Conversa sobre A borda do mar de Riatla
Em: 17/08/2025, às 12H20

16ª. Obra literária de Diego Mendes Sousa, A Borda do Mar de Riatla reintroduz o leitor na paisagem marítima, no espanto, na memória. Em conversa com o Editor de Entretextos, Dílson Lages, o literato explica as matrizes da nova obra.
Dílson Lages - Refundar o tempo. Refundar o espaço. Refundar a alma pelo espanto. Estes são versos do novo livro do poeta Diego Mendes Souza, sua 16ª obra, A Borda do Mar de Riatla. Diego, você já disse reinteradas vezes que sua poesia traduz o espanto diante do mundo, o espanto diante das emoções, o espanto diante das coisas. Como e com o quê se espantarão os leitores de A Borda do Mar de Riatla?
Diego Mendes Sousa - Muito boa pergunta, Dilson. Eu escrevi um livro de poemas cujo título registra o poder do instante na manifestação da grande poesia, da alta poesia que reconhece os dramas humanos. Esse título se chama Agulha de Cozer o Espanto. É meu livro anterior, é o livro anterior a A Borda do Mar de Riatla. E eu tenho aqui em mãos o Roland Barthes, um livro intitulado O Prazer do Texto. E ele, nesse livro ele diz assim: “Eu me interesso pela linguagem porque ela me fere e ela me seduz”. (Vejam, eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz.
A poética contida em A Borda do Mar de Riatla é singular. Eu faço uso da linguagem como um tecido vivo dos sentimentos, porque o texto é tecido, o poema é tecido, o poema é cozido pelo poeta. E como poeta, estou sempre próximo do meu leitor.
O que eu quero com a poesia é comover. E somente movemos o outro quando expressamos a verdade. Por isso que Goethe diz que “a verdade é beleza” e Keats nos arrasta ferozmente quando diz: "Beleza é verdade, verdade é beleza — isso é tudo o que você conhece na Terra e tudo o que você precisa saber", ..
Eis tudo que sabes na terra e tudo que precisas saber. Vejam, eis tudo que sabes na terra e tudo que precisas saber. “Beleza é verdade, verdade é beleza”.
Minha dicção, então, é um canto telúrico, lírico e universal, pontuada, mágica e bebida na fruição do espanto. Esse espanto que gera a comoção, que é a comoção do instante.
Dílson Lages - A proporção que você ia respondendo, ia me ocorrendo aqui uma reflexão que não estava aqui no script da nossa conversa. Mas tem tudo a ver com o espanto. Esse seu espanto surge naturalmente em termos de criação ou esse espanto é um espanto gestado aí no seu inconsciente pela perseguição obsessiva da palavra? Dito de outra maneira, a sua poesia nasce da espontaneidade dos sentimentos e das associações que esse sentimento permite criar espontaneamente pela linguagem ou ela nasce do domínio das figuras? (Ela nasce do domínio da linguagem em si? Ela nasce da palavra para o sentimento e não do sentimento para a palavra? Como é que é essa história, Diego?
Diego Mendes Sousa - Eu sempre, Dilson, estive perto do pensamento, do grande pensamento. Estive próximo aos filósofos. Eu sempre li muita filosofia e, paralelo a isso, eu sempre fui um leitor de dicionários. Então, estudei também muita gramática para poder me tornar um escritor. Mas antes de ser um escritor, eu me descobri poeta.
Poeta é de nascimento. Se nasce poeta, todos nós temos o poder da poesia, mas só alguns conseguem encontrar essa fruição que vem do interior, que vem do sentimento. Então, é muito natural.
Eu escrevo pela naturalidade. Eu não procuro, eu não busco, eu não racionalizo. Eu encontro a linguagem e a linguagem me busca e me encontra. Filosófico, né?
