Como funciona a ficção
Por Bráulio Tavares Em: 25/03/2011, às 11H26
[Bráulio Tavares]
Foi publicado pela Companhia das Letras o livro Como funciona a ficção(“How fiction works”) de James Wood, em que ele comenta a literatura de ficção em capítulos como “Detalhe”, “Personagem”, “Uma breve história da consciência”, “Simpatia e complexidade”, “Linguagem”, “Diálogo”, etc. Seus exemplos são geralmente de autores clássicos (Flaubert, Henry James, Tolstoi, Joyce, etc.) mas também recorre a contemporâneos como V. S. Naipaul, Saul Bellow, Muriel Spark, José Saramago.
Este livrinho me foi muito útil (como leitor e como escritor), porque me fez ver coisas que eu nunca tinha visto, e me fez arrumar no juízo coisas que estavam dispersas e separadas. Ler ficção é interpretar o que está sendo dito, como está sendo dito, por quem está sendo dito, e por que está sendo dito assim. A literatura não é só um diálogo entre o autor e o leitor, é algo mais complexo. O diálogo se dá entre os personagens, entre o autor e cada personagem, entre o leitor, o autor e cada personagem. São consciências que se superpõem, e não faz mal se algumas delas (as dos personagens) são inexistentes, porque o objetivo da ficção (um dos) é justamente nos dar a possibilidade (ou a ilusão útil) de ver o funcionamento de outra mente por dentro, de ver uma pessoa pensando.
O Globo publicou uma entrevista de Wood no caderno “Prosa e Verso” de 12 de março (http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/) e ao lado uma crítica arrasadora de Flora Sussekind, que caiu sobre o livro com gosto de gás. Flora vê no livro uma “dimensão farsesca” e uma “reaplicação anacronizante e redutora (em geral, sem qualquer crédito) de categorias e perspectivas analíticas alheias”. Ela diz que Wood “procura deslizar com estilizada naturalidade, e sem maiores paradas reflexivas, pelas questões da narrativa e teoria da ficção que mal deixa virem à tona em seu texto”. E que nenhum dos processos de análise do texto que Wood aplica foi inventado por ele. Queixa-se de que ele simplifica e empobrece conceitos alheios e não dá o devido crédito aos seus criadores, que ela cita: Eric Auerbach, Chklovski, Wayne Booth, Ann Banfield, Genette, Roy Pascal, Wolfgang Iser, Roland Barthes, Mieke Bal, Dorrit Cohn...
Esta crítica me chamou a atenção porque Flora Sussekind é uma crítica competentíssima de quem já li numerosos ensaios e guardo com carinho o excelente livro O Cinematógrafo das Letras (1987) sobre as relações entre a literatura brasileira e a tecnologia. Sua crítica (por mais justificável que possa ser do ponto de vista acadêmico) me pareceu excessiva. O mundo acadêmico, pelo que sei, é um mundo de saber compartilhado, de instrumentos de análise que depois de criados tornam-se de uso corrente. (Que utilidade teria um instrumento teórico que só pudesse ser usado pelo seu criador?) Wood mostra como a ficção funciona; Sussekind me deu uma lista de nomes para que eu possa aprofundar este estudo. Agradeço a ambos – e recomendo o livro.