Sandoval foi taxativo: estamos vivendo um tempo de expiação! Que pode haver, de descalabro, que possa superar o que se está presenciando hoje? Certamente, logo, logo entraremos num período de regeneração, que nos levará a uma época de regozijo. Não existe outra explicação...
 Claro que há, interrompi-lhe: desde o tempo de Sócrates, Platão, portanto, bem antes de Cristo, que os sábios já se revoltavam com o mundo em que viviam. Vivemos ciclos, meu velho, e, este, quem sabe não seja um daqueles? Você, por certo, já ouviu dizer que até as pedras terminam se encontrando...
 Fui interrompido por ele e, ignorado: só em Sodoma e Gomorra, quarenta séculos atrás, houve tantas e tão variadas formas de depravação sexual. Nem é preciso abrirmos os jornais para tomarmos conhecimento de um novo tipo de aberração: as manchetes se encarregam de apontá-las em profusão. Empresários, políticos, magistrados, religiosos, gente pobre ou rica, numa freqüência assustadora, infestando e contaminando a imprensa com atos capazes de enrubescer o mais depravado dos sodomitas. Tudo é permitido. Pais violentando filhos; filhos abusando dos pais; menores se prostituindo por um jeans moderno, um tênis maneiro, um relógio da hora; um grama de cocaína, uma pedra de crack, uma trouxinha de maconha.
 Os meios de comunicação mostrando, porque isso sempre deu bons resultados, a desgraça humana e a violência como espetáculos sensacionais; modalidades inusitadas, estratégias audaciosas, novas espécies de crime; noticiando, também, a respeito da impunidade que, geralmente, alcança quem se afasta da legalidade.
Por isso, amigo, é que mais e mais jovens se atiram de cabeça nessa balada estupidificante. Lá no sul, mostra o repórter da televisão, aquele assaltante que somente fica satisfeito quando, antes de furtar a vítima, a fere com um tipo qualquer de arma. Se foi um sucesso naquelas plagas, lógico que o bandido das bandas de cá copia. É a velocidade da informação prestando um desserviço à sociedade, mas um ótimo serviço ao submundo do crime. Não dava para parar Sandoval que, a propósito, falava com grande propriedade.
 Falta algo, continuava. Um pouco de fé, talvez. Que dizer daquele adolescente, pego num flagrante depois de confessar ter matado um comparsa e que, irascível, na frente das câmeras e dos vários microfones que se lhe abriram como se fosse conceder uma entrevista coletiva, afirmou que se vingaria de todos os cagüetes, aos quais nominou, que lhe entregaram aos “homens”? Que, em seguida, falou que apenas pouparia sua mãe, coitada, que diversas vezes tentou tirá-lo do mundo do crime, sem conseguir? O mesmo garoto que, ainda no curso da reportagem – já, ao que parecia, contando com a liberdade que logo viria – garantia que sua missão não seria difícil, uma vez que, em todos os crimes de que participara, estava sob efeito de drogas.
 Todavia, não somente os jovens matam e morrem sem um convincente motivo. Guerras absurdas e desnecessárias, não no trânsito ou entre quadrilhas de criminosos organizados, mas patrocinadas por nações poderosas e ricas estão acontecendo nas nossas barbas. E o pior, envolvendo miseráveis ou gente que um dia viveu como irmão, dividindo os mesmos territórios, socializando as mesmas riquezas e pobrezas. Alguns, orgulhosos de estarem nessa empreitada diabólica por vontade de seu Deus. Que diabo de deus é esse, companheiro, que exige de seus crentes, para que possam obter a suprema glória, além do sacrifício da própria vida, a de tantos quantos, inocentes ou não, possam ceifar juntamente com a sua? Deixe isso para lá, concluiu Sandoval, enojado.
 Nem me permitiu falar das pestes, da fome, das doenças que, coincidentemente, proliferam, na mesma escala de valores das degradações morais e sociais. Bom, mas isso também já era assim antigamente.
     Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal e escritor piauiense