Coisas do mundo

[Ferreira Gullar]

Todas as coisas de que falo estão na cidade 

entre o céu e a terra. 

São todas elas coisas perecíveis 

e eternas como o teu riso 

a palavra solidária
 

minha mão aberta 

ou este esquecido cheiro de cabelo 

que volta 

e acende sua flama inesperada 

no coração de maio. 

Todas as coisas de que falo são de carne 

como o verão e o salário. 

Mortalmente inseridas no tempo, 
estão dispersas como o ar
no mercado, nas oficinas,
nas ruas, nos hotéis de viagem. 

São coisas, todas elas, 

cotidianas, como bocas 

e mãos, sonhos, greves,

denúncias, 

acidentes do trabalho e do amor. Coisas, 

de que falam os jornais

às vezes tão rudes

às vezes tão escuras 

que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade. 

Mas é nelas que te vejo pulsando,     

mundo novo,

ainda em estado de soluços e esperança.