[Cesar Barroso - especial para Entretextos]
Recebi um gentil convite do nosso cônsul, Emb. Hélio Ramos, que me surpreendeu: participar de uma palestra do escritor brasileiro Milton Hatoum. Corri ao Google para, quem sabe, reavivar a minha memória, mas concluí que jamais ouvira falar de Milton Hatoum. Total ignorância. Culpa minha, conforme explicarei abaixo.
Antes permitam-me informar que esse editor não é novato nem leigo nessa área. Formado em Literatura Brasileira, fui aluno do Prof. Domício Proença Filho, membro da Academia Brasileira de Letras por mérito próprio. Li todo o Machado de Assis e todo o José de Alencar. Li o Padre Antônio Vieira, Gregório de Matos Guerra(como eu gostava do "Boca de Inferno"!), Frei Manuel de Santa Maria Itaparica. Depois li literatura brasileira barroca, parnasiana, romântica, simbolista, pré-mo derna, moderna... Cultuei através da leitura Guimarães Rosa, Mário Palmério e Euclídes da Cunha por muitos anos.
Eu era um verdadeiro rato da biblioteca municipal da Avenida 13 de Maio, no Centro do meu querido Rio de Janeiro. E não fiquei só na literatura brasileira: li muito Balzac, Flaubert, Thomas Mann, Dostoiévski, os grande escritores portugueses - Luiz de Camões("Lusíadas" e "Sonetos"), Camilo Castelo Branco, Miguel Torga, Eça de Queirós, apenas para citar alguns - Cervantes e Camilo José Cela do lado espanhol. Deixem-me incluir ainda alguns latino-americanos, como Gabriel Garcia Marques, Gabriela Mistral, Pablo Neruda. Acrescento ainda que estudei literatura inglesa e americana com o a Prfa. Letícia Cavalcanti Niederauer, que tinha doutorado pela Universidade da Pennsylvania. E li muitas das principais obras das literaturas inglesa e americana.
E por que não conhecia Milton Hatoum? Bem, não conhecia Milton Hatoum porque desde o início dos anos 80 deixei de acompanhar o movimento literário brasileiro. Depois de breve passagem pelo magistério e pelo jornalismo, ainda no Brasil, me entreguei a outras atividades, muito ligadas aos Estados Unidos, para onde posteriormente me mudei, e praticamente deixei de ler literatura brasileira e os suplementos literários. Culpa minha, exclusivamente minha. Hoje em dia leio muito sobre minha arte, a fotografia, o budismo, a filosofia, e um romance estrangeiro de vez em quando(nesse momento leio " Purge", da finlandesa Sofi Oksanen).
Acabei, depois da surpresa do convite, tendo outra surpresa, a de ter encontrado um escritor brasileiro que conseguiu no convívio de apenas duas horas, convencer-me de que devo voltar a ler literatura brasileira. E prometi a mim mesmo que oportunamente recomeçarei, justamente por "Dois Irmãos", de cuja leitura passarei minhas impressões aos leitores dessas linhas.
Do encontro, lamentei apenas a sua brevidade. Milton Hatoum levantou algumas questões ali que mereciam debate demorado. Uma delas a do nosso relacionamento com os outros países latino-americanos. Realmente, como foi dito, o relacionamento não é melhor, como merecia, por culpa mútua. Visito esses países desde 1966, quando fui ao Chile com uma bolsa de estudos, e desde então lamento que a gente brasileira conheça tão pouco a cultura de nossos hermanos, e que eles não façam esforço pa ra compreender e falar a nossa língua. Como disse Milton, o comércio agora faz essa aproximação, e espero que se estenda às culturas e artes dessas nações tão ricas culturalmente como a nossa. Hoje, com uma namorada peruana, vivendo em Miami Lakes, a poucos passos de Cuba(Hialeah), e tendo feito uma viagem recente à Guatemala, mais do que nunca estou convencido de que o enriquecimento que essas culturas podem nos trazer é enorme.
Uma declaração do Milton merecia mais explicações - "A literatura é transcendência da vida, quanto mais longe da vida, mais perto da vida" - para o público presente à palestra. Para mim, a literatura transcende à vida mas só consegue isso ficando o mais perto possível da vida. De qualquer forma, não houve tempo para se desenvolver esse debate. Como também não me ocorreu pedir o e-mail do escritor para poder inquirí-lo eletronicamente a respeito.
Outra questão que poderia ter sido aprofundada foi se há algum paralelismo entre "Dois Irmãos" e "Isaú e Jacó", de Machado de Assis. Como ainda não li o livro de Milton, não posso dar uma opinião a respeito, mas gostaria de tê-la ouvido da boca do autor.
Foi uma linda tarde que nos proporcionou o consulado brasileiro. Estamos seguros que haverá muitas outras, em vista do apoio que o Emb. Helio Ramos vem dando à cultura e às artes brasileiras em Miami.
Miami, 10 de maio de 2012.