piauí, a fim de ir tomar assento no cargo de deputado da Assembleia Legislativa do Piauí, de que era membro eleito. Em 1849, então tenente-coronel graduado da 2.ª classe do estado maior do exército, exercia o cargo de presidente do Conselho de Guerra. Obteve licença para vir morar no Piauí, pois prestava serviço no Maranhão[7].

Por ato de 12 de dezembro de 1847, foi promovido ao posto de tenente-coronel graduado, com antiguidade de 7 de setembro do mesmo ano. Mais tarde, por ato de 12 de novembro de 1860, passou ao posto de tenente-coronel efetivo e, finalmente, por ato de 19 de novembro de 1861, foi reformado no posto de coronel do exército brasileiro.

Sobre seu procedimento militar, encontramos a seguinte nota defendendo-o de atos arbitrários e perseguições patrocinadas pelo então presidente da província do Piauí, Dr. Antônio Correia do Couto[8]:

 

“Os Snrs. Tenentes Coronéis Antônio de Souza Mendes, Assistente do Ajudante General, e Francisco Joaquim Ferreira de Carvalho, comandante do meu batalhão, têm dado exuberantes provas de coragem pelo sangue frio e impossibilidade com que afrontam metralhada de desconsideração e menosprezo, com que o estulto presidente provoca-os a atos de indisciplina, com que os quais possa coonestar a exigência de suas demissões. Soldados da independência, cobertos de feridas e de distinções honoríficas, que nunca sombrearão o peito do colonizador de Mato Grosso, os Srs. Mendes e Carvalho não podem esperar dos ilustrados Srs. Ministros da guerra e Ajudante General do exército senão o reconhecimento da inteireza com que cumprem seus deveres.

‘Lemos em uma das folhas da província a correspondência do Ajudante General com a presidência; louvamos o estilo sisudo e respeioso com que o Sr. Tenente-Coronel Mendes satisfaz as impertinentes questões que o presidente suscita-lhe a cada momento, ainda acerca de cousas que não estão na alçada desse velho servidor do Estado.

‘Quarenta anos de vida militar,  e o trato de homem das mais elevadas hierarquias são a escola em que o Tenente Coronel Souza Mendes tem aprendido a aparar os golpes de um basbaque enfrascado na toga da primeira autoridade”[9].

 

Voltando à política, nas eleições travadas em 1852, foi Antônio de Sousa Mendes eleito deputado geral pelo Piauí, hoje correspondente ao cargo de deputado federal. Também, integrou uma lista tríplice senatorial por sua província e ocupou os cargos de vice-presidente da província e comandante das armas ou assistente do ajudante general do exército.

Para completar os traços, segue nota do biógrafo Miguel Borges:

 

“No tempo da presidência do Exmo. Sr. Conde do Rio Pardo[10], em 1845, por ocasião do cerco da cidade de Oeiras, feito por mais de quatro mil pessoas armadas, Antônio de Sousa Mendes concorreu, mui eficaz e ativamente, para o feliz acordo a que chegaram as forças sitiantes, depois de alguns dias de assustadoras agitações; porquanto, tendo se retirado para fora da cidade, como pediam ao Visconde da Parnaíba, e sendo atendidos ainda em outras providências que exigiam do administrador da província, depuseram as armas pacificamente, sem que houvesse dado o derramento de uma só gota de sangue!”[11].

Faleceu o coronel Antônio de Sousa Mendes, na cidade de Teresina, onde passara a residir, em 13 de abril de 1871, com 78 anos de idade, sendo sepultado no cemitério local. Por ocasião de seu velório e sepultamento recebeu diversas homenagens e todas as honras militares a que tinha direito. O óbito foi assim noticiado no Publicador Maranhense, de São Luiz do Maranhão:

 

“Theresina 4 Abril de 1871.

‘Mais uma vítima caída aos golpes da morte inexorável e tremenda!

‘Depois de dolorossos sofrimentos deu ontem alma ao Criador na idade de 78 anos o venerando ancião, coronel Antonio de Souza Mendes, filho do capitão-mor Francisco de Souza Mendes[12], e de sua mulher Maria do Rosário de Souza Martins Mendes, falecidos, natural do município de Oeiras e membro de uma das mais distintas e numerosas famílias desta província, onde sempre gozou de geral estima e distinta consideração pelos seus serviços e importância.

‘O ilustre finado, dedicando-se à carreira das armas, onde prestou relevantes serviços à província e ao país, que lhe mereceram a comenda de Cristo e os hábitos do Cruzeiro e de S. Bento d’Aviz, ainda vigiroso e forte foi obrigado a reformar-se no posto de coronel, contando mais de 35 anos de serviço, por ter sido acometido de catarata, que ultimamente o havia privado da vista quase completamente.

‘Assistiu e fez o movimento da independência nesta província com seus tios o falecido visconde da Parnahiba e o coronel Joaquim de Souza Martins e muitos outros piauienses distintos.

‘Foi por muitos anos comandante da guarnição na antiga capital; - por muitas vezes deputado provincial, deputado geral em uma legislatura, fez parte de uma lista tríplice para senador, sendo votado em segundo lugar, e por espaço de três anos ocupou nesta província o lugar de assistente do ajudante general.

‘Espírito reto e elevado, não podendo conformar-se com o governo do visconde da Parnahiba, seu tio, quase sempre colocou-se em oposição a todos os seus atos pouco regulares, pelo que sofreu reiteradas contrariedades na sua carreira, sendo obrigado a demorar-se por 4 anos no Rio de Janeiro, onde respondeu a conselho de guerra em consequência de repetidas queixas do visconde, então barão da Parnahiba e presidente da província.

‘Foi sempre apologista das ideias conservadoras, e como um dos antigos chefes do partido constitucional gozou de grande força e prestígio e influiu muito na direção dos negócios políticos.

‘Descendo ao túmulo em tão avançada idade, o coronel Mendes deixou um nome respeitado e bemquisto, numerosos amigos e apreciadores, que o recordarão sempre com saudades.

‘Vós seus dignos filhos, Drs. Simplício de Souza Mendes, Antonio de Souza Mendes Júnior e capitão Antonio Gentil de Souza Mendes, especialmente, e a todos os seus parentes em geral dirigimos nossos sinceros pêsames pelo sentido golpe que sofreram, e ao todo poderoso ardentes votos pelo seu descanso eterno.

‘Requiescat in pace”[13].  

 

Finalizando, embora às vezes tenha divergido de seu tio e grande chefe político do Piauí na primeira fase do Império, o coronel Antônio de Sousa Mendes, pode ser considerado um dos grandes próceres da oligarquia piauiense, sobretudo aquela elite política que sobressaiu na Guerra da Independência, tomando conta dos destinos da província. Seus filhos, sobretudo o médico Simplício de Sousa Mendes, vai liderar a política piauiense na segunda fase do Império, assumindo o posto  de principal  líder conservador local, aliado ao líder nacional Antônio Coelho Rodrigues, seu primo. Um filho homônimo, depois de ocupar por diversas vezes, o mandato de deputado provincial e fazer longa carreira na magistratura, vai nomeado para ministro do Supremo Tribunal de Justiça[14], mais tarde sucedido pelo primo Antônio de Sousa Martins. Portanto, dois distintos membros da mais fina oligarquia do Piauí, tomam assento na corte constitucional de justiça do Brasil, no final do Império e início da República.

 

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual, foi membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, da Comissão de História, Memória, Verdade e Justiça, assim como cofundador e presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Representa a OAB-PI na composição da Comissão de Estudos Territoriais do Estado do Piauí – CETE (17.2.2021 – 31.1.2023). É membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Contato: [email protected]

[2] Foi batizado em 3 de janeiro de 1796, recebendo por padrinhos Ignácio Francisco de Araújo Costa e d. Luísa Joaquina de Sousa. Mais tarde, em 8 de outubro do mesmo ano foi batizada sua irmã Joana.

[3] CASTELO BRANCO, Miguel de Sousa Borges Leal. Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí. 3. Ed. Coleção Centenário 3. Teresina: APL-Senado, 2014.

[4] Farol Maranhense, 20.9.1831.

[5] Diário do Piauhy, 2.6.1911.

[6] Diário do Piauhy, 2.6.1911.

[7] Publicador Maranhense, 15.6.1847; 15.2.1849; 15.2.1854.

[8] Advogado, professor e escritor. Deputado geral por Mato Grosso. Presidente da província do Piauí, no período de 24 de janeiro a 27 de junho de 1859, precedido por José Mariano Lustosa do Amaral e sucedido por Ernesto José Baptista. Faleceu em Cuiabá, em agosto de 1936.

[9] O Século, 3.9.1859.

[10] Tomaz Joaquim Pereira Valente, 1º conde de Rio Pardo (Porto, Portugal, 1790 – Rio de Janeiro, 30.8.1849). Cidadão português, depois da Independência permaneceu no Brasil assim adquirindo a nossa nacionalidade. Tomou posse do governo do Piauí em 9 de setembro de 1844 e permaneceu até 20.6.1845.

[11] CASTELO BRANCO, Miguel de Sousa Borges Leal. Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí. 3. Ed. Coleção Centenário 3. Teresina: APL-Senado, 2014.

[12] O nome do genitor foi grafado equivocadamente, sendo o correto Francisco Antônio Mendes.

[13] Publicador Maranhense, 27.4.1871.

[14] Hoje Supremo Tribunal Federal.