[Maria do Rosário Pedreira]

Quando comecei a ler o livro de que hoje falarei, senti, não por acaso, reminiscências de outro título do autor, O Inocente, cuja acção decorre em Berlim e envolve os preparativos, num subterrâneo, da construção do Muro entre as duas Alemanhas que, felizmente, veríamos ser desmantelado em 1989. Mel, de Ian McEwan, tem o mesmo mistério e o mesmo tom de secretismo, mas passa-se nos anos 70 do século passado numa Inglaterra que anda seriamente irritada com os primeiros avanços do IRA e a força da União Soviética. A protagonista do romance chama-se Serena Frome (não, Mel é o nome de uma operação secreta, não de uma pessoa ou dessa substância que as abelhas produzem) e é uma rapariga bonita, filha de um bispo de uma cidade pequena, que acaba por tirar o curso de Matemática na Universidade de Cambridge, embora goste sobretudo de literatura. Longe da alçada da família, depois de vários relacionamentos curtos e falhados e de muitos livros lidos, Serena envolve-se com o tutor de um ex-namorado, com quem aprende quase tudo e de quem se separa em circunstâncias bastante inesperadas. Mas é, no fundo, ainda com a sua «ajuda» que ingressa nos Serviços Secretos britânicos no fim da licenciatura, nos quais, afinal, as suas leituras lhe vão dar um jeitão. O resto – lamento muito – não se pode contar, porque, em matéria de espionagem, as surpresas são muitas a cada novo capítulo – e às vezes bastante desarmantes, diga-se de passagem. Embora prefira outros títulos deste autor, este Mel é tudo menos doce, mas deixa-nos a pensar na forma como são recrutados os espiões e no cinismo e na frieza com que determinadas operações são levadas a cabo pelos Serviços Secretos.