Conceição
Em: 08/10/2007, às 13H02
Por Rogel Samuel
Chamava-se Conceição.
Talvez fosse 'nome de guerra' da bela jovem, profissional do amor, no cabaré Xangri-lá. Manaus.
Ele se apaixonou.
Ao Cabaré chegava de carro. Trazia presentes caros, jóias.
O Xangri-lá era fora da rota da estrada.
Sítio deserto, secreto, no baixio da selva, longe dos olhos das famílias, mas conhecidíssimo dos jovens da época.
Ali os boleros se arrastavam, decadentes. Dalva de Oliveira, Ângela Maria, amores contrariados, tristeza, dor. Um dizia: 'Assim... se passaram dez anos...'
Dançava-se.
Mas o ambiente tinha certa classe.
Limpo, as moças quietas nos cantos, os fregueses sentados às mesas, sós ou em grupos, calmos, pediam uma XPTO, sorriam para as mulheres, todas jovens, que correspondiam, discretas.
Um ou outro se levantava, tirava dama para dançar, depois a conduzia para mesa.
Encontros íntimos, se houvesse, aconteciam fora da vista, nos fundos do prédio, para onde se ia através de cortinados sucessivos de renda, atravessando-se por um corredor misterioso, iluminado de mortiça luz vermelha.
Galeria de portas.
Tudo perfumado de cumaru, flores de papel crepom.
Para quem chegava, lugar de dança. Havia aqueles que só iam para dançar, prosear com amigos, beber uma cerveja à noite.
As moças, assim chamadas, vinham do interior.
Jovens, havia com menos de dezoito anos, na época comum e muito apreciado.
Elas pareciam felizes.
Algumas faziam as unhas, outras se distraíam com velhas revistas de moda, qualquer coisa.
Mas caladas.
Um ritual, o ambiente. Lá estavam algumas das mais respeitáveis famílias da terra, a maioria homens casados, e em Manaus a primeira pergunta era: 'De que família você é?'
Ele era jovem e solteiro.
Pois conheceu Conceição, e por ela se apaixonou, de verdade.
Paixão de jovem sempre séria, quis casar-se, ninguém deixou, ela mesma não quis, que continuassem amigos, assim.
E ela naquele bordel, mas exclusiva dele.
Todo o dinheiro que lhe dava era enviado para a família. No fim de um ano o recurso dava comprar uma casa.
Às vezes ela viajava...
Dizia que visitava a mãe velha. Dizia. Ausentava-se por uns dias.
Mas voltava sempre bela, fresca, feliz.
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Um dia se foi de vez.
Desapareceu no Interior, ninguém mais a viu.
Deixou um bilhete, escrito por outrem, pois era analfabeta.
Que tinha um noivo, há muito tempo comprometida, viera para trabalhar, ganhar dinheiro antes de se casar. Agradecia por tudo, deixava um 'Deus te recompense'.
Ele enlouqueceu.
Gritou. Chorou. Adoeceu. Foi procurá-la. Mas o Amazonas é enorme.
Tempos depois, no cabaré, soube que ela estava casada e grávida.
Passaram-se cinqüenta anos.
Semana passada, vinha ele frajola e sacudido pelas lojas Amazonas Shopping quando abordado por senhora de idade.
— Lembra-se de mim?
— Não, disse ele. Não se lembrava.
Ela tirou um cartão da bolsa e deu para ele:
— Eu sou a Conceição... — e desapareceu na massa.
No dia seguinte, viu que tinha perdido o número.
Outra vez.