[Paulo Ghiraldelli jr.]

Pagando entre 800 a 1200 reais o professor do ensino básico, insistindo em uma reforma do ensino médio em que as disciplinas básicas serão diluídas em caldeirões confusos com o único objetivo de diminuir o número de professores, dispondo de um dos alunados mais incompetentes do mundo em leitura, interpretação de texto e matemática, mostrando uma taxa assustadora de analfabetismo funcional, o Brasil deu mais um passo para a derrota anunciada: de supetão, raivosamente, sem consultar ninguém, passou o curso de medicina da seis para oito anos. O governo fez isso exatamente no momento em que afirma que falta médico no país.

O aumento de dois anos no curso de medicina é a forma que o governo encontrou não só de exercer o seu ressentimento contra os médicos, que agora, mais que nunca, fica mesmo evidente. O aumento é também uma forma de dispor de mão de obra barata, regimentada por bolsa e não por salário, além de tratar o futuro médico de modo imoral e, de certo modo, ilegal. O que se está fazendo é a eliminação do direito ao trabalho livre. E pior ainda, o que se está propondo é que as faculdades públicas de medicina se tornem pagas. Os pais da garotada já pagam impostos para manter a universidade pública, é um desatino obrigar que alguém, por fazer universidade pública, no atual regime social e político brasileiro, trabalhe onde não quer, por dois anos, como se estivesse tendo que pagar por ter feito a escola pública superior.

Bem, tudo isso seria um crime com justificativa se tais medidas resolvessem os problemas de saúde pública no Brasil e, principalmente, a falta de médicos. Mas não é o caso. O governo não tem nenhum plano de política de saúde para o interior. Brasília tem feito parcerias com prefeituras, onde estas fazem o prédio hospitalar e o governo se obriga a pagar o salário do médico, mas o fato é que, em grande parte dos casos, ou o governo atrasa o pagamento ou simplesmente não paga. O médico vai embora e, quando alguém assume o prédio, este já está deteriorado.

Em meio a tudo isso, continua a guerra da propaganda. O governo agora joga pesado, inclusive disponibilizando ministros, de modo a enraivecer a população contra os médicos. Por baixo do pano, incentiva o jornalismo marrom a bombardear a sociedade de informações erradas sobre concurso público, salários etc. Os médicos morderam a isca. Aceitaram a aprovação do Ato Médico e agora podem ficar ainda mais fragilizados diante da opinião pública.

Nossa opinião pública, já escrevi isso, não gosta do médico, pois o vê como rico e privilegiado e como quem faz pouco caso do pobre nos hospitais públicos. A verdade é que ninguém quando está doente tem cabeça para refletir sobre condições histórico-sociais de deterioração das condições de trabalho do médico. As pessoas, uma vez doentes, querem que o médico chegue e cumpra com milagre seu juramento de Hipócrates. Ninguém sabe que, no seu íntimo, o médico está desesperado, ao ver que foi colocado em um lugar que torna seu saber em medicina completamente inútil.  Uma população sofrida em hospitais, como a nossa, é presa fácil da propaganda governamental que, enfim, decretou guerra mesmo, efetiva, contra os médicos.

Entendo o governo. Conheço bem a cabeça do militante petista. Sei quem são as pessoas que estão no governo e como pensam de modo torpe. A fala de Marilena Chauí, vociferando contra o que chama de “classe média” disse tudo. Todavia, o que não compreendo é Dilma aceitar entrar nesse jogo de governar na base do ódio. Isso não vai levar a bom termo.

A sensação que tenho é que o governo está tentando responder com populismo aos protestos, considerando os setores mais pobres. Mas como sabe que o movimento carreou muita gente de classe média, está reagindo de modo rancoroso com as categorias profissionais que acredita que são de classe média. Assim, tudo vale, inclusive mexer no curso de medicina como se estivéssemos na ditadura, quando todo dia éramos surpreendidos com leis e mais leis modificando a estrutura do nosso ensino.

Diante do caos em que se encontra o ensino básico público e diante da maneira como o governo trata o ensino superior, essa mexida no curso de medicina até tem sua razão: está bem no contexto da balbúrdia que é a política educacional brasileira. Juntou tudo, o erro na saúde com o erro na educação.  Depois disso, acho melhor, mesmo, trazer os médicos cubanos. O governo está deixando as coisas tão ruins que os cubanos aqui nem serão notados como mão de obra fraca.

© 2013 Paulo Ghiraldelli, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