ELMAR CARVALHO

 

Contou-me um amigo que o seu pai gostava de comprar frango assado em determinado comércio de sua cidade. O proprietário, que era ainda bem jovem e entusiasmado com a vida e com as suas promessas e acenos, apreciava essa preferência e distinção. E para agradar o pai de meu amigo, que fora considerado um belo tipo de homem, pelo seu porte altivo, elegante, e pela cor da pele e de seus olhos claros, ressaltava esse fato com muita graça, no chiste alegre, que se transformara em bordão:

– Que homem bonito! Se eu fosse uma mulher, já tinha me perdido com ele...

E sorria de seu próprio gracejo ingênuo, feito apenas na tentativa de agradar.

 

O velho pai de meu amigo, com certa indulgência, sorria da brincadeira do rapaz, mas murmurava para o filho, dentro do automóvel:

– Para você ver como é a vida. Esse rapaz tão jovem, tão feliz, e eu tão triste, tão amargurado...

Já ele praticamente não movimentava as pernas, ele que outrora fora dinâmico, vigoroso, e que, em sua mocidade, pilotara ariscas motocicletas e cavalgara árdegos e vistosos corcéis.

 

Por coincidência, neste exato momento, acabo de ler a nota do dia 27 de outubro de 1931 do Diário Secreto de Humberto de Campos, quando este escritor viajava, bastante adoentado, a bordo do Astúrias, famoso navio da época, em viagem cultural a Montevidéu e Buenos Aires. Já, então, começava a descambar para o termo de seus dias.

 

O passeio, que em outras circunstâncias poderia ter sido alegre, foi melancólico e sofrido, tendo ele consignado na referida anotação: “Onze horas da noite. Ouço barulho, palmas, alegria, no convés que fica acima do meu. Dança-se, grita-se, aplaude-se. Informam-me que há, a bordo, dança e cinema. Mas eu continuo deitado, lendo, dormindo, ou gemendo, sem indagar se é dia ou se é noite, se o sol brilha lá fora ou se brilha no céu a lua. Não posso dar dois passos sem uma dor dilacerante”. Não prosseguirei com a transcrição dos gemidos do notável cronista.

 

Em poema evocativo de sua infância, o velho bardo Manuel Bandeira relembra que, em certa noite de São João, quando foi dormir, tudo ainda era festa, alegria, risadas, tiros de foguete, luzes, música e conversas, e quando acordou, alta madrugada, tudo era silêncio e solidão e tristeza. O poeta lembrou-se de outra noite, a noite maior, a noite absoluta da morte. Passados tantos anos daquela noite tão animada de sua infância, o velho menestrel indagou, referindo-se aos que participaram dos folguedos: “Onde estão todos eles? / — Estão todos dormindo / Estão todos deitados / Dormindo /Profundamente”.

 

Mas o mesmo Manuel Bandeira, em outro poema, nos exorta a aceitarmos as nossas tristezas. Nos aconselha a aceitarmos as nossas melancolias, e até mesmo a aprendermos a amá-las, que um dia a amaríamos. Tenho procurado seguir a recomendação do velho poeta, mas jamais bimbalhando os falsos guizos da alegria, como diz a letra da canção popular. Deixo isso aos palhaços das perdidas ilusões, para continuar com a letra da mesma canção melancólica.