Dílson Lages - É porque tem um sentido existencial, não é, Diego? Eu fiquei encantado com o relato que você fez no lançamento do livrolá na Nova Aliança. Porque você tocou, de maneira muito espontânea, em aspectos que têm a ver com a sua construção enquanto poeta. Com a perseguição, obsessiva, entre aspas, desse objetivo como uma missão de vida. Uma missão extensiva por muitos caminhos, desde o seu processo de formação como leitor aos processos de circulação da obra, aos cuidados na busca também desse leitor, na busca da crítica. Enfim, um verdadeiro depoimento, uma aula de como se inserir no sistema literário, que é também uma tarefa muito importante. Não basta que o escritor escreva, publique, têm outros aspectos aí que estão envolvidos na construção do texto, na circulação da obra. A propósito disso, você costuma divulgar e divulgar muito bem a sua obra, (9:18) não se intimida diante da necessidade de divulgação; o autor precisa divulgar a sua obra. E eu vou, mais uma vez, sair aqui do script para fazer uma pergunta que é muito pessoal. Como é que você vê o papel do autor como divulgador da sua obra, daquilo que ele produz? (Parece que o autor tem que ser o primeiro a ter esse compromisso, não é, Diego?
Diego Mendes Sousa - Com certeza. Eu lembro aqui, Dilson, de um grande amigo chamado Benjamim Santos, um grande dramaturgo nascido lá na minha terra, Parnaíba, e ele sempre disse que eu era um marqueteiro. E eu sorria, ria daquilo e levava a sério. Sim, sou um marqueteiro, a gente tem que ser obsessivo, a gente tem que ser ousado, a gente tem que insistir.
Uma obra precisa encontrar caminhos, ela precisa encontrar leitores, só se completa nas mãos do leitor. E como a gente consegue isso? Através da divulgação, através do marketing. O escritor tem que ser o seu auto-marqueteiro, ele tem que fazer com que sua obra ande, caminhe.
E eu sempre fiz isso, eu sempre fui obstinado, eu sempre bati a porta dos grandes escritores, dos grandes críticos, dos grandes jornais. Eu sempre fui obstinado e sempre fui atrás disso. Não no sentido de querer se auto-promover ou se auto-engrandecer, (mas no sentido de encontrar leitores, de comover o outro, de criar amizades, ter relações.
Então foi assim que eu fiz o meu caminho. Eu busquei o outro. Com muita habilidade.
Dílson Lages Monteiro – Diego, mais uma vez, sua poesia filtra percepções a partir da paisagem marítima. Você não cansa de falar dessa paisagem marítima. Eu, já falando outras vezes sobre sua poesia, disse que era uma poesia duna, uma poesia mar, uma poesia onda, enfim, uma poesia que se relacionava a imagens oriundas da sua paisagem litorânea.Agora nós temos aqui a borda do Mar de Riatra, e a borda é o detalhe, (11:55) a borda é a precisão, mas ao mesmo tempo essa borda é um lugar de contemplação. Essa borda é também, veja só, a superfície. Como a paisagem litorânea, Diego, se faz ver aos leitores?
Eu nasci em uma cidade marítima, eu nasci na Parnaíba, que contém ricas paisagens naturais e arquitetônicas. A minha cidade natal é banhada pelo Rio Igaraçu, o braço do rio Parnaíba, esse rio Parnaíba que é o Velho Monge cantado por Da Costa e Silva, autor do nosso belíssimo hino. Então o elemento água sempre esteve presente no meu olhar de menino da beira do cais.
Eu fui menino de rua, de pés descalços, de pés na água, um flanador da Parnaíba, um flanador da minha cidade. Eu gosto do meu lugar, sempre gostei, e gosto, da minha gente. E é esse amor à terra natal que vem à tona nessa superfície, como você diz, nessa borda, nessa margem, nessa superfície exótica que detém o mar e o mar da invenção, que é Riatra, é rio, o rio que corre a minha cidade, juntamente com Atlas, o oceano, e aí a filosofia e também a mitologia, os mitos estão muito presentes nessa criação, nessa fabulação mágica.
Foi isso que Manuel Bandeira fez com Passárgada, foi isso que Keats fez com Hinesfried, foi isso que o nosso grande romancista Prêmio Nobel (14:03) fez com a sua Macondo, Gabriel Garcia Marques. E é isso que eu procuro fazer na minha poesia. Tem um poeta da minha terra chamado Raimundo Petit, ele é, pra mim, o maior poeta da minha cidade. E ele diz, em um único verso, em um poema chamado Saudade, o que eu sinto agora, através dessa sua pergunta, Dilson, eu vivo como o mar bebendo os rios. Veja, eu vivo como o mar bebendo os rios. É o que eu faço para criar a minha poesia, para criar essas imagens belíssimas da minha terra, do ser telúrico, do ser existencial, do ser que sempre retroage ao outro tempo, ao tempo da infância, ao tempo da inocência.
Acompanhe a entrevista na íntegra: