[Bráulio Tavares]

Toda semana, quando penso em preencher esta coluna, sofro um calafrio de pânico: “Não dá, não vai dar, não vou conseguir.” Tenho conseguido, em parte com a ajuda de Coelho Neto. Se Coelho Neto conseguia, por que não eu? Este respeitável cronista já foi considerado O Maior Escritor Brasileiro, como tantos outros que hoje empoeiram no arquivo-morto da Literatura. Era um dos autores favoritos de meu pai, que tinha em suas estantes uma longa fileira de títulos seus, editados por Lello & Irmão, de Lisboa. As crônicas de Coelho Neto abordavam muitas vezes assuntos, como a política de 1900, totalmente opacos para um leitor de 14 anos, mas o grande lance era o seu vocabulário, aparentemente inesgotável. Ainda hoje lembro de palavras suas (“imarcessível”, “sotopostos”) que não reencontrei em nenhum outro autor.

Suas crônicas e pequenas histórias estão reunidas em livros como Às Quintas, Velhos e Novos, Lanterna Mágica, Água de Juventa, e foram o meu primeiro contato com esta curiosa atividade humana que é escrever todos os dias. Logo em seguida tomei conhecimento da obra de Humberto de Campos, outro cronista inesgotável, contemporâneo de Coelho Neto (e maranhense, como ele). Não posso deixar de admirar a quantidade de texto que esses caras produziram na era do papel almaço, da pena e do tinteiro. Semanas atrás, numa exposição no Banco Santos, em São Paulo, vi um manuscrito original de Coelho Neto. Era a mesma letra miudinha, desenhadinha, que eu tinha visto na infância, no fac-símile de uma página sua na Enciclopédia Delta-Larousse. Além de escrever caudalosamente, o cara ainda o fazia com uma letra caligráfica, que nunca se alterava.

Seus romances realistas (Sertão, Inverno em Flor, Banzo, Miragem, O Rajá do Pendjab) nunca me interessaram muito, e não creio ter lido nenhum deles até o fim. Guardo deles uma colagem de fazendas no interior, pessoas tuberculosas, escravos sofredores, patriarcas despóticos, casamentos sombrios. Prefiro seus romances fantásticos, como Imortalidade, uma lenda medieval sobre o elixir da vida eterna, e Esfinge, uma curiosa fábula alquímico-esotérica sobre um casal de gêmeos que sofre um acidente e consegue sobreviver com a cabeça da moça sendo transplantada para o corpo do rapaz.

Seu melhor livro, dos que conheço, é A Conquista, crônica da juventude boêmia do Rio na década de 1880, durante a campanha abolicionista. É um “roman à clef”, com personagens históricos que aparecem sob seu verdadeiro nome (como José do Patrocínio) ou sob nomes supostos: Anselmo Ribas e Ruy Vaz (alter-egos do próprio Coelho Neto), Paulo Neiva (Paula Nei), Otávio Bivar (Olavo Bilac), etc. Já pensei em adaptá-lo para o cinema, transpondo a ação para a década de 1980, durante a campanha das “Diretas Já”, e mantendo seus divertidos episódios de poetas e jornalistas sempre na pindaíba, fazendo versos, namorando, pedindo dinheiro emprestado, e vivendo um momento histórico que não se repete.