CONFISSÕES DE UM MATADOR
Por Antônio Francisco Sousa Em: 27/01/2009, às 16H26
Diria que ele me escolheu para seu matador, pois, apesar de ouvir falar sobre minha existência, jamais me evitou.
Acho que zombava de mim; certamente, deve ter dito ou pensado muitas vezes: que nada! Sei me defender. Ninguém me pega desprevenido. Tudo bem, não me apressei; aliás, nunca me apresso. Deixei-o imaginar que era imortal.
O tempo foi passando e, sem que desconfiasse, segui-o pelos bares, cafezinhos, boates, shows, festinhas.
Por um curto período, ele desapareceu de minha vista; porém, inadvertidamente, voltou e continuou me afrontando.
Resolvi cercá-lo, definitivamente. Até então, creio, ele não percebera minhas reais intenções. Não uso bala, objeto cortante ou perfurante, nem qualquer projétil mortífero; prefiro arma mais silenciosa e sutil: um bom veneno. Também não desisto dos trabalhos assumidos. Vou às últimas consequências. A propósito, foi graças a meus venenos, que lhe mandei várias vezes ao hospital, inclusive, aquela, a primeira, a fim de se tratar do que supunha fosse uma mera infecção pulmonar.
Devo admitir que o cara era bom de briga. Sempre que se recuperava, voltava a me testar. Deixa estar, pensava eu: você não perde por esperar. Veremos o que diz de mais algumas doses de meus psicodélicos venenos. Depois de certo tempo, ele passou a ser cliente habitual dos hospitais da cidade. Ora, com uma dorzinha nas costas; ora, com problemas respiratórios ou circulatórios; tosses. É que os venenos que utilizo, atuam com muita eficácia nas vias aéreas e, em especial, nos pulmões. Ainda assim, o sujeito não se entregava. Que beleza! Esse tipo de vítima proporciona prazer quase orgástico a um matador experiente como eu. Quanto mais tinhoso, teimoso e insensato o candidato a defunto, melhor.
Não lhe dei trégua. Continuei atacando. A família dele já andava desconfiada há tempo. Para amigos e parentes, somente ele não via que estava sendo envenenado. Tolos! Ah como seria monótono o mundo se vocês não existissem!
Percebi que ele, de fato, não me queria longe dele. Dispus-me, pois, a concluir meu trabalho com tranquilidade. Nem precisei aumentar as doses de venenos que lhe administrava: o néscio estava sob meu comando; telepaticamente, pedia-me para não deixá-lo sem aqueles. Pedido atendido, prontamente, claro: como desapontar alguém tão “importante”?
Eis que ele teve um seríssimo problema cerebral, que começou com o rompimento de um aneurisma e culminou num grave acidente vascular. Longa internação; tempo suficiente para eu cuidar de outras encomendas em curso.
Depois dali, descobriu-se com câncer. Em vez de tratar de sua saúde e segurança, preferiu continuar consumindo meus venenos. Que idiota!Nem às portas da morte, mudava de opinião. Bem, se ele queria me ajudar, azar o dele.
Internado pela última vez, extraíram-lhe um dos pulmões e só não tiraram o outro e diversos órgãos com metástase, para que não morresse no hospital. Eta veneno pai d’égua! Ainda lá, teve um novo acidente vascular cerebral. Todavia, contrariando quaisquer prognósticos, desinternou-se, mas com câncer espalhado por todo o corpo. Sobreviveu poucos dias.
Missão cumprida. Sem falsa modéstia, sou muito bom no que faço. Matar é minha especialidade. Às vezes, trabalho em equipe. Tenho amigos igualmente eficientes e confiáveis. Meu nome de guerra é Cigarro; meus colegas são o Álcool, o Crack, a Cocaína, a Heroína... Nós não brincamos em serviço.
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal