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[Bráulio Tavares]

Começar bem um livro é meio caminho andado, e alguns começam tão bem que seu trecho mais famoso acaba sendo a frase inicial (o que, aliás, me deixa sempre em dúvida quanto à qualidade de todo o resto do romance). Não posso deixar de indicar os modelos de sempre: Cem Anos de Solidão, Um Conto de Duas Cidades, O Processo, Lolita, Grande Sertão: Veredas, Gravity’s Rainbow, Neuromancer...

O saite Infoplease (http://bit.ly/19jCNAR) publicou uma lista dos “100 Melhores Começos”, que relaciona todos estes e mais alguns. O que é uma boa chance para conhecer novidades. Toni Morrison começa seu Paradise dizendo: “Eles atiraram primeiro na garota branca”. É o tipo da abertura que me faz anotar mentalmente o livro e pegá-lo na primeira oportunidade para ler pelo menos a primeira página. Sempre é bom começar uma história “in media res”, no meio dos acontecimentos. A coisa arranca tão rápido que o leitor fica com medo de pular fora e torcer o tornozelo.

Simpatizei com o espanhol Filipe Alfau, que começa seu Chromos com: “No momento em que alguém aprende inglês, começam as complicações”. E com a desconhecida Anita Brookner que, de certo modo, o ecoou em The Debut: “Aos 40 anos, a Dra. Weiss sabia que sua vida tinha sido arruinada pela literatura”. Num outro diapasão não há como não dar um pulo na poltrona ao ler a abertura de The Crow Road de Iain M. Banks: “Foi no dia em que minha avó explodiu”.

A abertura nos joga de corpo inteiro na história, seja com o flash de uma época ou de uma paisagem, seja com o retrato instantâneo do protagonista ou de um personagem qualquer, cuja vividez nos serve de isca para continuar lendo o resto.

Por outro lado, nos joga também na mão do narrador, que, se for hábil, impõe desde logo o tom e a cadência da sua cantiga. Todo romance bom tem uma cantiga, tem um jeito de contar e de dizer, tem uma escolha de sonoridades e de ritmos. Não é só o que se diz, é o jeito único e inimitável de dizer. Como o de Flannery O’Connor em The Violent Bear it Away: “O tio de Francis Marion Tarwater estava morto somente há metade de um dia quando o rapaz ficou bêbado demais para terminar de cavar sua cova, e um negro chamado Buford Munson, que tinha vindo encher um garrafão, teve que terminar de cavá-la e depois arrastar o corpo da mesa onde ele ainda estava sentado e sepultá-lo de modo decente e cristão, com o sinal do Salvador na cabeça do túmulo e terra bastante por cima para não deixar que os cachorros o puxassem para fora”. Ambiente, meio social, pessoas, crueza de linguagem, vem tudo na primeira pincelada, e cabe ao autor continuar à altura dela.